Vítimas do PMMA: mulheres relatam dor e arrependimento após a técnica
Muitas vezes sem saber ao que estão sendo submetidas, mulheres recebem injeções de preenchedor de PMMA que pode necrosar e até matar
atualizado
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Por conta da aplicação de um preenchimento na boca, a balconista de farmácia Mariana Michelini, de 35 anos, teve os lábios removidos. Para tentar retirar as aplicações feitas nos glúteos, a funkeira Leticia Minacapelly, de 28 anos, já foi seis vezes ao centro cirúrgico. Já a estudante de biomedicina Jaqueline Chaves, de 48 anos, entrou em depressão profunda por conta das deformações que um preenchedor deixou em seu rosto.
Todas essas mulheres são vítimas de aplicações de PMMA, mas nenhuma delas sabia que a substância estava sendo injetada em seus corpos.
As histórias delas são comuns às de centenas de brasileiros, a maioria mulheres, que fizeram preenchimentos estéticos para ter uma aparência mais bonita e acabaram com deformações irreversíveis, músculos necrosados ou insuficiência dos rins — tudo em reações do organismo à presença do polimetilmetacrilato, o PMMA.
O PMMA é uma substância plástica que não pode ser absorvida pelo organismo. Por isso, a aplicação desse tipo de preenchimento não é recomendada pela Sociedade Brasileira de Cirurgias Plásticas (SBPC) para fins estéticos. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recomenda que o gel seja usado apenas em pessoas que sofreram deformações corporais decorrentes de doenças como a poliomielite e a aids, e com limites de aplicação muito claros.
No entanto, muitos profissionais começaram a fazer uso estético da substância exatamente por ela não ser absorvida pelo corpo, o que ocorre com outros preenchedores, como o ácido hialurônico. Os aplicadores passaram a oferecer “resultados definitivos” sem informar que a substância pode ter efeitos tão graves quanto o uso de silicone industrial.
PMMA quase tirou a visão de Jaqueline
Os pacientes muitas vezes nem são informados de que a substância aplicada neles é PMMA. Foi o caso de Jaqueline Chaves, do Rio de Janeiro. Ela recebeu a recomendação de fazer uma cirurgia de correção de desvio do septo e rinoplastia já que o cirurgião plástico disse que ela tinha cara de pobre. Quando acordou da anestesia, porém, ela inchada e com fortes dores: o médico disse que tinha feito preenchimentos de brinde para deixá-la mais bonita. O profissional ainda mentiu que havia usado ácido hialurônico, quando na verdade era PMMA.
“Eu nunca fiquei um dia bem após essa cirurgia, já acordei deformada. Ele colocou PMMA na minha cara inteira e nunca disse que substância era aquela. Foram mais de 20 enxertos no nariz e mais aplicações que encheram meu rosto com esse gel para tentar corrigir aquilo que ele errou na primeira vez. Ele aplicava no consultório. Só fui para o centro cirúrgico duas vezes. Quando fiz os exames, vi que meu nariz é praticamente só produto e pele, não tenho mais cartilagem”, conta.
O preenchedor se infiltrou no rosto de Jaqueline de forma grave. Penetrou nos ossos do maxilar e quase a fez perder todos os dentes, obrigando-a a fazer vários tratamentos de canal. A infiltração ocorreu também nos olhos: ela precisou colocar lentes intraoculares para preservar a visão e fazer a drenagem do produto que estava afetando o globo ocular em uma cirurgia que custou mais de R$ 20 mil.
A saga de Jaqueline para resolver o problema continua, e ela culpa, principalmente, o médico. “Ele me enganou e destruiu minha autoestima pouco a pouco”, afirma ela. Com toda a saga para mitigar os problemas causados pelo PMMA, a saúde mental de Jaqueline foi muito afetada.
“Entrei em depressão profunda por conta dos resultados. Até hoje é muito difícil sair do meu quarto e mostrar meu rosto em público. Por meses, só saí para ir ao médico. Meus problemas emocionais se tornaram tão graves quanto os físicos”, diz.
Quais os riscos do PMMA?
