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Um terço dos alunos de pós-graduação têm depressão ou ansiedade

Novo estudo sobre o tema revelou que 40% dos mestrandos e doutorandos sofrem na universidade. Estudantes reclamam de prazos e pressão

atualizado

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aluno depressão  ansiedade enem
1 de 1 aluno depressão ansiedade enem - Foto: iStock

Aos 27 anos, o biólogo Iran Augusto Neves ostenta um raro currículo acadêmico. Há poucas semanas, recebeu o grau de mestre, conferido a duras penas pelo programa de pós-graduação da Universidade de São Paulo (USP), uma das mais afuniladas do país, o suprassumo da elite intelectual brasileira. Está orgulhoso do feito, mas poderia estar mais. Nem tudo foram flores no caminho que percorreu da graduação até a defesa da sua tese – na verdade, por causa dela, Iran quase perdeu a vida em janeiro. Quis ele mesmo tirá-la, num dia de exaustão no laboratório.

Não conseguiu. Mas entrou para a estatística crescente, segundo pesquisas, de estudantes travando batalhas simultâneas com os prazos e as agruras da pesquisa de um lado e a ansiedade e a depressão do outro. Só na turma de Iran, foram duas tentativas de suicídio desde que ele ingressou no mestrado – que o biólogo saiba. Uma delas, no laboratório. Outro colega, de um departamento vizinho, conseguiu.

“Antes de tentar me matar, pensei em desistir. Mas não podia, pois, se largasse o mestrado, teria de devolver todo o dinheiro da bolsa recebido até ali, que é pífio (R$ 1,5 mil por mês, pela Capes), mas eu não tinha. Ainda precisava ouvir da minha orientadora: ‘como assim você não tem dinheiro para estar aqui todos os dias se você recebe para isso?’. Ela não tem noção do que é esse dinheiro”, desabafa o mestrando.

Depressão e tentativas de suicídio entre universitários e pós-graduandos não são assunto novo dentro das universidades. Em 2017, o tema chegou a ganhar páginas de jornais com o termo “surto de suicídios” depois que seis alunos da Faculdade de Medicina da USP tentaram se matar, entre janeiro e abril. Pouco depois, alunos da Universidade Federal de Viçosa (MG) lançaram a campanha #NãoÉNormal na internet para expor casos de demandas abusivas de escolas e professores que comprometem a saúde mental dos estudantes.

Alunos de graduação usaram os próprios canais no YouTube para falar sobre o assunto. Os temas vão de “escolha sua saúde mental” a “faculdade não é o que você pensa”.


Agora, a academia começa a utilizar suas ferramentas para dar nome, dimensão e visibilidade ao problema.

Um terço dos alunos
O último grito foi dado por pesquisadores do Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Texas, nos Estados Unidos. Um estudo publicado na revista científica Nature, na última semana, aponta que 36% dos alunos de mestrado e doutorado sentem-se deprimidos ou ansiosos em grau moderado ou grave. Na população geral, o índice fica na casa dos 6%.

Os números vieram de entrevistas com quase 3 mil pessoas, em 26 países, de áreas diferentes do conhecimento. O mesmo problema foi relatado por alunos da saúde, das ciências biológicas, de exatas e de humanas. E pesou mais para mulheres e transgêneros do que para estudantes homens.

Ao todo, 41% dos entrevistados afirmaram ter ansiedade moderada ou grave, enquanto 39% disseram estar deprimidos. Entre alunas, o índice ficou nos 43% e 41%, respectivamente. Enquanto isso, mais da metade dos alunos trans lidam com algum grau de sofrimento mental nas academias: 55% com ansiedade e 57% com depressão.

“Muitos estudos mostraram que mulheres estão mais suscetíveis a desordens mentais do que homens. Por isso, não ficamos surpresos com nossos resultados, pois alinham-se a trabalhos anteriores”, disse, ao Metrópoles, Teresa Evans, líder do levantamento e professora da Escola de Medicina da Universidade do Texas. Isso não significa, na sua avaliação, que os números não reforcem a necessidade de se debater o espaço e a cobrança das mulheres na academia.

