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Noite ostentação: relembre a história do Baile da Ilha Fiscal

Na ocasião, foram servidos 10 mil litros de cerveja, 188 caixas de vinhos diversos, 80 caixas de champanhe e 16 caixas de licores e conhaque

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Rio de Janeiro – segundo semestre de 1889 – Velho e doente, o Imperador D. Pedro II comandava um Império agonizante, quase para cair, tal como uma fruta passada do ponto que teimosamente ainda se agarrava ao galho, mas bastaria uma leve brisa para terminar o serviço e o que não faltavam eram conspirações republicanas para chacoalhar esta árvore.

Era necessário mostrar ao país e ao mundo que o Império estava forte e que tudo estava normal. E partiu do Visconde de Ouro Preto, presidente do Conselho de Ministros, a sugestão de realizar um grande baile, que seria o primeiro a ser organizado nos 54 anos de reinado de D. Pedro II, conhecido por ser avesso a estes eventos.

Na realidade, todos sabiam que se ia mesmo era comemorar as bodas de prata da princesa Isabel e do Conde D’Eu.

Inicialmente, a data escolhida foi 19 de outubro, mas a morte do Rei D. Luis I, de Portugal, sobrinho de D. Pedro, adiou a festa. Uma nova data foi encontrada para o baile, o dia 9 de novembro, um sábado.

A DEFINIÇÃO DO LOCAL DA FESTA
Escolher o local da festa foi um problema. Os primeiros cenários óbvios a serem cogitados eram o Palácio de Petrópolis e o Paço Imperial de São Cristóvão, mas ambos foram descartados por serem considerados inseguros. Petrópolis, porque os revoltosos poderiam controlar seu acesso e deixar o governo isolado. E o Paço poderia facilmente ser dominado por forças do Exército.

E as razões para este temor estavam exacerbadas pela situação criada com a punição do 28º Batalhão de Infantaria que seria transferido para a Amazônia, acusado de insubordinação.

Mas das Forças Armadas, uma era monarquista, a Marinha de Guerra do Brasil, à época, a terceira maior do mundo, e ela iria garantir a festividade, desde que ocorresse em uma ilha.

Assim foi escolhido o recém-inaugurado Palácio da Ilha Fiscal, construído nos moldes da região do Auverne na França, uma joia encravada na Baía da Guanabara, como assim se referia o Imperador: “É um delicado estojo digno de uma brilhante joia”.

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A VERBA PARA O EVENTO
O Visconde de Ouro Preto, também conhecido como Afonso Vintém, que deu a ideia da festa também tratou de obter a verba necessária para a realização. Encontrou no Ministério de Viação e Obras Públicas uma dotação de emergência criada para os flagelados da seca no Ceará. Seca tinha todo ano, e a festa seria a primeira. Assim, dos flagelados da terra seca veio o dinheiro para a festança.

Aqui, os números divergem conforme a fonte de referência, aliás, como irão divergir quase que todos os números relacionados ao baile. Os cálculos com relação à verba utilizada variam entre 100 e 250 contos de réis. Cem contos correspondia a mais de 10% de todo o orçamento governamental destinado à capital do Império para um ano inteiro.

DESCULPA OFICIAL PARA A REALIZAÇÃO DA FESTA
O Visconde de Ouro Preto providenciou tudo, até uma desculpa oficial para o baile. O evento seria realizado em honra aos oficiais do navio de guerra chileno Almirante Cochrane, que estavam no Brasil havia duas semanas, por simples política de boa vizinhança.

CONVITES
Quantos foram os convites enviados? 2 mil, 3 mil ou 5 mil? Só sabemos que foram muitos e disputadíssimos, afinal estaria presente toda a nata da alta sociedade imperial, representantes das nações vizinhas, membros do governo, oficialidade e nobres da corte.

E os convites individuais, em capa de cetim e finamente impressos em ouro e com o timbre imperial foram expedidos, garantindo a presença no baile e no suntuoso banquete.

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PREPARATIVOS DOS CONVIDADOS
A medida que os convites foram sendo distribuídos, a cidade do Rio de Janeiro entrou em polvorosa. Os estoques das lojas de tecidos sofisticados e de trajes de festa da Rua do Ouvidor esgotaram-se.

Cabeleireiros franceses, como os da casa A Dama Elegante, eram marcados com semanas de antecedência e houve quem só conseguisse vaga com 72 horas antes da festa, o que obrigava a dama, neste período, a não tomar banho e a dormir sentada para não estragar o belo penteado.

