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Vacina, sim ou não? Grupos contrários à imunização preocupam médicos

Nas redes sociais, pessoas contrárias à vacinação argumentam desde efeitos colaterais até relação dos imunobiológicos com autismo

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1 de 1 seringa de vacina - Foto: iStock

“O sistema te rouba, te manipula, te engana, te humilha, e você ainda quer acreditar que querem te ajudar a se salvar com vacinas?”. O questionamento vem em letras brancas, em um fundo degradê alaranjado, como se fosse o pôr do sol. É quase poético. Parece absurdo para quem cresceu orgulhoso de colecionar tanto carimbo na carteirinha de vacinação.

A postagem arrecadou algumas curtidas em um grupo antivacinas no Facebook. Além de atacar as vacinas, ele condena as escolas. São cerca de 500 membros, mas há outros de mesmo tom com 5 mil ou 6 mil participantes. Em comum, pregam o fato de as vacinas não passarem de falácias e as colocam como causadoras de doenças piores, se comparadas às que prometem evitar. Juntos, têm causado arrepio em médicos e nas autoridades sanitárias.

Os grupos antivacinistas não são exatamente um movimento recém-nascido – já são conhecidos desde a chamada Revolta da Vacina, do início do século 20, quando o governo instituiu a imunização obrigatória como medida de combate à varíola – , mas voltaram à tona recentemente, depois que o Ministério da Saúde jogou um balde de água fria na saúde pública ao anunciar os dados da cobertura vacinal da campanha de febre amarela.

A despeito de notícias sobre escassez de doses, filas quilométricas e até saques em postos de saúde, a pasta afirmou, no último dia 15, que até então apenas 19% do público-alvo no Rio de Janeiro e em São Paulo tinha recebido o imunobiológico. A meta era chegar aos 90% nas cidades de campanha, ou 23,9 milhões de pessoas. A medida adotada foi prorrogar a data limite de imunização. Segundo o último boletim do ministério, desde junho de 2017, 545 casos da doença foram confirmados e 164 pessoas morreram.

Illuminatis
Para o moderador de um desses grupos, no entanto, tomar a vacina é um ato mais absurdo que expor a pele à ferroada do mosquito transmissor. Diz ele, na página, que a doença seria apenas parte de um plano dos “illuminatis”: primeiro o governo criaria um problema, em seguida o divulgaria e, finalmente, traria seu antídoto, a vacina. Na verdade, apenas um disfarce para “controle mental da população”.

Quem se submete – como as milhares de pessoas apinhadas em filas em busca da vacina no início da campanha no Rio e em SP – é chamado de “gado” no tal grupo. O restante, “lúcido”.

Os argumentos, porém, quase fazem rir os especialistas. O infectologista Guido Levi, membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e autor dos livros Recusa de vacinas: causas e consequências e Vacinar, sim ou não? Um guia fundamental, acredita que a baixa aderência, no caso da febre amarela, tenha sido incentivada pelas notícias sobre as mortes supostamente causadas por reações ao imunobiológico.

“Quantas pessoas morreram depois de tomar a vacina? Três. E quantas morreram por não tomar? Os últimos casos foram de pessoas não imunizadas por vontade própria. Existem efeitos adversos, mas é um número muito pequeno: um para cada 500 mil. Enquanto isso, a doença mata um a cada três pessoas que contamina”, compara o especialista.

Em outubro do ano passado, um idoso, de 76 anos, morreu de febre amarela na cidade de Itatiba, interior de São Paulo, depois de se recusar a tomar a vacina, mesmo a região onde morava sendo considerada, na época, área de risco. A vacinação não é indicada a pessoas com mais de 59 anos, mas pode ser recomendada por um médico se, na balança, pesarem mais os benefícios que os riscos da aplicação – pois a substância é feita de vírus atenuado.

A vacina contra a febre amarela foi inventada em 1938 e passou a ser aplicada em humanos quatro anos depois. “Em meio à Segunda Guerra Mundial, quem estava preocupado em criar vacina para controlar mente de alguém? E de que maneira isso seria feito? Eu tomei a vacina há cinco anos e, acredito, ainda sou a mesma pessoa”, brinca o especialista. “Essa é uma das coisas comuns a esses grupos: a absoluta falta de conhecimento científico”, reforça.

O que esses grupos antivacinistas dizem?

 

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Sarampo, quem? 

No Brasil, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde existe desde 1973 e hoje contempla 19 tipos diferentes de imunobiológicos. Segundo a pasta, equipara o Brasil a países desenvolvidos. Nos últimos 10 anos, foram aplicadas cerca de 1,5 bilhão de doses pelo programa em todo o país.

Ao Metrópoles, o ministério informou que, na sua avaliação, a erradicação de algumas doenças –como a poliomielite, o sarampo e a rubéola – pelo “sucesso das ações de imunização” causou em parte da população uma sensação de falsa segurança. Isso, parcialmente, ajuda a explicar a insistência dos grupos antivacinistas.