 

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Alunas mulheres e transgêneros parecem estar mais suscetíveis ao problema, tendência observada na população como um todo
O relacionamento com o orientador da tese parece ter peso especial na saúde mental dos estudantes. A maioria não acredita que o professor confira mentoria ou boa pespectiva profissional
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Pesquisa ouviu 2.279 alunos de mestrado e doutorado em instituições de 26 países sobre se sentiam ansiedade e depressão

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Alunas mulheres e transgêneros parecem estar mais suscetíveis ao problema, tendência observada na população como um todo

Arte Metrópoles
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O relacionamento com o orientador da tese parece ter peso especial na saúde mental dos estudantes. A maioria não acredita que o professor confira mentoria ou boa pespectiva profissional

Arte Metrópoles

A advogada Tuany Baron, de 24 anos, aluna da pós-graduação em direito na Universidade Federal do Paraná (UFPR), aprendeu cedo: se quisesse mais do que o bacharelado no currículo, deveria ter estômago forte.

Ela entrou em um programa de pesquisa em pós-graduação ainda na faculdade, aos 19 anos. Só compartilhava do posto dado como privilegiado com outro aluno de graduação, como ela. Mas não foi a sisudez dos termos e das normas acadêmicas que acabou com sua saúde mental, e, sim, o clima doentio da academia.

“Fui incentivada, sempre, a competir com meus colegas, a competir com outros grupos e a enxergar todos os demais alunos da faculdade como rivais”, conta. “A longo prazo, essa postura começou a me fazer sentir incapaz, menos que os outros, ou que eu não fosse suficiente para estar lá. Cheguei a um ponto em que adoeci. Desenvolvi depressão e ansiedade, e posteriormente viraram síndrome do pânico”, conta Tuany.

Um dos professores líderes sempre dizia que não aceitava ‘pessoas medíocres’. Eu incorporei o mito da genialidade e me sentia frequentemente uma ‘sabotadora’

Tuany Baron de Vargas, mestranda de direito na Universidade Federal do Paraná

Tuany hoje concilia o mestrado com um trabalho de coaching para alunos desesperados às voltas com a dissertação.  Eles recorrem à advogada, segundo ela mesma, quando sentem que não atendem aos requisitos “sobrenaturais” para a pós. “Procuram-me como ‘última ‘solução’ antes de desistirem”.

(Des)Orientadores
Durante as entrevistas, os pesquisadores do Texas perguntaram aos voluntários também sobre a  relação com professores e orientadores de teses. A maioria não se mostrou satisfeita com a pessoa com a qual mais lidam no período de diplomação.

Mais da metade deles disseram não se sentir valorizados pelo professor e não acham que os orientadores sejam bons mentores ou, ainda, que farão grande diferença na vida profissional da cada um no futuro.

Entre os relatos recebidos pela reportagem, é comum surgirem, naturalmente, histórias de abuso, agressões verbais, ameaças ou carga excessiva de trabalho. Iran, da USP, conta que chegou a ser obrigado a passar 16 horas em um seminário científico certa vez sob ameaça de perder a bolsa-auxílio, única fonte de renda.

“O departamento de onde eu venho é bem voraz”, diz o aluno. “E o ego dos professores é grande. Eles mandam e desmandam. Eu era o ‘queridinho’ da minha orientadora e isso foi pior para mim. Academicamente, são excelentes. Mas eles não têm um treinamento sobre como dar aula, como lidar com pessoas. Conhecimento só não é suficiente”, acredita Iran.

Dormir e acordar dentro de laboratórios a fim de cumprir prazos também não são eventos raros entre os estudantes. Pablo Roxo, de 29 anos, mestrando em ciências da computação na Universidade Federal da Bahia, conta que certa vez passou 40 horas consecutivas na universidade. “Dormi no chão do laboratório. E isso foi só uma das vezes”, lembra.

