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Superbactérias: medicamento inovador é esperança contra KPC

Resistentes à maioria dos antibióticos, infecção por este tipo de bactéria costuma acontecer em ambiente hospitalar e pode levar à morte

atualizado

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Rodolfo Parulan Jr/GettyImages
Mucoid colonies of the pathogenic multi-drug resistant Klebsiella pneumoniae on CLED agar plate. This particular strain of coliform bacteria isolated in the laboratory is positive for both the ESBL and Carbapenemase gene.
1 de 1 Mucoid colonies of the pathogenic multi-drug resistant Klebsiella pneumoniae on CLED agar plate. This particular strain of coliform bacteria isolated in the laboratory is positive for both the ESBL and Carbapenemase gene. - Foto: Rodolfo Parulan Jr/GettyImages

São Paulo – Atualmente, cerca de 700 mil pessoas morrem por ano no mundo em função de superbactérias resistentes aos antibióticos disponíveis no mercado. De acordo com o Global Antimicrobial Surveillance System, conhecido com Glass, se nada for feito, em 2050, este número pode subir para 10 milhões — mais do que as mortes por câncer, por exemplo.

Com o uso indiscriminado de antibióticos, algumas bactérias vão aprendendo a se defender contra os medicamentos. Algumas se tornam tão fortes, que não há remédio que consiga destruí-las. “Quanto mais resistente ela fica, menos opção terapêutica existe. Com menos antibiótico para tratar, piora o desfecho clínico do paciente e aumenta a mortalidade”, explica a infectologista Ana Gales, pesquisadora e diretora do Laboratório especial de Microbiologia Clínica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Segundo a OMS, as bactérias resistentes mais comumente relatadas são Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae, Staphylococcus aureus e Streptococcus pneumoniae. Algumas variedades da Klebsiella evoluiram para se tornar resistentes ao antibiótico mais potente disponível e agora atendem por KPC — o C da sigla corresponde à carbapenemase, a enzima que luta contra o medicamento. As bactérias como a KPC são definidas como gram-negativas, o que significa que possuem duas membranas para proteger seu interior, tornando ainda mais complicado eliminá-las.

Até o começo de 2019, no Brasil, era preciso usar duas drogas e um pouco de sorte para tratar pacientes infectados pela superbactéria. Do início do ano para cá, está disponível para uso hospitalar o medicamento Torgena, da Pfizer, que promete, finalmente, um tratamento eficaz contra a KPC e outras duas famílias de superbactérias. Aliando um antibiótico a um inibidor de enzimas, o remédio age desativando a proteção da superbactéria, permitindo que o princípio ativo atue com sucesso, eliminando a ameaça.

“Sabe-se que a Klebsiella pneumoniae produtora de carbapenemase (KPC), presente na maioria dos hospitais brasileiros, é um micro-organismo resistente a até 95% dos medicamentos antimicrobianos existentes. O remédio combate a KPC e algumas das bactérias que mais preocupam a comunidade médica mundial”, afirma Márjori Dulcine, diretora-médica do fabricante.

O remédio já está disponível nos Estados Unidos desde 2015 e nos países da União Europeia desde 2016. A indicação é que se administre o Torgena em casos de infecção intra-abdominal complicada e de trato urinário complicada, incluindo pielonefrite, e contra pneumonias adquiridas no hospital e associadas à ventilação mecânica. Apesar de já disponível no mercado, o medicamento ainda não foi incorporado pelo Sistema Único de Saúde.

Ameaça conhecida
As superbactérias não são desconhecidas do brasiliense: a KPC (Klebsiella pneumoniae carbapenemase) já provocou alguns surtos em hospitais da cidade. O maior deles aconteceu em 2010, mas há casos registrados em 2019. A transmissão acontece por contato com um indivíduo infectado e pode causar pneumonia, infecções sanguíneas, urinárias e em feridas cirúrgicas. Os quadros podem evoluir para infecção generalizada e levar à morte.

É importante dar o antibiótico certo o mais rápido possível. Estudos mostram que, a cada hora que eu atraso o medicamento, aumenta em 7.6 vezes a mortalidade do paciente

Ana Gales

Essas infecções acontecem, na maioria das vezes, no ambiente hospitalar, onde os pacientes estão passando por tratamentos e ficam mais suscetíveis às bactérias. Mas a falta de infraestrutura para tratar rejeitos hospitalares pode ser responsável pela existência destes microrganismos também em rios, como o da Carioca, que passa pelo centro do Rio de Janeiro, e algumas praias.

“Há também uma falha no controle de infecção hospitalar. Falta sabão, papel toalha, luva, e o número de pacientes atendidos é muito maior do que o hospital suporta. Deveria haver uma distância mínima de um metro entre as macas para evitar a transmissão de bactérias pela saliva, mas isso não acontece em hospitais lotados, quando os pacientes estão espalhados pelos corredores”, afirma a pesquisadora.

Previna-se
Ana explica que a população deve tomar pequenas precauções no dia a dia para evitar a proliferação e contaminação por superbactérias:

  • Higienizar bem frutas, legumes e folhagens;
  • Evitar o consumo de carnes mal passadas ou cruas;
  • Se possível, separar os utensílios de cozinha que serão usados para lidar com carnes e legumes e lavá-los com cuidado;
  • Escolher bem os alimentos e verificar a procedência;
  • Lavar sempre as mãos;
  • Usar antibióticos com responsabilidade. Em excesso, o medicamento não só acaba com as bactérias saudáveis do corpo como pode ajudar as superbactérias a se tornarem mais resistentes.

Esforço global
Mas não basta apenas higienizar os alimentos e itens de cozinha com cuidado: o ciclo das superbactérias começa muito antes, na agricultura. As rações dos animais costumam ter baixas concentrações de antibióticos para estimular o crescimento dos bichos (e, de quebra, tornar as superbactérias mais resistentes, já que não morrem com pouco remédio). Já contaminadas, as fezes dos animais podem servir de adubo para vegetais e passar os microrganismos até para alimentos orgânicos, além da possibilidade de contaminar os lençóis freáticos.

Em parceria com o Ministério da Saúde, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento lançou, em 2018, o Plano de Ação Nacional de Prevenção e Controle da Resistência aos Antimicrobianos no âmbito da Agropecuária, o PAN-BR AGRO. O documento, que lista ações a serem tomadas até 2022, pretende fomentar a pesquisa na área, melhorar a conscientização das empresas e produtores rurais sobre a resistência aos antibióticos, otimizar o uso dos medicamentos e reduzir a incidência de infecções, por exemplo.

A repórter viajou a convite da Pfizer.

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