TDAH: é possível tratar a hiperatividade sem remédios?
Apesar do consumo crescente de medicamentos para controlar o transtorno do déficit de atenção, outras alternativas são possíveis
atualizado
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Gustavo Henrique, de 5 anos, sempre foi uma criança bastante ativa mas, segundo os pais, isso não causava problemas. “Só cansaço pra acompanhar o ritmo dele”, brinca o pai João Paulo Rodrigues Bispo do Nascimento, 32. Quando entrou na escola, aos 2 anos, o menino se adaptou bem. As reclamações não eram frequentes e o comportamento, às vezes inquieto, aos olhos dos pais, era encarado como natural pela professora. Tudo mudou com a chegada da irmã Maria Luiza, em setembro do ano passado. “Ele ficou muito agitado, mais estabanado, começou a ter dificuldades na escola e a apresentar agressividade. Pensamos que era apenas pra chamar atenção mas, depois de alguns meses, vimos que ele estava sofrendo, não conseguia lidar direito com as emoções”, relembra João.
Gustavo apresenta diversas características comuns do chamado Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), que se manifesta na infância e acompanha a pessoa ao longo da vida. O TDAH é um transtorno multifatorial que afeta a atenção e o controle de impulsos. Há uma predisposição genética, mas o ambiente externo também influencia bastante – o lar em que a criança vive, sua família, a escola que frequenta, etc. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, cerca de 4% da população adulta global têm TDAH. Só no Brasil, o transtorno atinge aproximadamente 1% dos adultos e 6% das crianças.
Uma das grandes dificuldades do problema é o diagnóstico. Como não existe um marcador clínico para o transtorno, identificá-lo depende de uma análise comportamental. É comum que o TDAH seja confundido com impulsividade ou, simplesmente, encarado como atitudes normais de uma criança mais agitada e desatenta. O paciente deve ser avaliado por uma equipe multidisciplinar, incluindo neuropsicólogo, neuropediatra, psicólogo e fonoaudiólogo. Entre os sintomas mais comuns, estão inquietação, dificuldade de manter a atenção em atividades prolongadas, de seguir instruções e de prestar atenção em detalhes.
A psicóloga Juliana Aguiar, especializada no estudo do cérebro, esclarece que os relatos dos pais e professores a partir da observação cotidiana são muito importantes. “Aspectos de desenvolvimento são essenciais ao avaliar os sintomas. Em crianças, por exemplo, é aceitável um certo nível de hiperatividade até os 5 anos, devido à maturação encefálica”, afirma. Segundo ela, as áreas mais frontais do cérebro, que são relacionadas aos processos de atenção e de controle de impulsividade, ainda estão em desenvolvimento nesta etapa.
O tratamento para TDAH é individualizado, devem ser levadas em conta os prejuízos causados pelo transtorno no cotidiano de cada paciente. Por vezes, só testar alterações comportamentais e ambientais resultam em mudanças positivas mas, como o TDAH tem fatores neurobiológicos, algumas pessoas não apresentam melhora somente com intervenções assim. Por isso, em casos mais graves, a medicação é um complemento necessário. Os chamados psicoestimulantes, criados há décadas, atuam no sistema nervoso central e um dos mais famosos é a ritalina.
Ritalina
Nos últimos 10 anos, o consumo de ritalina em tratamentos de TDAH aumentou 775%, de acordo com dados de uma pesquisa do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). “Esse aumento não é necessariamente de quem possui o TDAH e está sendo tratado. Às vezes, é o uso indiscriminado da medicação de pessoas mal diagnosticadas ou até mesmo sem o transtorno”, explica Juliana.
O uso de homeopatia é uma possibilidade, especialmente em crianças muito novas e há ainda outras formas de tratamento que não incluem medicação. A psicóloga Luana Lemos Villar, da Clínica Clifops, em Brasília, atende Gustavo e outras crianças com diferentes patologias neurológicas, utilizando o chamado método Padovan, que trabalha estímulos para ajudar na reinstalação no sistema nervoso de funções que foram desenvolvidas de uma forma equivocada. Criado pela fonoaudióloga Beatriz Padovan há décadas, o recurso terapêutico reorganiza e equilibra o sistema nervoso por meio de exercícios sequenciais.
Depois de analisar a rotina de Gustavo, seu histórico e a estrutura familiar, Luana concluiu que ele tinha dificuldade de organizar as ideias na mente. “É como se a cabecinha dele pensasse em tantas coisas ao mesmo tempo que o corpo não conseguia acompanhar o ritmo”, conta João. “Logo nas primeiras sessões observamos que ele diminuiu as crises de ansiedade, ficou menos agitado, mais amável, passamos a ter mais facilidade para conversar com ele, ele passou a atender melhor os nossos comandos”, acrescenta.
Especialista em terapia cognitivo-comportamental, a psicóloga infantil Juliana Barbosa afirma que alguns estudos médicos têm mostrado que o tratamento de TDAH combinando medicação e terapias apresenta resultados mais satisfatórios, em comparação com a utilização de apenas uma das opções. Mas segundo ela, a medicação, em casos de crianças, ainda gera muita polêmica. “É preciso refletir sobre o que se pretende mudar na criança e o porquê. Uma das reflexões que faço, quando recebo uma família no meu consultório é: essa criança realmente tem uma dificuldade de concentração ou é o método de ensino que está ultrapassado para as suas necessidades?”, questiona.