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Tratamento vocal ajuda transsexuais a se reconhecerem por meio da voz

O processo de construção vocal garante mais confiança e segurança para falar em público, com uma voz que se alinha com a imagem

atualizado

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Ernesto Nunes/Imagem cedida ao Metrópoles
Ernesto-Nunes
1 de 1 Ernesto-Nunes - Foto: Ernesto Nunes/Imagem cedida ao Metrópoles

Encontrar a própria voz faz parte do longo caminho de identificação das pessoas transsexuais. São recorrentes os relatos de quem evita falar em público para não chamar atenção pelo timbre que não combina mais com a imagem apresentada. Por isso, a transição é uma construção que inclui imagem e voz e os tratamentos fonoaudiológicos são fundamentais nesse processo.

“A expressividade vocal é importante na busca da identidade porque há mulheres que têm voz grave mas não deixam de ser femininas. Não é apenas a frequência vocal que caracteriza a voz feminina. Trabalhamos com o tipo de ênfase e a inflexão. Em alguns casos pode haver indicação cirúrgica para agudização da voz, em outros exercitamos a expressão”, conta o fonoaudiólogo especialista em voz e fluência Tiago José Nunes Aguiar.

Foi assim com Lorena Cardoso Silva, 42 anos. A cabeleireira evitava conversar em público e se esforçava para falar baixo para não chamar atenção para a própria voz. “Ela era um trovão. Escutar a minha própria voz sempre me incomodou”, lembra.

Lorena começou o processo de transição de gênero há seis anos. A grande mudança em sua vida aconteceu depois da cirurgia de redesignação sexual, em 2017, seguida pela cirurgia glotoplastia de Wendler, para tornar a voz mais aguda. Nem todos os pacientes são indicados para ela.

Lorena Cardoso
“A gente se sente mais confortável e com confiança de falar”, Lorena Cardoso

Ela não pôde falar por 10 dias após o procedimento cirúrgico, seguido por 20 sessões de fonoaudiologia com o doutor Tiago José, ao longo de quatro meses. Os exercícios tinham o objetivo de controlar o diafragma e a potência vocal.

Os primeiros resultados foram notados por pessoas próximas que percebiam uma voz mais delicada, suave e harmoniosa. O fonoaudiólogo ressalta que a readequação para transgêneros procura modificar a frequência da voz por meio de ajustes supralaríngeos com exercícios de suavização, postura de língua e discurso para evitar que ela fique caricata, o que poderia gerar ainda mais preconceito para esses pacientes. “Às vezes, com um trabalho de expressividade vocal, a forma como a gente fala, a gente já caracteriza essa voz”, explica

Desconforto

Tiago José lembra que, muitas vezes, as mulheres trans chegam ao consultório com a carga emocional muito mexida porque a voz às identificam com o gênero anterior, gerando desconforto, isolamento social e preconceito de outras pessoas. “É um trabalho de saúde e social porque a gente muda a vida de pessoas”.

O médico psiquiatra do Hospital Santa Lúcia Norte, Fábio Aurélio Leite, explica que, neste processo, o paciente busca tudo aquilo que remete ao gênero em que ele se identifica. “A voz às vezes destoa da imagem, ou seja, ele não consegue ter uma unidade audiovisual, e isso incomoda bastante. Tudo o que eles querem é ter uma percepção de um gênero único”, afirma.

Esse processo pode levar ao quadro de ansiedade e até sintomas depressivos. “Quando o paciente ainda não conseguiu atingir essa voz, ele fica muito tenso, normalmente fica mais calado, gosta de falar apenas em ambientes onde se sente mais seguro, onde não vá ter nenhum tipo de constrangimento”, conta.

Nesse caminho, o paciente pode precisar de tratamento psicológico ou psiquiátrico até que o resultado vocal seja alcançado ou fique muito próximo do que almeja. “À proporção que ele vai mudando a voz, a gente percebe como ele vai ficando mais comunicativo. Você percebe que o indivíduo passa  a ter prazer em falar e assume protagonismo nas conversas. Ele se sente feliz por poder se expressar com a voz tal qual ele se identifica”.

“A mudança de voz fez muita diferença para mim em termos de saúde mental, inclusive”

Ernesto Nunes
Disforia de gênero

O tom agudo era uma das coisas que mais incomodava o psicólogo Ernesto Nunes, 41 anos, (imagem de destaque) um grande fator de disforia de gênero. “É a sensação de que tem alguma coisa no seu corpo que não combina com o gênero que você se identifica. Muitas vezes eu ficava em silêncio, evitava falar no telefone e tinha questões de impacto social de não querer falar. O trabalho com a fonoaudióloga e a psicóloga foi um processo importante e profundo”.

Ernesto começou o processo de transição de gênero há quatro anos. Em 2018, fez terapia hormonal, que contribuiu para que a voz ficasse naturalmente mais grave, mas ainda assim foi necessário fazer o acompanhamento fonoaudiológico, com exercícios para trabalhar a musculatura da garganta para, então, alcançar um tom de voz mais grave com o fortalecimento e a impostação dela de forma cuidadosa.

“O jeito de se relacionar com a nossa voz muda também”. Ele lembra que, no início, se pegava falando mais baixo como uma tentativa de equilibrar a vibração da voz mais grave. “A sensação que eu tinha, era que eu estava gritando”, recorda.

Para ele, foi essencial ter o acompanhamento de profissionais capacitados e com conhecimento sobre a causa trans. “Foi muito reconfortante saber que tinha uma profissional que podia me ajudar com a voz e que não ia me trazer mais sofrimento foi muito reconfortante”.

Para João Lopes, fonoaudiólogo especialista em voz e coordenador do projeto de confirmação vocal do público transgênero da Universidade Veiga de Almeida, no Rio de Janeiro, o tratamento vai muito além de adequar uma voz, mas também para dar segurança para falar em público e proporcionar empregabilidade.

“Promover a inserção dessa pessoa aos grupos sociais e ao mercado de trabalho, que costuma ser o principal motivo de busca da mulher trans por tratamento, eleva a autoestima e proporciona resultados muito bons em conquistar uma voz adequada à sua identidade de gênero, melhorando o desempenho no ambiente de trabalho e na sociedade”, afirma.

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