“Vamos lidar com a Covid-19 por um bom tempo”, diz professor da UnB
Pneumologista Ricardo Martins diz que muitos pacientes recuperados apresentam sequelas como perda óssea e muscular e até problemas cardíacos
atualizado
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Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília, o pneumologista Ricardo Martins considera que, além das perdas, os aprendizados foram muitos desde o início da pandemia de Covid-19 no Brasil.
Por ser do grupo de risco, ele não está no atendimento direto aos pacientes com coronavírus, mas tem prestado atendimento ambulatorial aos que já se recuperaram da doença.
Médico do Hospital Universitário de Brasília, Ricardo explica que, em boa parte das vezes, os pacientes relatam problemas mesmo depois de o vírus não estar mais presente no corpo. Na opinião dele, cuidar destas pessoas exigirá uma medicina pós-Covid.
Seis meses depois do início da pandemia no Brasil, o que aprendemos sobre a Covid-19?
Aprendemos que o SUS (Sistema Único de Saúde) funciona – o atendimento público garantiu que muitas mortes fossem evitadas -, mas falhamos na atenção básica e na vigilância epidemiológica.
A indicação original do Ministério da Saúde era que a população só buscasse atendimento em situações em que houvesse sintomas de falta ar. Isso atrasou o atendimento, tendo em vista que muitos esperaram o quadro se agravar?
Com certeza. Estávamos todos aprendendo, havia uma preocupação de não sobrecarregar os hospitais, fazendo com que eles se tornassem pontos de contaminação. Agora, vemos que o ponto central para controlar o problema é a atenção primária. Estar próximo ao paciente permite que possamos acompanhá-lo e levá-lo para o tratamento nos locais adequados.
O momento inicial do atendimento pode definir quem sairá curado ou quem verá sua saúde agravada. Outro ponto, é a vigilância epidemiológica. No início parecia estar bem encaminhada, no momento seguinte, com muitas informações contrárias que foram divulgadas até por autoridades públicas, ela desabou.
Vimos uma série de soluções mágicas para a Covid-19, especialmente para a prevenção. Qual é o perigo de adotar caminhos assim?
Existe um princípio na Medicina, que é o de não causar danos. Se há dúvidas, abstenha-se de intervir. O médico se propor a prescrever um tratamento sem comprovação científica, apenas porque ainda não existe conhecimento suficiente na área, não isenta o paciente dos efeitos colaterais que possam aparecer.
A talidomida, lançada como um sedativo eficiente no final dos anos 50, provocou uma geração de crianças com má-formação nos anos 70. Sem as mãos, sem os pés. Teve também um anti-inflamatório chamado Viox, que era eficiente como anti-inflamatório, mas, em algumas pessoas, provocou danos cardíacos e até mortes.
Mesmo as medicações que funcionam precisam ser avaliadas com cuidado, pois esta é uma doença nova e ainda estamos aprendendo com ela.
Outro problema das soluções mágicas é a falsa sensação de segurança. Os hospitais acabam ficando lotados de pacientes que fizeram uso da medicação e pegaram a doença porque a medicação que se dizia preventiva não resolveu.
Os medicamentos viraram um assunto político na versão brasileira da pandemia?
Sim, totalmente. A posição política de A, B ou C não deveria importar tanto, o parâmetro deveria ser a ciência. O problema não é pesquisar os medicamentos, é receitá-los em massa.
Nós temos outras doenças graves – como a dengue, por exemplo – e as pessoas aceitam que não há medicamentos eficazes e são tratadas e, na maioria das vezes, se recuperam. Não é porque não existe remédio com comprovação científica para a doença que as pessoas devem sair por aí, tomando qualquer coisa.
Por quanto tempo ainda vamos lidar com a Covid-19?
Por muito tempo ainda. Passado o pico da doença, controlados os casos, vamos viver um período de retaguarda ainda. As pessoas estão se livrando do vírus, mas muitas estão saindo com grandes problemas, como perda óssea, perda muscular, problemas cardíacos. Tratar estas pessoas é o nosso próximo desafio. Haverá uma medicina pós-Covid.