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Sonho possível: técnica permite a casais com HIV engravidarem

Doença não é mais impeditivo: por meio da reprodução assistida, é possível ter filhos saudáveis

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1 de 1 nenel - Foto: Arte/Metrópoles

Segundo a Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva, cerca de 86% da população soropositiva, portadora do vírus da Aids, estão em idade reprodutiva. Um terço dessas pessoas gostaria de ter filhos: se há algum tempo era quase impossível a reprodução sem infectar o parceiro ou o feto, hoje em dia a medicina descobriu maneiras de driblar os riscos e, com métodos de reprodução assistida, possibilitar o nascimento de crianças perfeitamente saudáveis.

A 40 dias de se casar com o amor de sua vida, Patrícia* e o namorado, Renato*, decidiram fazer uma bateria de exames. Os dois se conheceram no trabalho e, por três anos, fizeram planos para o dia em que seriam oficialmente casados. Mas os resultados dos testes de rotina voltaram com uma informação devastadora: Renato foi identificado como portador do vírus da Aids.

“A princípio, achamos que o exame estava errado e o meu deu negativo. Foi um baque. Decidimos procurar outro médico para ter uma segunda opinião, e ele confirmou que o CD4 [linfócitos alvo do HIV] estava alterado e a carga viral estava bastante alta. Decidimos nos casar mesmo assim, foi difícil, mas eu não tinha dúvida que continuaria a luta com ele. Fiquei com muito medo de ser infectada, mas, ao mesmo tempo, tive uma força imensa para acompanhar o meu marido. Ele falava que tinha uma bomba-relógio dentro dele e achava que ia morrer”, lembra Patrícia.

O tratamento foi cruel com Renato. No dia de seu aniversário de 31 anos, começou a tomar a medicação específica. O corpo não reagiu bem. Foram três meses de vômitos constantes, diarreia e perda acentuada de peso até o organismo passar a lutar contra o vírus e se acostumar com o remédio. Todos os dias e até o fim de sua vida, ele terá que tomar o famoso “coquetel antiaids” – o qual, apesar do nome, atualmente consiste em apenas dois comprimidos pela manhã e dois à noite.

Com a doença controlada e o vírus adormecido, fora da corrente sanguínea, Renato vive muito bem. Enxergando a melhora na condição do marido, Patrícia se lembrou de um sonho antigo: ser mãe. Em uma visita ao infectologista, perguntou se havia jeito de engravidar com segurança – por vias naturais, a relação sexual sem proteção pode passar a doença e é desaconselhada. Foi quando descobriu que, sim, existem técnicas de reprodução assistida para garantir que o feto nasça saudável.

“No caso do homem soropositivo, a preocupação é não contaminar a mulher e o bebê. O que se faz normalmente é o preparo do sêmen, uma técnica que chamamos de lavagem, para identificar a presença do vírus e escolher os espermatozoides saudáveis”, explica Caio Parente, ginecologista creditado pela Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA). Nesses casos, é possível optar pela inseminação artificial ou fertilização in vitro, dependendo das características do casal.

Foi o caminho escolhido por Patrícia e Renato. Na primeira tentativa, a fertilização deu certo – em dose dupla! Nove meses depois nasceu um par de gêmeas completamente saudáveis. Mesmo com toda a felicidade das pequenas, que já completaram 3 anos, o cuidado é constante. Os exames são frequentes e o casal usa proteção sempre que tem relações sexuais.

Até hoje os pais de Patrícia não sabem que o marido da filha é soropositivo. “É muito difícil contar. Meu irmão mais velho, por exemplo, só soube dois anos depois do nosso casamento. Ele descobriu por acaso, ligou para minha irmã e disse que, se soubesse, teria impedido o casamento. Depois, mais calmo, me deu parabéns”, lembra.

IStock

Mulheres soropositivas
No caso de a mãe ser portadora do vírus, é preciso um cuidado maior além da fertilização in vitro (para evitar a contaminação do parceiro). A indicação do Ministério da Saúde é administrar antirretrovirais a partir da 14ª semana de gestação, utilizar o medicamento também durante o trabalho de parto, optar pela cesariana, dar AZT para o recém-nascido exposto até os 42 dias de vida e não amamentar em nenhum momento.

“A transmissão vertical do HIV ocorre através da passagem do vírus da mãe para o bebê, sendo que cerca de 35% dessa transmissão ocorrem durante a gestação, 65% ocorrem no periparto, e há um risco acrescido de transmissão através da amamentação entre 7% e 22% por exposição (mamada). Quando não são realizadas intervenções de profilaxia, [a infecção] ocorre em cerca de 25% das gestações de mulheres infectadas”, explica o órgão no Protocolo para a Prevenção de Transmissão Vertical de HIV e Sífilis. Ainda de acordo com o documento, se seguidas as recomendações da pasta, essa taxa se reduz a um nível entre 1% e 2%.

Quando os dois possuem o vírus da Aids, a proposta terapêutica é a mesma: lavagem do sêmen, fertilização in vitro e cuidados com a mãe durante a gestação. “Vale lembrar que o vírus acomete as pessoas de forma diferente. Por isso, é crucial acompanhar de perto o casal, em conjunto com o infectologista e um especialista em reprodução humana, em busca de uma gestação segura”, explica o médico César Barbosa, creditado pela SBRA.

Sonho possível
A situação de Cláudia* é parecida com a de Patrícia. Depois de conhecer o futuro marido na igreja, antes da primeira relação sexual, ele avisou que era soropositivo. “Eu terminei com ele, mas repensei e decidi voltar. Não entendia nada, mas ele me explicou que fazia tratamento e levava uma vida normal. Eu já tinha um filho, mas era o sonho dele ter um”, conta.
Os dois se informaram com infectologistas e especialistas em reprodução assistida sobre as opções e decidiram pela inseminação artificial. Na segunda tentativa, Cláudia engravidou. A filha já tem 2 anos e 4 meses e é saudável.

*Os nomes foram trocados para preservar a identidade dos personagens.

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