Teste rápido funciona? Entenda polêmica dos exames de farmácia e drive-thru
Anvisa liberou a venda de testes sorológicos em drogarias, mas a baixa sensibilidade do material preocupa especialistas
atualizado
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Nas primeiras semanas da pandemia de coronavírus no Brasil, o exame para a doença demorava cerca de 48h. Hoje, dois meses após o primeiro caso, os resultados saem em poucos minutos e é possível fazer os chamados “testes rápidos” sem nem sair de dentro do carro. Porém é importante lembrar que há dois tipos de testes, e que esse último, usado para testagem em massa, não é eficiente para diagnosticar casos, mas sim para determinar a situação imunológica da população.
O tipo de exame mais eficiente é o RT-PCR. O teste, reconhecido como “padrão ouro”, analisa uma secreção respiratória e detecta a infecção ainda no começo. Para processá-lo, é preciso uma máquina, e o resultado da análise, caso dê negativo para coronavírus, indica qual vírus respiratório é o responsável pelos sintomas.
Já o teste rápido – como os de drive-thru do DF – é realizado a partir de sorologia e procura anticorpos específicos contra o coronavírus no organismo do paciente, ou seja, detecta se o corpo já teve contato com o vírus. No entanto, ele só funciona depois de sete dias do contato inicial com o Sars-CoV-2. “Os testes imunocromatográficos para anticorpos (IgM e IgG) são dispositivos de uso profissional, de fácil execução, que não necessitam de outros equipamentos de apoio [como os que são usados em laboratórios] e que conseguem dar resultados entre 10 e 30 minutos”, explica a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
“O diagnóstico de Covid-19 não deve ser feito por uma avaliação isolada dos resultados dos testes rápidos. No estágio inicial da infecção, falsos negativos são esperados, em razão da ausência ou de baixos níveis dos anticorpos e dos antígenos de Sars-CoV-2 na amostra”, explica o site oficial da Anvisa. Desde 18 de março, a agência diz ter avaliado mais de 120 pedidos de registro de testes rápidos – a maioria das petições aguarda complementação por parte das empresas. Cerca de 10% dos pedidos foram indeferidos. Em nota publicada na quinta (30/04), o órgão confirma que já aprovou 59 testes para facilitar o diagnóstico do novo coronavírus.
“Se o paciente tem cinco dias de sintomas, e faz um teste rápido, por exemplo, a eficiência é de 20%, 25%”, afirmou Gustavo Campana, diretor médico da Dasa, grupo de laboratórios responsável pelo Exame, no Distrito Federal, durante um encontro virtual com a imprensa. Entretanto, os testes rápidos são polêmicos entre os especialistas mesmo quando realizados no momento correto para o exame: a baixa sensibilidade do material pode ser a responsável por muitos resultados falsos positivos e negativos. Itália e Espanha, por exemplo, devolveram vários lotes de testes rápidos aos fabricantes após decidirem que a eficácia não era suficiente.
Jarbas Barbosa, vice-presidente da Organização Pan Americana de Saúde (Opas), braço da Organização Mundial da Saúde (OMS) para as Américas, afirma que essa modalidade de testagem só funciona como ferramenta de auxílio em pesquisas sobre percentual de exposição de um grupo de pessoas ao vírus. “Teste rápido para fazer diagnóstico é absolutamente contraindicado. É sim recomendado para, depois, procurar na população quem já tem anticorpos contra o vírus. Para fazer estudo, sim, é válido”, disse.
A Anvisa colocou lenha na discussão na última terça (28/04), quando autorizou a realização de testes rápidos em farmácias. Segundo o órgão, a medida tem caráter temporário e excepcional e visa ampliar a oferta e a rede de testagem, bem como reduzir a alta demanda em serviços públicos de saúde durante a pandemia. “No entanto, é importante ressaltar que os testes não têm finalidade confirmatória, servindo apenas para auxiliar no diagnóstico da Covid-19”, diz a agência.
A principal reclamação dos especialistas é que a baixa sensibilidade pode induzir a pessoa a uma falsa crença de que já tem os anticorpos e, por isso, fazer com que ela relaxe nas medidas de higiene e distanciamento social.
Em nota, a Associação Brasileira de Biomedicina (ABBM), a Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), a Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde), a Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC) e a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML) se dizem preocupadas com a decisão da Agência.
“Não verificamos durante análise da proposta de alteração da RDC nº44/2009 citações sobre condicionantes ou mesmo a preocupação com a garantia de qualidade dos testes rápidos. Tendo conhecimento de que inúmeras evidências científicas apontam erros analíticos como a principal causa de falhas na realização dos testes laboratoriais remotos, destacamos que a RDC nº 302/2005, que atualmente regula a realização de exames fora de laboratórios clínicos, define requisitos essenciais para que os resultados obtidos sejam confiáveis”, diz o documento.
Outra preocupação das entidades é sobre a notificação obrigatória dos casos confirmados da doença: com a realização em farmácias, muitos resultados podem não ser informados ao governo, o que dificultaria decisões sobre o combate ao coronavírus.
A Anvisa não respondeu aos questionamentos do Metrópoles até o fechamento desta reportagem. Em nota lida no Jornal Nacional, o órgão “atesta a qualidade e a confiabilidade dos testes”, afirma que a autorização só acontece depois de comprovado o bom funcionamento do exame e alerta que erros devem ser notificados à agência.