No Brasil, ainda há um desconhecimento individual sobre a importância e os benefícios das vacinas. Em muitos casos, os pais não veem mais algumas doenças como um risco, e acreditam que não existe necessidade de vacinar-se ou a seus filhos.

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Raciocínio semelhante tem o infectologista Guido Levi, da SBIm. “As pessoas não conheceram a pólio, não conheceram o sarampo. E aí, de repente, você tem uma epidemia de sarampo na Europa por causa de uma queda na cobertura vacinal”, argumenta.

Ele lembra ainda que muitas pessoas se escoram na chamada “imunidade de rebanho”, quando mais de 95% da população está vacinada e acaba protegendo, por tabela, a pequena parcela não imunizada pela dose. “As pessoas pensam: ‘por que eu vou dar uma picada no meu filho se os amiguinhos dele já receberam e não vão pegar a doença?’. E aí você tem 3% de pessoas não vacinadas naquele ano. E no ano seguinte, mais 3%, e assim por diante. E a cobertura vai caindo até que se tenha a ocorrência de um surto”.

A Europa vive atualmente um surto de sarampo causado, em parte, pela queda na imunização de rotina. No último dia 20, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou que, apenas em 2017, a doença afetou 21.315 pessoas e matou 35 em 15 dos 53 países do continente.

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Os números representam, segundo a entidade, um aumento de 400% em relação ao ano anterior. “Crianças e adultos não vacinados, independentemente de onde vivem, correm o risco de contrair a doença e espalhá-la para outros que podem não ser vacinados”, alertou, por meio de nota, o diretor regional da OMS para a Europa, Zsuzsanna Jakab.

No Brasil, atualmente, a capital de Roraima está às voltas com casos suspeitos da doença, todos em crianças não vacinadas com idades entre sete meses e 10 anos. Segundo a Secretaria Estadual de Saúde, são sete casos em investigação, sendo seis venezuelanos e um brasileiro.

“O sistema de saúde da Venezuela entrou em colapso – por isso muitas pessoas estão atravessando a fronteira com o Brasil”, comenta o infectologista Jessé Alves, coordenador do serviço de vacinação do laboratório Exame. “E, aí, criaram-se bolsões de crianças não imunizadas. Agora você vê o vírus circulando no Brasil”, complementa.

O Ministério da Saúde, por sua vez, destaca que é justamente na ausência de surto o momento certo da vacinação. “É principalmente na calmaria que a população deve se vacinar, enquanto a doença não está circulando”, diz a nota da pasta.

Autismo causado por vacina
A imunização contra o sarampo está contemplada na vacina tríplice viral, que faz parte do PNI desde 1992. Conforme dados do ministério, em 2011, a cobertura vacinal dela batia nos 100%. Em 2016, ficou em 95,4%. O imunobiológico, que protege também contra a caxumba e a rubéola, é o centro de uma briga científica entre pais e comunidade médica sobre sua influência ou não no desenvolvimento do autismo. Há quem culpe o mercúrio – um conservante – presente no composto pelo diagnóstico dos filhos. Os médicos negam veementemente a relação.

A história remete a uma pesquisa de 1998 do médico britânico Andrew Wakefield, publicada na Lancet, uma das revistas científicas mais respeitadas do mundo. O estudo atestou que 12 crianças avaliadas por ele teriam se tornado autistas depois de tomarem a vacina. Os métodos usados, no entanto, são fortemente questionados pela comunidade médica.

Em 2004, a revista reconheceu que não deveria ter publicado o artigo e 10 dos 13 autores pediram para ter seus nomes retirados do estudo. Em 2010, Wakefield perdeu o registro para atuar como médico. As conclusões do seu estudo, no entanto, ainda reverberam pelos grupos antivacinistas.

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Outra vacina que não anda muito popular entre os pais é a contra o rotavírus, aplicada entre os 2 e os 8 meses de vida do bebê. Isso porque, entre as reações adversas, ela pode causar febre, vômito e, em casos raros, sangue nas fezes. Em 2015, a cobertura da vacina estava em 94,5%. Em 2016, caiu para 88,9%. A contra a poliomielite foi dos 98,3% para 84,4% no mesmo período. A meningococos, contra meningite, saiu dos 98,2% para 91,7%.

As quedas, segundo o Ministério da Saúde, não estão relacionadas a grupos antivacina. “O movimento contrário à vacinação é considerado pequeno no Brasil, portanto, não existem evidências de que essas pessoas influenciem diretamente a cobertura vacinal no país”, afirmou, por e-mail. A pasta ainda reforça que os imunobiológicos são seguros e passam por uma série de testes e avaliações antes de serem incorporados ao calendário nacional de vacinação.

O Metrópoles expôs alguns dos argumentos espalhados por esses grupos nas redes sociais para os especialistas Jessé Alves e Guido Levi, para que eles argumentassem contra ou a favor das teses. Veja quais são e a posição dos infectologistas a respeito:

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1. As vacinas tríplice viral e contra a gripe podem causar autismo em crianças e morte de células nos rins.