Vi minha qualidade de vida diminuindo. Estava sempre com a cabeça esgotada, a alimentação precária, ora com muita fome, ora sem fome alguma e sempre cansado. Você passa a odiar aquilo e não consegue sair.

Pablo Roxo, aluno de mestrado da UFBA

Pablo chegou a ser chamado de “personal bullying” pelo orientador – que fazia piadas sempre que sentia vontade. As agressões também vieram na forma de tapas nas costas e na cabeça. Os alunos riam. Pablo tentou se matar, mas não conseguiu. Caiu no chão depois de uma tentativa malsucedida de enforcamento.

“Eu demorei cinco minutos para perceber que não tinha morrido. Meu ouvido entupiu. Lembro de abrir os olhos e ficar olhando a cerâmica do chão estampada e cheia de pó”, lembra.

Ele recorreu, depois, à coordenação da faculdade e decidiu trancar o curso de mestrado. E foi fazer uma especialização na área de formação. Voltou recentemente à universidade, com fôlego renovado e uma nova orientadora mais flexível. Mesmo assim, por causa do prazo (o período máximo de conclusão do mestrado é de quatro anos), não sabe se conseguirá concluir a tempo.

Alto nível
O resultado da pesquisa americana assusta, mas não mostra nada novo a quem vive entre as paredes da pós-graduação. Pelo menos não na visão do psiquiatra Raphael Boechat, professor da Universidade de Brasília e orientador de mestrado e doutorado da Faculdade de Medicina da instituição. Segundo o especialista, a deterioração da saúde mental dentro da academia é grave, mas reflete um fenômeno que tem sido observado em toda a sociedade e, também, fora dela.

“Isso acontece em qualquer profissão que demanda muita dedicação e trabalha com um limite de tempo, o chamado ‘deadline’. Esse é o problema do mestrado. Esses limites são meio aterrorizantes para algumas pessoas porque, em tese, se você passa dele, está fora”, comenta.

O nível de cobranças, as longas horas nos laboratórios ou debruçados em artigos e o volume de trabalho também contribuem para a situação. Mas é algo, de acordo com o professor, que vem de cima. “A Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, ligada ao Ministério da Educação) exige um volume alto de artigos da instituição para creditar nota a ela. Essa cobrança, naturalmente, é repassada aos alunos da pós, ou a nota da universidade baixa”.

Ele acredita que a exigência, no entanto, não é a mesma em todos os cursos, áreas de estudo ou universidades. “Uma vez, estive na palestra de um Prêmio Nobel de Medicina em visita à Universidade Federal da Bahia, em Salvador, e ele ficou admirado com a beleza do prédio antigo. Na época, comentou que nunca seria Prêmio Nobel se estudasse ali, porque não conseguiria se concentrar. Ele passou a vida em laboratórios”, comenta o psiquiatra.

Tem coisas que você só alcança com muito esforço mesmo. Ninguém vai achar que vai fazer um estudo de qualidade sem algum nível de estresse e cansaço. Isso não existe. A patente maior da academia, o doutorado, não pode ser fácil. Tanto que ninguém é obrigado a fazer.

Raphael Boechat, psiquiatra e professor da pós-graduação da Faculdade de Medicina da UnB

Teresa Evans, da Universidade do Texas, por sua vez, espera que, pelo menos, o resultado do seu estudo sirva para as academias e instituições que apoiam as universidades “liderarem o caminho primeiro em reconhecer os desafios e, depois, em trabalhar por recursos e intervenções”. “A pressão, às vezes, se torna mais do que a pessoa pode aguentar”, diz.

