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O petróleo e o futuro (por Marcos Magalhães)

A troca de comando da Petrobras acontece enquanto permanecem altas as águas do rio Guaíba

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1 de 1 Imagem colorida de plataforma de perfuração de petróleo no Rio de Janeiro, Brasil - Metrópoles - Foto: Getty images

A troca de comando da Petrobras acontece enquanto permanecem altas as águas do rio Guaíba, em Porto Alegre. As cenas que inundam o país de tristeza deveriam permanecer na memória de quem planeja o futuro da energia no Brasil.

As fortes chuvas que caem sobre o Rio Grande do Sul mostram que os eventos extremos ligados à mudança climática vieram para ficar. E indicam que outras cidades e regiões podem vir a ser atingidas por eventos semelhantes no futuro próximo.

A mudança climática, por sua vez, está ligada à acumulação de carbono na atmosfera. No Brasil, a devastação de florestas é protagonista na emissão de carbono. Mas também desempenha papel importante a queima de derivados de petróleo no transporte.

Mesmo assim, o governo brasileiro parece empenhado em aumentar a produção. Basta analisar os números do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC): um quinto dos investimentos previstos será para projetos de petróleo e gás.

O novo PAC, lançado no ano passado, se divide em nove eixos de investimento, que, por sua vez, se dividem em subeixos. A área de petróleo e gás é um subeixo do tema Transição e Segurança Energética.

Como indica o Observatório do Clima, dos R$ 540,3 bilhões dedicados ao eixo, nada menos que R$ 335,1 bilhões são ligados a projetos fósseis. Os combustíveis de baixo carbono, em comparação, têm orçamento de R$ 26,1 bilhões.

Os investimentos de petróleo e gás envolvem a pesquisa de novos poços na Margem Equatorial, que envolve a delicada região da foz do rio Amazonas. Os primeiros pedidos de perfuração de poços de pesquisa ali foram negados pelo Ibama.

Tudo indica, no entanto, que a Petrobras pretende levar adiante a pesquisa e iniciar – assim que possível – a produção de petróleo na região, apesar dos riscos para o meio ambiente e para a própria reputação do Brasil como potência ambiental.

Vale a pena? Para o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, parece que sim. Assim como para as principais lideranças de seu partido, que veem a ampliação da produção de petróleo como aumento de crescimento econômico, com evidentes benefícios políticos.

Cada ponto a mais nos índices de crescimento tem grande importância para as ambições eleitorais. Especialmente quando o país se encontra tão polarizado que as últimas eleições foram decididas por poucos pontos percentuais.

Ou seja, o aumento na produção de petróleo e gás – carro-chefe do novo PAC – poderá exercer papel importante no planejamento estratégico do governo. Tanto para movimentar a economia quanto para atrair votos para 2026.

Antes de ser eleito, Lula anunciou que não disputaria um quarto mandato. Mudou de opinião. Há poucos meses, disse a um grupo de senadores ser contrário ao projeto destinado a acabar com a reeleição, sob o argumento de que, em quatro anos, não é possível concluir grandes obras.

Seus estrategistas defendem os investimentos na produção de combustíveis fósseis sob o argumento de que o dinheiro arrecadado poderá financiar a transição energética do país. Isto é, polui-se mais agora para que se polua menos no futuro.

Também costumam recorrer ao argumento de que outros países produtores continuam a investir no setor, apesar dos compromissos do Acordo de Paris sobre a mudança climática. O que, aliás, é verdade.

Assim como é verdade que a produção de energia elétrica no Brasil é uma das mais limpas do mundo. Segundo o Ministério de Minas e Energia, 93,1% da energia elétrica produzida no país em 2023 vieram de fontes renováveis – hidrelétrica, solar e eólica.

O número serve bem ao governo brasileiro em defesa de suas políticas ambiental e de energia. É preciso, porém, olhar para a produção de combustíveis fósseis sob o ponto de vista do tempo em que vivemos. E petróleo e gás são símbolos do século 20.

Existem alternativas. Como o álcool, já usado em automóveis. Em breve estarão no mercado variedades de cana de açúcar capazes de produzir 40% a mais de etanol no mesmo espaço já utilizado.

E acaba de ser inaugurada, no noroeste de São Paulo, a segunda usina de etanol celulósico, que usa resíduos de cana para fazer mais biocombustível. Essa modalidade de etanol poderá aumentar em até 50% a produtividade dos canaviais.

Da mesma forma, o Brasil desponta como um dos países com maior potencial para a produção de hidrogênio verde, combustível obtido por meio da eletrólise de água a partir do uso de energias limpas como a eólica e a solar.

Já existem estudos também para a ampliação da produção de biogás, com potencial de mover caminhões pelas estradas brasileiras.

São todos projetos novos, identificados com o século 21. E o país tem os recursos naturais necessários para levá-los adiante, em um mundo que privilegiará, cada vez mais, os combustíveis que preservem o meio ambiente e ajudem a conter a mudança do clima.

Poderiam receber do governo mais atenção. Talvez até porque sejam, tanto pelo aspecto econômico quanto pelo de resiliência climática, realmente estratégicos.

Se os estrategistas do governo pretendem mesmo recorrer ao velho petróleo para financiar a transição ao novo modelo energético, pelo menos deveriam indicar à sociedade, com toda a transparência, como imaginam fazer isso.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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