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Volta às aulas e Covid-19: é seguro mandar as crianças para a escola?

Especialistas afirmam que jovens desenvolvem quadros mais leves da doença, mas fazem parte do ciclo de contágio e podem transmitir o vírus

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índios crianças indígenas que moram em reserva do noroeste e tem dificuldade para ir à escola
1 de 1 índios crianças indígenas que moram em reserva do noroeste e tem dificuldade para ir à escola - Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

Na última semana, o governador Ibaneis Rocha decretou a volta às aulas presenciais no Distrito Federal. As escolas estavam fechadas desde março, no início da pandemia de coronavírus no Brasil, e o retorno iminente, enquanto a curva de casos da capital federal continua a subir, assusta pais e professores.

O decreto levanta algumas obrigações para que a abertura seja segura: distanciamento entre as carteiras, rodízio entre os alunos, que só iriam à escola a cada 15 dias, escalonamento dos intervalos, uso de máscara e higienização constante. Mas, afinal de contas, será que é seguro enviar as crianças de volta à escola?

A infectologista Valéria Paes, da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, explica que a situação é complicada, ainda mais para as crianças menores. “Quem tem filho em creche sabe o quanto é frequente que ele volte com infecções respiratórias. Em crianças, a adesão às medidas de prevenção é difícil e não se consegue ter um controle total do distanciamento, da higienização e, muito menos, do uso de máscaras”, afirma.

Ela considera que a dificuldade geral da população em aderir às medidas de controle mostra que, até crianças maiores e adolescentes, que entendem as recomendações, podem ter dificuldade. E, apesar de jovens apresentarem menos risco de desenvolver casos graves da doença, eles podem, sim, transmiti-la, ainda que sem sintomas. “O impacto na curva de contágio será inevitável. Se 100% das pessoas aderirem às recomendações, este impacto seria menor”, explica.

O infectologista Leonardo Weissmann, que é consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, questiona ainda quem vai garantir que as medidas sejam respeitadas. “Isso sem contar que muitos alunos enfrentarão o transporte público, muitas vezes lotado, para chegar a escola, o que também é uma situação de alto risco para a infecção. A pandemia ainda não está controlada. Não temos testes diagnósticos para avaliar frequentemente os alunos e professores, como foi feito em outros países, no momento em que as escolas foram abertas”, diz. “Não se pode afirmar que o ambiente escolar seja seguro o suficiente para evitar o contágio.”

A infectologista Valéria diz que a escola é muito propícia para a transmissão entre as crianças, que brincam e conversam juntas em ambiente fechado e voltam para casa, onde podem transmitir o vírus para a família, acelerando ainda mais a curva de contaminação. A preocupação com os avós, que foi bastante discutida nas primeiras semanas da epidemia, segue atual: com a reabertura do comércio e de escritórios, os pais precisam voltar a trabalhar e as crianças acabam ficando sob os cuidados de um familiar mais velho, que pode estar no grupo de risco.

Valéria alerta também sobre o perigo que os professores e todos os profissionais que trabalham na escola correm de ser contaminados. “É preciso acompanhar as pessoas que têm comorbidades e estão no grupo de risco. Todas as consequências devem ser analisadas”, afirma.

A Sociedade de Pediatria do Distrito Federal também se posicionou contra a volta às aulas, afirmando que o isolamento social está cada vez menor na capital federal e lembrando que o número de casos está subindo em progressão “rápida e considerável”.

“Nessas condições, reabrir todas as atividades até o final de julho ou início de agosto pode ser uma decisão precipitada, devido à situação que nos encontramos tanto a nível distrital como nacional; em especial se tratando de escolas, onde o comportamento é imprevisível e o número de assintomáticos é inestimável, tornando a possibilidade de contágio exponencial”, escreve Dennis Alexander Burns, presidente da entidade.

O oftalmopediatra Tiago Ribeiro, do Visão Hospital de Olhos, alerta ainda para o tempo seco típico do inverno brasiliense, que favorece a coceira nos olhos. Crianças em ambiente escolar, que estão aglomeradas e em contato com superfícies não sempre higienizadas podem acabar contraindo a doença por essa mucosa, ao passar as mãos nos olhos.

Mais jovens correm menos risco

A infectologista Valéria explica que, em nenhum lugar do mundo, se registrou um grande número de crianças entre os casos graves e óbitos relacionados à Covid-19 — a ciência ainda não encontrou resposta para justificar o porquê. Porém, mesmo não tendo uma evolução clínica, elas participam, sim, da cadeia de transmissão.

“As crianças parecem ser menos afetadas, e com menos frequência do que os adultos, sendo responsáveis por 1 a 5% dos casos. A Covid-19 tem se mostrado mais branda entre os mais jovens, com muitos casos sem sintomas ou com sintomas leves, embora quadros graves tenham sido relatados”, afirma Weissmann.

De acordo com uma pesquisa da Escola de Londres de Higiene e Medicina Tropical, publicada na revista Nature Medicine, crianças tem 50% a menos de chance de pegar a Covid-19. Já um estudo feito pelo centro de controle e prevenções de doenças, o CDC, dos Estados Unidos com 149.760 pacientes positivos descobriu que menos de 2% dos diagnósticos corresponde a crianças e adolescentes com menos de 17 anos.

O estudo da Escola de Medicina Tropical de Londres descobriu ainda que, das crianças e adolescentes entre 10 e 19 anos que, de fato, foram infectadas pelo coronavírus, apenas uma em cada 5 apresentou sintomas.

Ainda não há muitas informações sobre a capacidade do jovem de transmissão: não se sabe se ele contamina tanto quanto um adulto. Rosalind Eggo, infectologista que faz parte da pesquisa inglesa, conta ao site MIT Technology Review, que é difícil saber o que acontece justamente porque muitas das crianças contaminadas nunca foram levadas ao médico por terem apenas sintomas leves.

“É muito difícil entender o que aconteceu com a transmissão quando as escolas fecharam, porque ocorreu ao mesmo tempo que muitas outras intervenções, como lockdown, distanciamento e aumento na higiene”, explica. Para ter certeza do real impacto da volta às aulas na epidemia de coronavírus, a melhor opção é esperar para ver o que acontece em países que estão reabrindo as escolas, como na Alemanha.

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