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Qual é o problema da educação no Brasil? (Por Rodrigo Bouyer)

Adquirir conhecimento, aqui, muitas vezes, é um privilégio

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O problema da educação no Brasil é fruto da desigualdade social. Este é um país cujo pano de fundo parece ter sido escrito por Carolina de Jesus, Lima Barreto, Darcy Ribeiro e Graciliano Ramos. E, de certa maneira, tais protagonistas da literatura foram também observadores perspicazes da realidade caótica do país, retratando-a com maestria. Decerto, tais autores compartilhavam um desconforto quanto ao ambiente que os cercava, o qual permanece – em outro contexto e em outra época – o mesmo. Dizer que o ensino no Brasil tem raízes profundas na condição sistêmica pela qual a nossa sociedade se dinamiza significa entender que as adversidades impostas são materiais e inerentes à nossa história.

Quando abolida a escravidão, por exemplo, a população “livre” que aqui vivia foi vilipendiada por um projeto de branqueamento que trouxe imigrantes de fora para que, aos poucos, não houvesse mais retintos no território. Sim, trata-se de um projeto eugenista que aparta todo um povo, cuja memória foi apagada, perdendo-se no tempo-espaço. Esse processo fez haver uma amálgama étnica que se miscigenou, de maneira que o racismo por aqui foi se arraigando, conforme a gradação da coloração da pele do indivíduo. Não é à toa que a população que mais sofre encarceramento, adversidades climáticas e com a falta de acesso a ensino e direitos básicos é negra.

Quanto mais pobre, menos há a garantia de que a pessoa consiga estudar. Quanto maior a distância dos grandes centros urbanos, mais difícil é o acesso a universidades e a um preparo pré-acadêmico no ensino de base, o qual muitas vezes é menos que insatisfatório. No entanto, por que insistir na ideia de que o problema na educação está arraigado à desigualdade social e acomete primordialmente a população pobre e preta no país? Porque isto é um fato. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a maior parte dos trabalhadores no Brasil possui ensino médio completo e a maioria das vagas ofertadas também é direcionada a esse perfil. Nos últimos anos, o crescimento brasileiro tem sido muito focado nos serviços. Estas são as funções que menos exigem qualificação e escolaridade.

Muitos têm o diploma, mas não possuem o conhecimento necessário que o mercado exige para aplicar o aprendizado à rotina diária.

Alguns fatos podem explicar esse fenômeno. Atentemo-nos a estes. Destacam-se alguns aspectos sobre a recente massificação do ensino no Brasil. Com a criação do Prouni e Fies, mais indivíduos puderam ter acesso à educação no país pelas universidades não gratuitas (que cobram mensalidade). O Sisu também o promove por meio de um método semelhante aos que eram aplicados pelos vestibulares antigamente. Essa foi uma maneira de franquear um segmento quase hermético, a que somente as classes dominantes tivessem acesso. Um fenômeno estranho, contudo, ocorre com os discentes que tentam ingressar no mercado de trabalho; apesar da escolaridade avançada, a colocação no âmbito profissional é escassa. E se a resposta para isso estiver na estrutura da empregabilidade de que é oriunda a demanda por serviços no país? Sabe-se que o assalariamento desses indivíduos nos remete aos tempos da abolição.

Isso gerou uma massa preterida dos direitos, sem acesso à educação, à saúde e ao trabalho. A demanda num país cuja carência de indústrias e tecnologias próprias atrofia o seu desenvolvimento. Conforme dados apurados pelo Ipea, a maior parte dos trabalhadores se encaixa no perfil de vagas direcionadas a quem possui apenas o fundamental e o médio. Isso significa que muitos indivíduos, apesar de formados, serão cooptados pela precarização de um mercado que foi aos poucos sendo desmantelado por uma série de reformas que tolheram direitos dos seus postulantes.

As universidades têm papel preponderante na formação de profissionais, os quais, muitas vezes, se evadem a outros países para atuarem nas áreas para as quais estes se prepararam durante a instrução acadêmica. O número de estudantes que quer estudar fora é grande. Lá, há mais chance de serem ouvidos e de cumprirem jornadas menos exaustivas no ambiente laboral.

Adquirir conhecimento, aqui, muitas vezes, é um privilégio.

Tudo ocorre por meio da educação. Entretanto, o cidadão – para que possa ter acesso a esse direito – tem de ter condições dignas de locomoção, trabalho, moradia e alimentação. Crer em modernização é o mesmo que dar créditos a uma falácia. Tivemos, há alguns anos, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do governo Temer que congelou as arrecadações da saúde, educação e previdência por vinte anos, que não seja inflacionário.

Uma reforma é necessária. Contudo, a mudança no âmbito estratégico das universidades não pagas também é importante. Que, juntos, trabalhemos em prol de um projeto de nação. Isso conta com esforços coletivos e individuais de todos os brasileiros. As instituições de ensino superior veem um desafio diante de si para as próximas gerações. Oferecer experiência e qualidade é a chave para que mais pessoas se interessem por este que é um dos mais importantes meios de ascensão social existentes no país. Educação hoje e sempre!

Rodrigo Bouyer é avaliador do Inep e sócio da Somos Young. Artigo transcrito do Le Monde Diplomatique Brasil (https://diplomatique.org.br/)

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