Os homens iam aos barbeiros especializados em cortar bigodes à Titlé (garoto esperto), Chicard (chique), Grognards (soldados da Guarda Napoleônica) e o Rostillon (cocheiro de carruagens de gala), e abusavam das brilhantinas inglesas da Fritz Marck and Co.

PREPARATIVOS OFICIAIS
A responsabilidade pelo serviço ficou a cargo da Confeitaria Paschoal, que servia a Família Real. Foram contratados 150 garçons, 48 cozinheiros, 60 ajudantes e mais de 200 serviçais de limpeza.

Abaixo a lista dos ingredientes entregues na Ilha:

Comidas: 3 mil sopas de 22 qualidades, 50 peixes grandes, 800 latas de lagosta, 800 kg de camarão, 500 tigelas de ostras, 100 latas de salmão, três mil latas de ervilha, 1.200 latas de aspargo, 400 saladas diferentes, 200 maionese, 800 latas de trufas, 12 mil frituras, 1.500 costeletas de carneiro, 1.300 frangos, 250 galinhas, 500 perus, 800 inhambus, 50 macucos, 300 presuntos, 64 faisões, 80 marrecos, 12 cabritos, 20 mil sanduíches diversos.

Sobremesas: 14 mil sorvetes, 800 pratos de pastelaria, 600 gelatinas, 300 pudins, 400 doces de fios de ovos.

Bebidas: 10 mil litros de cerveja, 188 caixas de vinhos diversos, 80 caixas de champanhe, 10 caixas de vermute, 16 caixas de licores e conhaque, 100 caixas de água mineral, 50 mil quilos de gelo.

O CARDÁPIO
O menu, impresso num pequeno livreto com capa de seda, nas cores da bandeira do Chile, anunciava nada menos do que 11 pratos quentes, 15 pratos frios e 12 tipos de sobremesa. Todos atendendo ao paladar francês, mesmo que com ingredientes tipicamente nacionais.

Dentre as receitas servidas, estavam badejo rôti sauce ravigotte e o beijupirá com purê; perdiz com licor e língua de boi; peru recheado com castanhas e presunto. Salada de lagosta; patês de coelho; faisão e pato; ostras à la villeroy, recheadas com foie gras; o pudding à la crème de noisette et à la vanille; dinde au marron e charlotte de framboesas.

A bem da verdade, o peru recheado com castanhas e presunto não foi servido. O Visconde de Cabo Frio, Ministro das Relações Exteriores, quando soube que iria ser servido peru e querendo mostrar serviço ao Imperador, resolveu ficar muito preocupado com o que iria pensar a comitiva peruana, presente à festa, e mandou que os perus fossem recolhidos e escondidos no porão.

A fofoca sobre a detenção dos perus correu e um grupo de nobres senhores subornou o proprietário de uma embarcação para furtar as aves, mas foram descobertos e detidos pela polícia .

E as 3.096 garrafas, de quatro qualidades de champanhe, 23 rótulos de vinho e seis de licores, foram maravilhosamente bem selecionados, sem preocupação com gastos. Um destaque especial para o Porto de 1834 — uma safra preciosíssima — e para os Madeira, Tokay, Château D’Yquem, Château Lafite, Château Leoville, Château Beycheville, Château Pontet-Canet e Margaux. Em homenagem à Imperatriz, foi servido o italiano Falerno nas versões branco e tinto. Os champanhes não ficaram atrás: Cristal de Louis Roederer, Veuve Cliquot Ponsardin e Heidsieck.

A FESTA
Era 9 de novembro de 1889 e tudo estava preparado para o evento previsto para se iniciar às 20h30. Todos os números eram superlativos, seria uma festa inesquecível.

Milhares de velas iluminavam o palácio da Ilha Fiscal. Um gerador foi instalado para fornecer eletricidade a centenas de balões e lanternas venezianas e chinesas. Os holofotes de todos os navios da Marinha à volta iluminavam o céu e três navios, fundeados ao redor, jogavam com holofotes feixes de luz sobre o belo castelo gótico ao estilo do século XV.

A brilhante joia cintilava nas águas da baía. Na decoração, foram utilizados 24 pavões empalhados, que decoravam os cantos das mesas, gigantescos candelabros de prata e muitas frutas e flores, além de 24 miniaturas do castelo esculpidas em açúcar.

O cais Pharoux, atual Praça XV, no centro do Rio, de onde saíam as barcas Ferry para a Ilha, foi transformado num cenário encantado, onde demoiselles vestidas de fadas e sereias recepcionavam os convivas.

Passarelas de veludo vermelho aguardavam o desembarque destes milhares de privilegiados de suas carruagens, que formavam um grande congestionamento. Numa cidade que contava com uma população de 500 mil habitantes, calcula-se que 300 mil almas se comprimiam no cais para assistir ao desfile das personalidades durante o embarque nas barcas Ferry.

