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Para entender de vinhos, é preciso experimentar vários sabores

Acostumar o paladar a um único gosto empobrece a experiência. A dica é ousar

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Jacqueline Lisboa/Esp. Metrópoles
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1 de 1 28082019_JL_WineTourFestival22 - Foto: Jacqueline Lisboa/Esp. Metrópoles

Conta a lenda que o rei do Ponto-Euxino, na Anatólia, Mitrídates VI (132 A.C – 63 A.C.), grande inimigo de Roma, com receio de ser envenenado por seus inimigos, foi ingerindo doses progressivamente crescentes de substâncias tóxicas e assim terminou por adquirir imunidade a quantidades mortais de todos os tipos de veneno. Esta prática passou a ser conhecida, em sua homenagem, como mitridatismo.

É do folclore nacional que se você colocar um sapo dentro de uma panela com água quente ele pulará fora, mas se for colocado em água fria e, com o fogo, ir aumentando vagarosamente a temperatura, o animal irá ajustando a temperatura do seu corpo e não perceberá nada até estar quase morrendo na fervura.

Vindo para a nossa realidade poderíamos concluir que o ser humano tem a triste capacidade de se acostumar até com o que é ruim. Sei de pessoas acostumadas ao “vinho de colono”, rascante e agressivo, elaborado principalmente com a uva Isabel, que estranharam o gosto de um vinho mais complexo e elaborado.

O paladar viciado nos tintos com tudo muito, muito álcool, muita fruta, muito corpo e muita nota alta dos “especialistas”, não conseguirá apreciar um leve Borgonha em sua plenitude. O achará fraco. Não conseguirá gostar de um rosé e nem chegará perto dos vinhos brancos.

As principais marcas de cerveja nacionais oferecem um produto de baixa/média qualidade, que para serem consumidas precisam estar “estupidamente geladas” entorpecendo as papilas gustativas. Agora com a chegada das cervejas “gourmet” no mercado nacional ocorre o estranho fenômeno de termos de aprender a gostar do que é bom.

Então para não se acostumar com o que é ruim e não ficar com o paladar viciado em apenas um tipo de gosto, a solução é experimentar, degustar, se arriscar, numa educação do paladar. Abandone o paladar infantilizado e não fuja do amargo, do ácido, do doce… todos tem sua hora e sua vez.

O gosto único certamente se voltará contra você, assim como foi com Mitrídates, que, conforme a lenda, após ser derrotado por Pompeu, tentou o suicídio por envenenamento, sem efeito devido à sua imunidade. Teria, então, forçado um de seus servos a matá-lo na espada.

Arquivo pessoal
Sérgio Pires e Thomás MCDonough
Cinco taças de vinho com o produtor chileno Thomás MCDonough, da Vinícola TerraMater Wine Chile

Qual a sua experiência com o mundo do vinho? 

Sou agrônomo, me especializei em enologia e viticultura, lecionei um tempo na minha faculdade e depois passei para a parte produtiva e trabalhei em diversas vinícolas no Chile, Nova Zelândia, Austrália e Califórnia. Retornando ao Chile, comecei a trabalhar com a parte de exportação, sempre procurando entender todo o processo produtivo do vinho. Hoje, viajo 5 meses do ano para cuidar da exportação para os 35 países que estão sob a minha responsabilidade, sendo os principais o Brasil e a Inglaterra.

O mercado brasileiro tem quais características?

O mercado brasileiro é muito importante para o Chile, atrativo porque é perto e grande. Porém, percebo que a principal dificuldade para o consumidor é que aqui o vinho é muito caro, principalmente pelos impostos do país, isso dificulta o acesso do consumidor a novidades.

O consumo é muito pequeno atualmente, mas o brasileiro gosta muito de vinho, principalmente harmonizado à comida. É fácil constatar que está tendo um grande desenvolvimento culinário no Brasil.  A cada ano, as pessoas vão apreciando mais a qualidade, sem se importar com o preço alto – mesmo que os mais vendidos sejam os de menor preço.

Pode explicar o porquê de o nosso consumo per capita ser muito menor que os da Argentina, Chile e Uruguai? 

O Brasil é produtor de vinho, mas está começando e já possui uma cultura básica. Mas tem um clima quente e, em geral, países de clima quente não consomem tanto vinho. Todo mundo sabe que aqui se consome mais a cerveja, no entanto, a participação do vinho vem aumentando.

Você acredita que exista um paladar tipicamente brasileiro?

Acho que os brasileiros gostam muito do Carménère e do Sauvignon Blanc, que normalmente são vinhos mais simples, de entrada, e mais baratos. Além disso, possuem características mais sutis, não tão encorpado.

Como produtor de vinho, aprecio o consumidor brasileiro porque ele procura entender e se informar bem sobre o produto, não olha apenas a variedade da uva, mas buscar conhecer marcas e entender mais do método de produção. É um público curioso, em busca de se educar em eventos de degustação ou em palestras e aulas como as suas, e, ainda, em visitas a vinícolas.

Sobre a tendência do mercado do vinho, há uma procura maior por estilos clássicos? 

Há uma tendência a se consumir vinhos 100% varietais, para que se possa entender a diferença entre cada tipo de uva, e por serem mais simples também, sem tanto carvalho, sem tanta mão humana ou tanta intervenção enológica. Isso é o que queremos ter nos nossos vinhos de entrada e nos reserva. Pouco carvalho e que mostrem sempre a fruta e as características da variedade da uva.

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