Confira nas galerias trechos de relatos recebidos pela reportagem:

Iran Augusto Neves, 27 anos, biólogo e mestre em ciências pela USP:

 

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Minha orientadora também teve um problema emocional. Em meio à minha orientação, foi diagnosticada com síndrome do pânico e bipolaridade. Ela "surtou" e começou a perseguir todos os alunos. Chegou a pedir para a direção "cortar" os projetos de todo mundo porque ela não queria mais nos orientar. Começou a abusar verbalmente, humilhar, xingar. Ela não soube separar as coisas. Eu e uma colega fomos parar na psiquiatra da faculdade. Um colega de outro departamento chegou a se matar num laboratório. Ali, lidamos muito com anestésicos, que são voláteis como formol.
Na época em que tentei me matar, queria desistir. Mas não podia porque, se a gente desiste, tem de devolver todo o dinheiro da pesquisa, o que é pífio, mas eu não tenho como. Havia dias em que não tinha dinheiro para o transporte e precisava ouvir da professora: "Como assim você não pode vir todos os dias? Você ganha uma bolsa". Só que ela não tem noção, porque tem professor que ganha R$ 20 mil na USP.
Hoje, estou dando uma ponderada. Tenho de terminar algumas coisas ainda da minha pesquisa e estou dando um tempo para ficar bem. Minha vontade é ficar só no mestrado, e não fazer doutorado. Mas foi a coisa que eu sempre quis.
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Eu tenho tanta ansiedade quanto depressão. Já tinha um quadro leve de ansiedade antes do mestrado, mas não era nada de se preocupar. O gatilho para o agravamento foi a pós. No meu caso, além da pressão normal do dia a dia, para termos resultados rápidos na pesquisa, o meu departamento é bem, digamos, voraz. Sofri também com assédios pessoais por parte da minha orientadora. Certa vez, fomos obrigados por ela a comparecer a um simpósio e nossa "chefe" só nos deixou ir embora às 23h.

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Minha orientadora também teve um problema emocional. Em meio à minha orientação, foi diagnosticada com síndrome do pânico e bipolaridade. Ela "surtou" e começou a perseguir todos os alunos. Chegou a pedir para a direção "cortar" os projetos de todo mundo porque ela não queria mais nos orientar. Começou a abusar verbalmente, humilhar, xingar. Ela não soube separar as coisas. Eu e uma colega fomos parar na psiquiatra da faculdade. Um colega de outro departamento chegou a se matar num laboratório. Ali, lidamos muito com anestésicos, que são voláteis como formol.

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Na época em que tentei me matar, queria desistir. Mas não podia porque, se a gente desiste, tem de devolver todo o dinheiro da pesquisa, o que é pífio, mas eu não tenho como. Havia dias em que não tinha dinheiro para o transporte e precisava ouvir da professora: "Como assim você não pode vir todos os dias? Você ganha uma bolsa". Só que ela não tem noção, porque tem professor que ganha R$ 20 mil na USP.

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Hoje, estou dando uma ponderada. Tenho de terminar algumas coisas ainda da minha pesquisa e estou dando um tempo para ficar bem. Minha vontade é ficar só no mestrado, e não fazer doutorado. Mas foi a coisa que eu sempre quis.

 

Pablo Ricardo Roxo, 29 anos, mestrando em ciências da computação na UFBA:

 