Segundo Jessé Alves, do Exame, a teoria vem do fato de que essas vacinas, quando em multidoses (mais de uma dose em um mesmo frasco), podem usar uma substância chamada timerosal, que contém mercúrio, como conservante. Hoje, no entanto, todas as vacinas dadas em clínicas particulares são de doses únicas e, portanto, não usam timerosal. Na rede pública, a maior parte também é monodose.

“Das que são de doses múltiplas, pelos menos nas bulas consultadas, não usam mais o mercúrio como conservante. É raro hoje em dia. E quando usam, a quantidade é desprezível e não seria suficiente para causar nem autismo nem dano aos rins”, argumenta o especialista.

2. Bebês “muito novinhos” não deveriam ser vacinados porque a vacina é uma agressão ao sistema imunológico.

“É uma agressão, mas não pela vacina em si”, começa Alves. “É uma agressão porque tem a picada, a dor. É um estresse que, se pudesse ser evitado, seria ótimo. Mas não é”, afirma Jessé Alves.

Isso porque, na visão do médico, as doenças contra as quais as vacinas protegem os pequenos nos primeiros anos de vida são perigosas. “A vacinação não é feita porque os médicos ou os governos são ‘maus’”, diz o médico. “Mas, sim, porque as doenças contraídas nessa fase são potencialmente letais”.

Guido Levi, por sua vez, lembra que o adiamento da vacinação, muitas vezes, chega a ser recomendado por médicos. “As vacinas dadas nos primeiros meses de vida são feitas assim devido, em grande parte, às doenças das quais protegem serem mais comuns nessa fase. Às vezes, falta conhecimento estatístico. Ou falta pegar o telefone e ligar para um colega mais informado sobre o assunto”, provoca.

3. Não há respaldo científico para a eficácia das vacinas.

“Não há respaldo científico para o dano que podem causar”, diz Jessé Alves. Isso não significa dizer que não existam efeitos colaterais, ressalta. “Nunca vamos negar a existência de efeitos adversos. As reações podem ser alérgicas, por exemplo, ou até ligadas à própria condição de uma vacina ser feita de vírus atenuado (como o caso da febre amarela). É inegável”, pondera o especialista. Por isso, a triagem antes da vacinação deve ser feita com cuidado: histórico de alergias, doenças e condição de saúde do paciente devem ser avaliados antes da injeção.

4. As vacinas deixam nosso sistema imunológico “fraco e vulnerável”.

Depende. Segundo Alves, contra algumas doenças, o organismo até tem condições de produzir defesas sem o uso de imunobiológicos, mas sob o risco de contraí-las, em vez de evitá-las. Além disso, as vacinas não protegem sozinhas: estimulam o organismo a criar células de defesa contra o agente “intruso” causador da doença.

5. As vacinas alteram o DNA.

O argumento, na visão do infectologista do Exame, não faz sentido algum, já que as vacinas não são produzidas com DNA. “Se fosse assim, qualquer doença também alteraria o DNA”, complementa.

6. Há evidências de que o surto de poliomielite na Síria em 2013 foi causado pela vacinação contra a pólio, pois o imunobiológico contém o vírus vivo.

Em 2013, mais de 20 pessoas contraíram poliomielite na Síria. Devido a isso, a OMS emitiu um alerta sobre a circulação do vírus. Pela internet, grupos afirmam que os casos foram causados pela vacina. “As vacinas de vírus atenuado podem reproduzir, em alguns casos, a doença contra a qual protegem, sim”, diz Jessé Alves. É o caso da vacina de gotinhas contra a doença. No entanto, segundo o médico, ela já tem sido substituída, na maioria dos países, por uma versão injetável, feita de material morto. No Brasil, inclusive.

“É preciso lembrar que a pólio foi praticamente erradicada das Américas em virtude da vacinação, a oral principalmente. Uma população de refugiados, numa situação de guerra, como a Síria, pode virar um laboratório vivo de disseminação de doenças desaparecidas. Não seria possível deixar de vacinar essas pessoas”, comenta.

7. A varíola nunca existiu. É uma lenda usada para justificar a aplicação das vacinas.

Para Jessé Alves, basta “checar os livros de história” para derrubar o argumento. A vacina contra a varíola foi a primeira do mundo a ser aplicada em humanos. Deriva dela, inclusive, a palavra “vacina”. No livro “Recusa de vacinas”, Guido Levi lembra que, na Europa, a doença chegava a matar cerca de 400 mil pessoas por ano. Hoje, a doença é considerada erradicada – no entanto, pode existir casos registrados em humanos.

De acordo com Jessé Alves, só dois laboratórios no mundo ainda manipulam o vírus, para fins de desenvolvimento da vacina, mas já se estuda destruir, inclusive, os vírus mantidos em laboratório.

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