A cirurgiã plástica Maria Roberta Martins, representante da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), explica que existem várias formas de o PMMA prejudicar o organismo quando aplicado e pode até causar a morte do paciente.
“Existem várias considerações negativas bem documentadas sobre o uso do PMMA. Ele pode causar a formação de nódulos, inflamações, infecções e comprometer o sistema vascular, tudo em resultados indesejados e irreversíveis. Também podem ocorrer complicações mais graves, como a insuficiência renal e até o óbito pelo uso do produto”, detalha a especialista.
Além dos riscos potenciais, o preenchedor tem uma complicação extra: não é fácil removê-lo uma vez que ele se integra ao tecido do paciente. É preciso cirurgia para retirar o PMMA, mas raras vezes o produto é removido por inteiro, pois pode causar deformações ainda mais graves. “É um procedimento complexo em que temos que fazer remoções parciais para minimizar os danos”, indica a cirurgiã.
Como a equação de quanto produto retirar e quanto manter é complicada, muitas vezes o paciente precisa voltar diversas vezes ao centro cirúrgico para fazer novas retiradas do PMMA ou para tratar inflamações e infecções causadas pelo gel.
É o caso da cantora Letícia Minacapelly, de São Paulo, que passou por seis cirurgias para lidar com complicações do PMMA injetado em suas nádegas.
Seis cirurgias de retirada (e contando)
Em 2019, Mc Princesa, o nome artístico de Letícia, colocou próteses de silicone nos glúteos. O procedimento, porém, não teve bom resultado: a prótese colocada por cima do músculo não cicatrizava e continuou sangrando dias após a cirurgia. A artista foi levada para o centro cirúrgico, mas sofreu uma infecção. Por todos os problemas, a funkeira decidiu retirar definitivamente o produto.
O cirurgião, porém, ofereceu a ela aplicações de preenchimento nos glúteos, já que a pele tinha ficado flácida das cirurgias anteriores. “O médico me disse que aplicaria ácido hialurônico, mas eu comecei a ter infecção de novo. Quando levei uma amostra para análise, o exame logo de cara apontou que ele tinha aplicado PMMA em mim. Já fiz seis cirurgias para a remoção do produto e sei que nunca sairá 100%. Sigo tendo infecções periódicas desde então e farei a sétima cirurgia em breve. Passei a existir para lutar pela minha vida”, afirma Letícia.
Número de vítimas é desconhecido
Um dos problemas para lidar com a situação do PMMA é que não se sabe exatamente quantas vítimas existem. A vergonha faz com que muitas mulheres não falem publicamente sobre as complicações dos procedimentos estéticos que fizeram.
O Metrópoles conversou com duas mulheres que explicaram seus casos, mas tiveram medo de revelar suas identidades, uma em Joinville (SC) e outra em Goiânia (GO). Os relatos são todos muito parecidos.
Para quebrar a resistência em falar sobre o tema, vítimas dos procedimentos estéticos se juntam em perfis e grupos das redes sociais para receber apoio mútuo. A ativista Simone Alves foi uma das criadoras do perfil Vítimas da Bioplastia, que reúne mais de 200 mil pessoas.
Não se sabe exatamente quantas mulheres que seguem o perfil tiveram aplicações de PMMA, mas Simone afirma que tem percebido um aumento nos depoimentos de vítimas de aplicações da substância. “Temos recebido mais casos de PMMA do que de qualquer outro preenchedor. Hoje não se usa mais hidrogel e o silicone industrial é menos comum — com isso, o polímero se tornou nossa maior preocupação”, afirma.
A própria Simone é uma destas vítimas. Ela tem PMMA aplicado em seu rosto e silicone industrial nos glúteos. “Acredito que é um ato criminoso o dos médicos e outros profissionais da saúde que fazem esse tipo de procedimento. Como muitas vezes eles têm boas condições econômicas, ainda acossam as pacientes para que elas não denunciem”, lamenta. Muitas são, inclusive, processadas por difamação ao divulgar seus casos.
Além do medo da denúncia, determinar se o problema tem origem no uso do PMMA também é difícil. Existem poucas possibilidades para determinar exatamente qual produto foi utilizado no corpo de alguém. É possível realizar análises laboratoriais, caso o material tenha sido extraído, e em exames de imagem como raio-x e ressonância é preciso um olho muito treinado para identificar com precisão o PMMA.