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Com o tempo, ele começou a pedir coisas pessoais para mim relacionadas à pesquisa, mas não com o cronograma do momento, e, sim, com artigos dele. Foi quando começou o desgaste. Passei a não dar mais conta e ele não queria nem saber.
Cheguei a passar 40 horas na faculdade, dormi no chão do laboratório. Vi minha qualidade de vida diminuindo, estava com a cabeça esgotada, a alimentação precária. Você começa a odiar aquilo, mas não pode largar.
Então, ele começou a fazer ameaças. A primeira foi cortar a minha bolsa. Eu precisava de um amigo, de uma pessoa para conversar e não tinha. Depois, ele ameaçou me jubilar do programa. Ele chegou a dizer que eu era o "personal bullying" dele, e que toda vez que precisava fazer bullying, me escolhia. Chegava atrás de mim dava tapa na cabeça, nas costas, me agredia fisicamente.
Decidi trancar o curso em agosto de 2016. Foi a pior fase da minha vida. Tinha saído de casa por brigas familiares e tive uma experiência ruim com um colega com quem dividi o apartamento depois. Foi quando tentei suicidio me enforcando, mas o ferro partiu. Caí no chão e levei uns 5 minutos para perceber que eu não tinha morrido e que eu estava em casa. Fiquei surdo, meu ouvido 'tapou'. Fiquei olhando o azulejo do chão, empoeirado. Me dei conta do que eu tinha feito e comecei a chorar.
Em maio de 2017 comecei a fazer uma especialização no Senai na Bahia e terminei agora em março. Fiz porque não sabia se ia conseguir voltar para o mestrado. Voltei, mas tenho outro dilema: de não conseguir cumprir os prazos.
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No mestrado, era orientado por um professor tido como muito competente. É o mais "top" da faculdade na área. Caí com ele por acaso. Desde o começo, deu para perceber que ele era muito linha dura, cobrava muito e em excesso. Mas eu tinha orgulho de ser orientado por ele, mesmo com outros alunos dizendo que ele era agressivo e pedante. Eu não via isso nele, porque não o conhecia.

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Com o tempo, ele começou a pedir coisas pessoais para mim relacionadas à pesquisa, mas não com o cronograma do momento, e, sim, com artigos dele. Foi quando começou o desgaste. Passei a não dar mais conta e ele não queria nem saber.

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Cheguei a passar 40 horas na faculdade, dormi no chão do laboratório. Vi minha qualidade de vida diminuindo, estava com a cabeça esgotada, a alimentação precária. Você começa a odiar aquilo, mas não pode largar.

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Então, ele começou a fazer ameaças. A primeira foi cortar a minha bolsa. Eu precisava de um amigo, de uma pessoa para conversar e não tinha. Depois, ele ameaçou me jubilar do programa. Ele chegou a dizer que eu era o "personal bullying" dele, e que toda vez que precisava fazer bullying, me escolhia. Chegava atrás de mim dava tapa na cabeça, nas costas, me agredia fisicamente.

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Decidi trancar o curso em agosto de 2016. Foi a pior fase da minha vida. Tinha saído de casa por brigas familiares e tive uma experiência ruim com um colega com quem dividi o apartamento depois. Foi quando tentei suicidio me enforcando, mas o ferro partiu. Caí no chão e levei uns 5 minutos para perceber que eu não tinha morrido e que eu estava em casa. Fiquei surdo, meu ouvido 'tapou'. Fiquei olhando o azulejo do chão, empoeirado. Me dei conta do que eu tinha feito e comecei a chorar.

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Em maio de 2017 comecei a fazer uma especialização no Senai na Bahia e terminei agora em março. Fiz porque não sabia se ia conseguir voltar para o mestrado. Voltei, mas tenho outro dilema: de não conseguir cumprir os prazos.

 

Tuany Baron de Vargas, 24 anos, advogada e mestranda em direito da UFPR:

 

