Treino cerebral pode ajudar bebês com síndrome de Rett, diz estudo
Testes em laboratório evidenciam que treinar o cérebro e o corpo dos bebês pode atrasar o aparecimento da síndrome de Rett
atualizado
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Doença rara, que afeta cerca de 1 em 10 mil meninas em todo o mundo, a síndrome de Rett não tem tratamentos eficazes e a enxurrada implacável de sintomas é devastadora. Em busca de esperança para elas, cientistas realizaram experimentos que mostram como o treinamento comportamental intenso, antes que os sintomas se desenvolvam, afasta a perda de memória e o declínio do controle motor.
Um estudo, publicado nesta quarta-feira (24/3) na revista Nature, demonstrou experimentos feitos em ratos que replicam o distúrbio genético. Em comparação com ratos não treinados, aqueles treinados no início da vida eram até cinco vezes melhores na execução de tarefas que testavam sua coordenação ou sua capacidade de aprender, como exemplificou a dra. Huda Y. Zoghbi, especialista em genética molecular e humana do Instituto Médico Howard Hughes.
Estudando a doença há mais de 30 anos, a médica afirma que os sintomas dos animais se assemelham à doença humana e oferecem a justificativa necessária para a triagem de recém-nascidos para síndrome de Rett.
A ideia de Zoghbi e sua equipe era de poder, de alguma forma, estimular os neurônios lentos, mas sem o uso de técnicas invasivas como as que tentaram utilizar ao longo de vários anos de pesquisa.
Os pesquisadores tentaram então imitar os efeitos da estimulação cerebral profunda com algo não invasivo – treinamento comportamental intensivo. Os ratos foram treinados em duas habilidades que murcham em pessoas com o transtorno: coordenação e capacidade de aprendizagem. Eles também testaram uma ideia não convencional: treinaram ratos antes que qualquer sintoma se manifestasse.
A técnica incluiu um aparelho “rotarod”, uma esteira rolante semelhante a um tronco que exige que os ratos caminhem continuamente para manter o equilíbrio. Duas vezes por semana, quatro vezes por dia, os pesquisadores colocaram ratos no dispositivo para uma sessão de cinco minutos. Os treinados no início da vida superaram os treinados mais tarde e permaneceram no aparelho cerca de cinco vezes mais do que os ratos sem treinamento.
Sob um microscópio, os neurônios dos ratos treinados antes dos sintomas realmente pareciam diferentes dos de ratos treinados tardiamente, com mais ramificações e pontos de conexão com outros neurônios. “Essa diferença sugere que o treinamento precoce intenso muda fisicamente o cérebro, de uma forma que combate a doença”, disse Zoghbi.
O treinamento contínuo até mesmo evitou os sintomas e os animais ficaram livres de sintomas por até quatro meses a mais que os não treinados, uma grande quantidade de tempo para os animais, que, como ratos saudáveis, vivem cerca de dois anos.
O ensaio clínico em humanos, para os cientistas, é o próximo grande passo para este trabalho. Zoghbi imagina que o treinamento infantil pode assumir muitas formas, incluindo “tempo de barriga” extra, onde os bebês deitam de bruços para fortalecer seu núcleo, ou aulas de treinamento de linguagem para ajudá-los a ganhar algumas palavras.
As descobertas justificam o rastreamento genético para que seja feita a triagem de meninas no nascimento e poder dar aos médicos o aviso de que precisam para iniciar o tratamento precoce e atrasar os sintomas. “É possível que o treinamento possa ter benefícios duradouros”, diz Heintz, neurocientista da Universidade Rockefeller. Mesmo um atraso de seis meses seria “absolutamente compensador”, acrescenta Zoghbi.
Declínio rápido
A síndrome de Rett é relativamente rara, tendo sido reconhecida pelo mundo no início da década de 1980. Afeta principalmente meninas, que geralmente são diagnosticadas por volta dos três anos de idade – bem após o aparecimento dos primeiros sintomas.
Depois de se desenvolver normalmente por cerca de um a dois anos de vida, as crianças perdem progressivamente as habilidades que aprenderam. Aos 18 meses, as crianças podem ter problemas para usar as mãos. Aos dois anos, sua capacidade de equilíbrio se deteriora e as habilidades linguísticas diminuem.
Quando os sintomas estão totalmente desenvolvidos, quase todas as partes do cérebro são afetadas. Em casos graves, as meninas não podem falar, alimentar-se ou mesmo abrir a boca. Eles também podem ter convulsões, ranger de dentes e dificuldade para respirar.
Fique atento
Segundo a Associação Brasileira de Síndrome de Rett, os pais podem ficar atentos a alguns sintomas que caracterizam a doença:
– Irritabilidade por períodos determinados, com crises de choro inconsolável;
– Perda óbvia das habilidade motoras, representadas pela falta de uso prático das mãos para, por exemplo, manipular brinquedos;
– Perda gradual de interesse pelo ambiente que a rodeia e pela socialização e interação com os outros (algo que leva erroneamente alguns médicos a diagnosticarem erroneamente a doença como autismo);
– Bruxismo (ou ranger de dentes, que pode ocorrer também de forma estereotipada).
– Distúrbios de sono.
– Padrões respiratórios anormais, como apneia ou hiperventilação, ou ambas.
Também são observadas algumas características autonômicas que incluem:
– Refluxo gastroesofágico;
– Dismotilidade intestinal (ou falta dos movimentos intestinais adequados), que resulta em constipação severa;
– Hipotermia (ou baixa temperatura);
– Extremidades arroxeadas, mais comuns nas extremidades inferiores (pés) do que nas superiores (mãos);
– Alterações eletrocardiográficas.
Crises convulsivas são muito frequentes nas pessoas com Síndrome de Rett. No entanto, apenas 20%-25% delas parecem de fato apresentar quadro epiléptico passível de tratamento com anticonvulsivantes.