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E na Ilha, cascatas de camarão, champanhe e vinho jorraram aos borbotões.

Duas orquestras completas animaram o baile na Ilha, mais uma orquestra tocando à bordo do navio Almirante Cochrane e a Banda da Força Militar animava a todos com polcas e lundus para o populares no cais.

Os cartões de dança, onde as damas anotavam os nomes dos cavalheiros com quem haviam se comprometido a dançar, revelam que o repertório se alternava entre fantasia, valsa, minuano, valsa, fantasia, valsa. O som de fundo era feito com trechos de óperas de Verdi, Boccherini, Waldteufel, Metra e Auber.

Tudo tão bem planejado, tanta fartura, mas quem foi que ficou de cuidar dos banheiros? Na verdade, do banheiro, um único para estas milhares de pessoas. Aposto que logo foi reservado para o clã real. Os cavalheiros, anatomicamente mais bem preparados para esta situação, não se intimidaram e usaram a beira do cais, mas as damas sofreram. Tiveram que esperar os criados que foram mandados às pressas ao continente, providenciar baldes para serem colocados por baixo dos vestidos, assim, o cantinho de uma das salas se tornou uma verdadeira latrina e o cheiro da urina começou a se propagar.

Por volta das 22h, quando adentrava o salão, D. Pedro II tropeçou e, ironicamente comentou : “O Imperador tropeçou, mas a Monarquia não caiu” .

As danças só foram iniciadas às 23h, depois que a princesa Isabel e seu marido, o Conde D’Eu chegaram – dizem que a princesa e seu marido eram verdadeiros pés de valsa. O Imperador dançou apenas uma vez, com a filha do Barão Sampaio Viana, que estava completando 15 anos de idade.

À meia-noite, soaram os trompetes indicando que a mesa estava posta e rolou um “avança”, tanto que a Família Real se viu obrigada a deixar o baile logo após a sobremesa. D.Pedro II, com sua histórica frugalidade nem jantou. Devia estar pensando na canja que o aguardava no Paço Imperial.

A festança se prolongou até o raiar do dia, às 6h da manhã, quando a equipe de limpeza começou a trabalhar. De acordo com o relatório do encarregado, foram encontrados entre garrafas, copos e pratos quebrados: 37 lenços de cambraia, 24 cartolas, 8 corpetes, 3 coletes de senhoras, 17 pufes (eram almofadinhas que davam contornos ao corpo das madames presentes ao baile), 9 dragonas de militares, 8 raminhos de corpete (usados para esconder o decote dos seios), 2 coletes de senhora e grande quantidade de ligas.

Ninguém sabe explicar o que aconteceu com as fotos feitas no baile, pois todas desapareceram.

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O jornal Tribuna Liberal, do dia 10 de novembro de 1889, fez os seguintes comentários sobre as joias: “O brilho e o ruge-ruge das sedas, os colos salpicados de brilhantes, safiras, esmeraldas e os diademas rutilantes dos penteados”. E o engenheiro André Rebouças, único negro convidado, dizia: “Foi um bacanal!”

Enquanto isso, na tarde do mesmo dia, no Clube Militar, o tenente-coronel e professor Benjamin Constant conspirava para derrubar a monarquia. Mas você pode mandar na tropa, nos conspiradores ou até no país, mas em você quem manda é a família. E assim, por exigência de sua esposa e filhas, que queriam ver a ilha iluminada, lá foi o líder dos revoltosos para o cais Pharoux. Tentou chegar até a ilha no barco dos convidados, “mas sem desembarcar”. Não deixaram.

A QUEDA DO IMPÉRIO
No dia 11 de novembro de 1889, Quintino Bocaiúva vai, em visita, à casa de Deodoro da Fonseca. Benjamim Constant também está presente, e ambos deixam a situação bem clara ao acamado marechal: a República se faz urgente e só ele tem liderança para proclamá-la.

Deodoro, pela primeira vez, define sua posição: “Eu queria acompanhar o caixão do Imperador, que está idoso e a quem respeito muito, mas o velho já não regula. Se ele assim quer, que leve a breca a monarquia! Façamos a República!”.

Assim, em 15 de novembro de 1889, apenas 6 dias após o maior evento do Império Brasileiro, foi Proclamada a República. E duas semanas depois do baile, Constant e a família eram os convidados de honra da festa que o governo republicano deu para se despedir dos chilenos. Podemos dizer que um dos pilares na República foi fincado na Ilha Fiscal.

Estava esquecendo, o antigo nome da Ilha Fiscal era a Ilha dos Ratos.

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