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A longo prazo, essa postura começou a fazer com que eu me sentisse incapaz, menos que os demais, ou que eu não fosse suficiente para estar lá. Um dos professores líderes sempre dizia que não aceitava "pessoas medíocres". Até que cheguei a um ponto em que adoeci, desenvolvi depressão e ansiedade, que posteriormente foi transformada em síndrome do pânico. Incorporei o mito da genialidade e me sentia frequentemente uma "sabotadora".
Finalmente, quando ingressei na pós, consegui ressignificar isso. Ressignificar até mesmo o papel da universidade e da pesquisa. Hoje, eu me sinto bem mais preparada a lidar com a pós como um trabalho que necessita ser feito, como qualquer outro, do que propriamente como um "dom".
Os professores são peças-chave para o bem e para o mal. Comparando as minhas experiências de orientação, posso  afirmar que um relacionamento abusivo de orientação necessariamente te adoce. Por outro lado, quando encontrei um novo orientador, mais sensível, ele também foi fundamental para minha recuperação da síndrome do pânico e na compreensão da real função da pós: formar pesquisadores e produzir ciência, e não inflar egos e usar os alunos para disputas de poder entre os próprios professores. Falta um pouco de sensibilidade dos orientadores em se colocar no papel real do professor: formador, educador, e etc.
Mas veja, essa "vaidade" que permeia a academia adoece as pessoas ou então passa a ser reproduzida. Se você não pode ser "medíocre", e essa é a instrução do "líder", do professor, passa a analisar os que estão junto de você para fazer uma "escala de gênios". O que não é o gênio sofre porque não consegue atingir um patamar irreal e inalcançável. Sente que a pesquisa é inútil, que não tem capacidade e que não irá conseguir.
Ao mesmo tempo, aquele que é colocado como gênio (e acaba acreditando nesse papel), em silêncio, muitas vezes sofre de doenças psíquicas porque se sente uma fraude, porque tem deficiências como qualquer um (também tem problemas na pesquisa, sente cansaço, tem bloqueio criativo, tem que lutar contra a página de word em branco sem saber o que escrever). É a perversidade dos pequenos poderes.
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Entrei na faculdade com 17 anos e, desde o segundo ano, decidi que gostaria de seguir a carreira acadêmica. Vinculei-me a um grupo de pesquisa da pós no terceiro ano da graduação, com 19, e comecei a fazer pesquisa lá sendo que havia, além de mim, apenas mais um graduando. Fui incentivada, sempre, a competir com os meus colegas, a competir com os outros grupos, e a enxergar todos os demais grupos da faculdade (professores e alunos) como rivais.

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A longo prazo, essa postura começou a fazer com que eu me sentisse incapaz, menos que os demais, ou que eu não fosse suficiente para estar lá. Um dos professores líderes sempre dizia que não aceitava "pessoas medíocres". Até que cheguei a um ponto em que adoeci, desenvolvi depressão e ansiedade, que posteriormente foi transformada em síndrome do pânico. Incorporei o mito da genialidade e me sentia frequentemente uma "sabotadora".

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Finalmente, quando ingressei na pós, consegui ressignificar isso. Ressignificar até mesmo o papel da universidade e da pesquisa. Hoje, eu me sinto bem mais preparada a lidar com a pós como um trabalho que necessita ser feito, como qualquer outro, do que propriamente como um "dom".

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Os professores são peças-chave para o bem e para o mal. Comparando as minhas experiências de orientação, posso afirmar que um relacionamento abusivo de orientação necessariamente te adoce. Por outro lado, quando encontrei um novo orientador, mais sensível, ele também foi fundamental para minha recuperação da síndrome do pânico e na compreensão da real função da pós: formar pesquisadores e produzir ciência, e não inflar egos e usar os alunos para disputas de poder entre os próprios professores. Falta um pouco de sensibilidade dos orientadores em se colocar no papel real do professor: formador, educador, e etc.

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Mas veja, essa "vaidade" que permeia a academia adoece as pessoas ou então passa a ser reproduzida. Se você não pode ser "medíocre", e essa é a instrução do "líder", do professor, passa a analisar os que estão junto de você para fazer uma "escala de gênios". O que não é o gênio sofre porque não consegue atingir um patamar irreal e inalcançável. Sente que a pesquisa é inútil, que não tem capacidade e que não irá conseguir.

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Ao mesmo tempo, aquele que é colocado como gênio (e acaba acreditando nesse papel), em silêncio, muitas vezes sofre de doenças psíquicas porque se sente uma fraude, porque tem deficiências como qualquer um (também tem problemas na pesquisa, sente cansaço, tem bloqueio criativo, tem que lutar contra a página de word em branco sem saber o que escrever). É a perversidade dos pequenos poderes.

