Conheça a história do bancário que teve leucemia grave e virou atleta
Pacientes como Rodrigo Machado têm nova opção de tratamento com medicação aprovada pela Anvisa
atualizado
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São Paulo – Em 2018, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer, 5.940 homens e 4.860 mulheres devem ser diagnosticados com leucemia no Brasil. A doença, que afeta as células brancas do sangue, tem quatro subtipos, pode ser crônica ou aguda e atinge diferentes faixas etárias – entre os adultos, a forma aguda mais comum (e perigosa) é a Leucemia Mieloide Aguda (LMA). A enfermidade começa na medula óssea, produzindo células brancas anormais que não se desenvolvem, não cumprem sua função de proteger o corpo e ainda impedem que outras células saudáveis sejam produzidas.
Tudo acontece muito rapidamente. A LMA pode afetar também outros órgãos, como fígado, cérebro e medula espinhal. Se não tratada a doença, a maioria dos pacientes vive uma média de dois meses. Em 2016, 2.505 pessoas morreram por conta da doença. Mesmo com quimioterapia e transplante, tratamento padrão desde os anos 1980, apenas 25% dos pacientes são curados, e a taxa de sobrevida após cinco anos é de cerca de 27%.
“Leucemias agudas acabam causando um impacto muito grande para o paciente e, consequentemente, para o próprio sistema de saúde. É um paciente que interna muito, demanda muita estrutura hospitalar. LMA espelha bem o que é um modelo de assistência de saúde, quando você tem diagnóstico precoce, isso impacta na vida imediatamente. É muito rápido. O paciente que chega com a doença muito avançada, comprometendo respiração e funcionamento de rim, dificilmente consegue sair dessa situação”, explica o oncohematologista Evandro Maranhão Fagundes, coordenador de transplante de células-tronco do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.
Superação
Apesar da alta morbidade da doença, o bancário Rodrigo Machado, 46 anos, é um exemplo de que é possível sobreviver à LMA. Aos 40 anos, meses depois de correr uma meia maratona, sentiu-se cansado, com tontura e fadiga. Não conseguia subir um lance de escadas sem sentir o coração na boca e procurou atendimento médico. Foi imediatamente internado e descobriu que tinha Leucemia Mieloide Aguda.
“Recebi várias transfusões de sangue logo de cara, com uma semana diagnosticaram que era LMA e já entrei no protocolo da oncologia. Os médicos me avisaram para tomar cuidado com o doutor Google, que é cheio de informações erradas. Confiei que estava na mão de pessoas boas e competentes. É uma doença brava, a progressão é galopante”, lembra.
Por sorte, sua irmã era 100% compatível a um transplante de medula. Depois de cinco meses, com longos períodos de internação para se submeter à quimioterapia, Rodrigo foi finalmente operado. Ele conta que o paciente tem três pilares para se apegar durante o tratamento: fé; alimentação, para evitar efeitos colaterais dos remédios; e atividade física.
Recuperando-se com sucesso, um ano e meio depois do transplante, o bancário correu outra meia maratona. Seis meses depois, sentiu dores abdominais e seguiu de volta para o hospital. “Passei um mês tomando remédios, mas não melhorava em nada. Decidiram fazer uma cirurgia aberta com um oncogastrologista para explorar e retirar material para biópsia”, conta o bancário. Foi quando descobriu uma recaída: Rodrigo tinha um sarcoma, outro câncer no sangue, um efeito colateral da leucemia.
Passou três meses internado, com alimentação restrita e sem praticar exercícios físicos. “A quimioterapia foi bem mais forte nesse segundo tratamento. “Meus leucócitos ficavam abaixo dos 300, quando deviam estar por volta de quatro mil, minha imunidade estava no chão. Fui me recuperando até ter alta e tomando bolsas com linfócitos T da minha irmã todo mês”, explica. “Continuo tomando, mas em quantidade bem menor, só para dar uma varredura no corpo e um pau em qualquer célula que esteja errada.”
Um ano depois da recaída, descobriu os Jogos Mundiais dos Transplantados, que aconteceriam em Málaga, na Espanha. Rodrigo se lembrou de um sonho de quando adolescente, de participar das Olimpíadas. Recebeu carta branca da médica e começou a treinar — o bancário só tinha oito semanas antes da viagem, mas estabeleceu uma meta e focou no objetivo.
O treino deu certo. Mesmo com pouco tempo para se preparar, Rodrigo ganhou duas medalhas de ouro e três de prata, cravando, inclusive, o novo recorde mundial da categoria nos 200m medley. “Quando a gente está com imunidade baixa, não pode ficar muito em piscina. Até hoje não é normal, mas tomo cuidados maiores. No começo de agosto, participei do Campeonato Americano de Transplantados — é uma seletiva para os jogos mundiais, mas eles aceitam inscrições internacionais. Ganhei medalha de ouro nas cinco provas que competi. Este ano ainda devo participar do Campeonato Latino Americano para Transplantados”, conta.
Nova esperança
Em abril deste ano, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a comercialização do midostaurina, remédio destinado ao tratamento de pacientes com leucemia mieloide aguda que possuem mutação no gene FLT3, uma das mais perigosas. O medicamento, que funciona como terapia alvo, deve ser usado paralelamente à quimioterapia — o estudo clínico mencionado para justificar a liberação do fármaco detectou redução de 23% no risco de morte em comparação ao mesmo procedimento feito de modo isolado.
Apesar da disponibilidade no mercado, ainda não há previsão para incorporar o remédio ao Sistema Único de Saúde (SUS). A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) ainda não aprovou a inclusão do fármaco no rol de medicamentos pagos por planos de saúde. O ciclo de tratamento custa cerca de R$ 30 mil.
Cinco principais dificuldades do paciente com leucemia:
- Acesso ao diagnóstico
- Encontrar especialista
- Conseguir vaga para internação (o paciente de leucemia passa muito tempo internado, alguns hospitais fecham as portas para quem tem esse tipo de doença)
- Transplante de medula (falta de doador ou vaga nos hospitais)
- Acesso a estudos clínicos (experimentos dão esperança para quem não responde ao tratamento tradicional)
Fonte: Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (ABRALE)
A repórter viajou a convite da Novartis