Cadastro de vítimas na UFG
Pensando em mapear a quantidade de pessoas que foram atingidas pelo PMMA, a professora de dermatologia da Universidade Federal de Goiás (UFG) Mayra Ianhez e seu aluno pesquisador Arthur Fidelis de Sousa elaboraram um cadastro público para vítimas do preenchedor. Até o final de junho, cerca de 50 pacientes estavam listadas na pesquisa, mas a lista segue aberta.
Segundo a professora, a intenção de fazer o cadastro de vítimas veio de um aumento no número de complicações devido ao uso desenfreado da substância. “De uns três anos para cá, observamos um boom nos procedimentos de PMMA na face e no corpo, especialmente em glúteos e em grandes volumes. Com isso, o número de complicações explodiu e começamos a ver novos problemas, como a insuficiência renal, que até então era desconhecida nesses casos”, explica a investigadora.
O aumento expressivo de problema nos rins levou a Sociedade Brasileira de Nefrologia a emitir um alerta para a população em outubro de 2023 sobre os riscos do uso de PMMA. Também foi iniciada uma pesquisa específica, cadastrando vítimas, para entender a relação da insuficiência renal com o preenchedor.
“Na prática, é impossível saber quantas complicações o PMMA pode causar. Com o tempo, ele pode migrar de lugar e atingir áreas importantes do corpo. Tenho casos de complicação em nervos da região glútea, por exemplo, que estão sendo tratados por neurologista”, lamenta a médica.
A luta pela recuperação
Entre as muitas mulheres com complicações, o caso de Mariana Michelini ficou famoso. Ela teve uma infecção tão grave após o preenchimento com PMMA que todo o lábio e parte do queixo foram retirados em 2022. Desde então, ela tem lutado para fazer a reconstrução.
Em 13 de junho, ela passou por um procedimento para reconstruir a boca usando parte da pele da língua para formar um novo lábio, mas o processo é lento e ainda exigirá mais cirurgias. Ao longo de 20 dias, ela ficará com a língua costurada ao lábio para que o enxerto tenha vascularização e possa funcionar bem. O mesmo processo ainda deve ser feito no lado esquerdo da boca.
Ainda assim, Mariana acredita que as dificuldades do processo de recuperação são uma felicidade: sinal de que o pesadelo do PMMA em sua vida está para acabar. “Eu estou vendo a luz no fim do túnel. Estou muito confiante e esperançosa, mas é triste saber que a dentista que me fez passar por todo esse sofrimento não recebeu qualquer tipo de punição. Tem gente que perde a vida quando os profissionais fazem essa venda de gato por lebre, então eu me sinto até com sorte”, afirma ela.
É possível se proteger?
Para evitar a aplicação de PMMA, é preciso que os pacientes façam muitas pesquisas sobre a qualidade do trabalho e o grau de especialização do profissional escolhido. A professora Mayra recomenda que os procedimentos estéticos sejam feitos apenas por médicos especialistas, sejam dermatologistas ou cirurgiões plásticos.
Além da formação, ambas sociedades destas especialidades já orientaram seus associados a não fazerem uso do PMMA, o que dá mais segurança ao cliente.
Além disso, o paciente deve verificar os frascos dos produtos que estão sendo aplicados e evitar se informar sobre a qualidade do profissional apenas pelas redes sociais. O ideal é buscar especialistas que tenham RQE registrado no Conselho Federal de Medicina (CFM).
Luz no fim do túnel
Enquanto orientam os pacientes a se protegerem, os médicos também investigam possibilidades de tratamento que tornem o PMMA reversível. Como ele se gruda aos tecidos do corpo “como um chiclete”, é preciso aprender a dissolvê-lo com a segurança de não arrancar a musculatura e nervos dos pacientes.
Nos últimos meses, testes feitos com o citrato de tofacitinibe têm tido bons resultados para tratar a granulose muscular motivada pelo uso do preenchedor. O uso ainda está em testes, mas é uma esperança para a vida de pessoas que deixaram de se reconhecer ao se olhar no espelho.
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