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A questão (da saúde mental dos alunos) sempre foi muito invisibilizada dentro da universidade, seja por vergonha daqueles que sofrem, seja pelo "tabu" de se contrariar as práticas abusivas anti-pedagógicas e anti-criativas de alguns professores. Tradicionalmente, essas condutas eram vistas como formas de "criar a casca nos alunos", "amaciar a carne pela porrada", como já ouvi. Essa é uma mentalidade ultrapassada e totalmente problemática.

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Aparentemente, depois de tantas denúncias, tantos suicídios e estudos noticiados em todo Brasil, o enfrentamento desse tipo de problema está "saindo do armário" na academia. Mas é claro que, em vários aspectos, o tema é muito velado, e precisamos caminhar muito para superá-lo. Ao menos, esforços para tanto têm sido empreendidos, o que já é um grande começo.

Thiago Consiglio, 28 anos, mestrando em educação na UFSCar Sorocaba:

 

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Eu, particularmente, não pensei em desistir. Mas admito que tive uma sensação, derivada dessa situação, de acreditar que o trabalho não será o suficiente. Ainda mais no mestrado, que é um trabalho de responsabilidade, mas considerado inicial, e a pesquisa exigida neste ambiente não é superficial e demanda maturidade e trabalho intenso.
As instituições precisam ter responsabilidade com esta situação, mas, para além da própria academia, existe a sociedade, que não tem uma perspectiva clara do que faz um pesquisador. As bolsas de estudo para os pesquisadores são baixas e a sociedade não corrobora com isso. Costuma acreditar que o trabalho da universidade não faz parte da vida cotidiana dela, mas é esse mesmo ponto: a universidade precisa se aproximar da sociedade também.
O trabalho do pesquisador, individualmente, é de certa forma isolado. Cada trabalho de pesquisa é um trabalho de investigação acadêmica acerca de algum recorte da realidade e de conhecimento.
Talvez algumas coisas não possam ser mudadas imediatamente, porque é uma questão estrutural, como a própria universidade se estrutura. Mas esse assunto precisa deixar de ser tabu e, para isso, as pessoas de fora da academia precisam conversar com os pesquisadores abertamente, a abordagem precisa ser feita em um contexto de empatia e humanização desses processos acadêmicos
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Acredito que algum nível de estresse pode ser considerado "parte natural do processo" na pesquisa acadêmica, porque é um tipo de trabalho individual, em ambientes muitas vezes competitivos, etc. Mas justamente por ser considerado "comum", acho que é razão para se olhar para essa situação com maior atenção. Se a tendência a essa característica aumenta neste ambiente, há algo de errado.

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Eu, particularmente, não pensei em desistir. Mas admito que tive uma sensação, derivada dessa situação, de acreditar que o trabalho não será o suficiente. Ainda mais no mestrado, que é um trabalho de responsabilidade, mas considerado inicial, e a pesquisa exigida neste ambiente não é superficial e demanda maturidade e trabalho intenso.

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As instituições precisam ter responsabilidade com esta situação, mas, para além da própria academia, existe a sociedade, que não tem uma perspectiva clara do que faz um pesquisador. As bolsas de estudo para os pesquisadores são baixas e a sociedade não corrobora com isso. Costuma acreditar que o trabalho da universidade não faz parte da vida cotidiana dela, mas é esse mesmo ponto: a universidade precisa se aproximar da sociedade também.

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O trabalho do pesquisador, individualmente, é de certa forma isolado. Cada trabalho de pesquisa é um trabalho de investigação acadêmica acerca de algum recorte da realidade e de conhecimento.

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Talvez algumas coisas não possam ser mudadas imediatamente, porque é uma questão estrutural, como a própria universidade se estrutura. Mas esse assunto precisa deixar de ser tabu e, para isso, as pessoas de fora da academia precisam conversar com os pesquisadores abertamente, a abordagem precisa ser feita em um contexto de empatia e humanização desses processos acadêmicos

 

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