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Você tem pesadelos na pandemia? Entenda como o coronavírus afeta sonhos

Pesquisadores da UFMG, USP e UFGRS estão coletando relatos de pessoas do país inteiro para entender os efeitos do isolamento

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Malte Mueller/GettyImages
ilustração de pessoa sentada no sofá sonhando
1 de 1 ilustração de pessoa sentada no sofá sonhando - Foto: Malte Mueller/GettyImages

O isolamento social para evitar o aumento da pandemia do coronavírus tem afetado a saúde mental da população mundial. As angústias, medos e incertezas causadas pela situação atual têm se manifestado das mais diversas maneiras, entre elas, nos sonhos.

Um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) se reuniu para analisar como o brasileiro está sonhando. O estudo será feito a partir de relatos de usuários do Instagram: mais de 500 pessoas já se voluntariaram para descrever as lembranças dos próprios sonhos.

A ideia do projeto surgiu com o professor Gilson Iannini, do Departamento de Psicologia da UFMG, quando as aulas foram suspensas em razão da pandemia. Iannini dava aulas na pós-graduação e analisava o livro A Interpretação dos Sonhos, de Sigmund Freud, quando teve o curso interrompido.

As atividades seguiram on-line e surgiu a ideia de investigar os sonhos da população durante o isolamento, tendo como base o livro de Freud e o da alemã Charlotte Beradt, chamado Sonhos no Terceiro Reich. A publicação analisa os sonhos dos alemães durante o período histórico sob o comando de Hitler.

“Os sonhos são máquinas de elaboração daquilo que nossa consciência não deu conta de processar. Isso vale para conteúdos atuais, nossas experiências cotidianas, que ficaram inconscientes no sentido mais amplo do termo. Mas também processamos conteúdos antigos, nossos desejos e traumas, muitas vezes bastante longínquos, da infância, por exemplo. Isso seria o inconsciente no sentido mais estrito. Os sonhos mesclam esses elementos, por isso parecem filmes surrealistas, que, na verdade, se inspiraram em sonhos. A gente traduz nossos medos e angústias, que às vezes a gente nem sabe que tem, ou não sabe dizer, ou não consegue imaginar”, diz o professor.

Segundo ele, a situação atual do país, que se encontra em um misto de crise política com crise sanitária, acaba interferindo no que se sonha. “Se fosse um filme lançado há seis meses, todo mundo ia achar improvável. Então, a gente tenta elaborar com as ferramentas, os modelos, as narrativas que a gente conhece, que a gente está familiarizado. Às vezes, é como se estivéssemos usando o dicionário de uma língua pra traduzir um texto escrito em outra língua”, ensina.

O perfil do grupo no Instagram leva a uma plataforma em que o participante preenche um formulário sobre os seus sonhos. O relato pode ser feito por escrito, vídeo ou voz. O estudo ainda está na etapa de coleta de dados, mas já recolheu cerca de 700 relatos. Iannini conta que os resultados são bastante preliminares mas, por enquanto, em cidades onde a pandemia está mais ou menos sob controle, as pessoas sonham diferente de onde há maior número de mortos.

“Onde a curva está achatada, os sonhos tendem a tematizar o isolamento, a solidão, circunstâncias ligadas à ‘casa’. São sonhos que estabelecem alguma continuidade com a vida pré-pandemia. As pessoas ligam esses sonhos a seus conflitos pessoais, por exemplo. Em cidades onde o coronavírus avançou mais, com maior número de mortos, há sonhos mais angustiantes, mais diretamente ligados à morte, numa certa descontinuidade”, explica.

O professor conta que também chama a atenção a quantidade de relatos de sonhos com o presidente Jair Bolsonaro. “É impressionante, e isso mostra alguma coisa. O sonho processa o que a gente não processa com nossas crenças morais, religiosas, políticas, com nosso bom senso, que todo mundo acha que tem na medida certa. O sonho é meio sem censura, meio nonsense. Então os perigos que a gente não admite, que a gente denega, que a gente não-quer-nem-saber são encenados e aparecem com mais clareza”, afirma.

Ele explica que contar o sonho a alguém é essencial. Segundo ele, as pessoas se dão conta de alguma coisa, ou percebem relações, ao entrar em contato com os pesquisadores. “Muita gente sente alívio ao falar ou escrever sobre um sonho. Se o sonho é uma elaboração, quando a gente relata há uma revisão”, diz.

Sonhando igual
Uma pesquisa da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, segue a mesma linha do estudo brasileiro, e descobriu que muitas pessoas estão tendo sonhos parecidos.

Insetos, vermes rastejantes, bruxas e gafanhotos com garras são algumas das imagens que se repetem nos relatos de 2,4 mil pessoas analisadas pelos cientistas. Sonhar que está com o novo coronavírus, ou em locais lotados, sem máscara, também são recorrentes.

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