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Suicídio de garota trans brasiliense provoca apelo contra preconceito

Victória se matou no apartamento em que vivia com a bisavó materna. Familiares, amigos e militantes se queixam de exclusão social

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1 de 1 WhatsApp Image 2019-01-09 at 17.16.20 - Foto: JP Rodrigues/Metrópoles

O suicídio de uma garota trans brasiliense de apenas 18 anos colocou em alerta a comunidade que luta pelos direitos da população LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, pessoas trans e intersex). A jovem, que estava em processo de transição de gênero, matou-se na sexta-feira da semana passada (4/1), depois de enviar mensagens a amigos e publicar textos nas redes sociais reclamando de preconceito e exclusão.

Victória nasceu Victor em julho de 2000, filha de Alessandra Jugnet, 42 anos, e Pablo Grossi, 38. Segundo a mãe conta, desde cedo a família percebeu que os interesses do filho estavam mais relacionados ao que, convencionalmente, associa-se ao universo feminino. “Para mim, isso não era motivo de preocupação e, muito menos, razão para que eu a reprimisse”, afirma Alessandra, que trabalha como maquiadora.

Aos 15 anos, Victor disse para a mãe que era gay, e ela então decidiu levá-lo ao Adolescentro, centro de atendimento em saúde mental da rede pública do Distrito Federal. Lá, ele fez amigos, iniciou tratamento psicológico e passou a falar sobre a possibilidade de assumir identidade de gênero feminina. “Minha filha sonhava em ser Victória ou Camilla, ficava variando entre esses dois nomes”, conta Alessandra. Depois de completar 18 anos, Victória confirmou que desejava fazer a transição e, há quatro semanas, havia começado a tomar os bloqueadores para inibir os hormônios masculinos.

Facebook/Reprodução
Imagem de Victória compartilhada pela mãe nas redes sociais

A mãe avisou à escola (Escola Franciscana Nossa Senhora de Fátima) sobre a decisão da filha a respeito da transição de gênero. Apesar de ser uma instituição católica, o fato foi acatado com normalidade pela direção. Professores e colegas foram orientados a chamá-la pelo nome social. “É claro que a Vick passou por preconceitos – quando se é diferente, se passa por preconceitos o tempo todo e em todos os lugares –, mas ali houve um esforço em acolhê-la”, afirma Alessandra. Opinião confirmada por um colega trans que estuda no mesmo colégio.

Por volta de setembro de 2018, entretanto, Vick desistiu de estudar. De acordo com a mãe, alimentava a ideia de voltar ao convívio com os colegas apenas depois de completar a transição. Também estava mais assustada e isolada, não queria sair do apartamento nem para comprar pão. Amiga de Alessandra, a militante LGBTI Daniela Ferreira, 39 anos, afirma que Vick estava amedrontada: “Ela sabia que, por mais que tivesse uma mãe afetuosa, a sociedade não a aceitaria. Falas preconceituosas têm ganhado força e visibilidade, isso representa medo constante para nós”.

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Integrante do Movimento Mães pela Diversidade, Sônia da Silva Martins pede paz e tolerância
Christopher João Santos Souza reivindica inclusão para a população trans
O médico Fernando Marques, do Adolescentro, afirma que o preconceito social contra a diversidade provoca transtornos mentais na comunidade LGBTI
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Velório foi marcado por protestos contra o preconceito

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Integrante do Movimento Mães pela Diversidade, Sônia da Silva Martins pede paz e tolerância

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Christopher João Santos Souza reivindica inclusão para a população trans

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O médico Fernando Marques, do Adolescentro, afirma que o preconceito social contra a diversidade provoca transtornos mentais na comunidade LGBTI

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Especialistas concordam que não há uma única causa para os suicídios. Eles estão relacionados a fatores que dizem respeito à individualidade de cada ser humano e ao contexto sociofamiliar no qual estão inseridos. Pesquisas também apontam que a população LGBTI está mais sujeita a transtornos mentais que resultam, entre outros sintomas, na automutilação.

De acordo com artigos publicados na revista científica The Lancet, 60% dos transgêneros sofrem de depressão. Outro trabalho, divulgado na Pediatrics, mostra que 14% dos jovens na faixa entre 11 e 19 anos de idade pesquisados relataram já terem tentado o suicídio, sendo que o grupo mais vulnerável foi o dos homens trans (sexo feminino em transição para masculino) – neste recorte, as tentativas bateram em 50,8%.

“A condição de exclusão permanente facilita comportamentos de isolamento, de sofrimento e de transtornos mentais. Eles também correm mais risco de serem alvo de ações violentas. A discriminação e os preconceitos aos quais esses jovens são submetidos estão na raiz de tudo”, afirma Luiz Fernando Marques, médico da rede pública que é um dos coordenadores do Grupo da Diversidade do Adolescentro. Para acolher os amigos de Victória e prevenir ações autodestrutivas, o Adolescentro antecipou o retorno das reuniões desse grupo.

Estudante de história, o transexual Christopher João Santos Souza, 23 anos, conta que a depressão é uma ameaça constante. “Algumas vezes a gente tem vontade de desistir sim, é difícil ser aceito em casa, é difícil ser aceito fora de casa, é difícil encontrar trabalho”, relata. Para ele, o caminho tem sido medicação, tratamento psicológico e ativismo. Christopher faz parte grupo TransCrew, formado por jovens trans que realizam grafites (arte de rua) pelas cidades do DF.

O velório de Victória foi realizado na última quarta-feira (9/1). Cerca de 200 pessoas compareceram à homenagem. Além de familiares e amigos dos pais, havia colegas da escola, do Adolescentro e militantes LGBTI, entre eles um grupo de mulheres chamado Mães pela Diversidade. Uma delas, a servidora Sônia da Silva Martins, 68 anos, fez um desabafo emocionado. “Tenho uma filha lésbica. Sei o que é preconceito. A Victória cansou, mas nós não podemos desistir. Em honra a Victória, sejamos felizes.”

Alessandra Jugnet, mãe de Victória, decidiu que dedicará o resto da vida a lutar pela visibilidade das causas LGBTI. “Se o mundo fosse melhor, poderia ter sido diferente.”

Busque ajuda
O Metrópoles tem a política de publicar informações sobre casos ou tentativas de suicídio que ocorrem em locais públicos ou causam mobilização social, porque esse é um tema debatido com muito cuidado pelas pessoas em geral.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o assunto não venha a público com frequência, para o ato não ser estimulado. O silêncio, porém, camufla outro problema: a falta de conhecimento sobre o que, de fato, leva essas pessoas a se matarem.

Depressão, esquizofrenia e uso de drogas ilícitas são os principais males identificados pelos médicos em um potencial suicida – problemas que poderiam ser tratados e evitados em 90% dos casos, segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria.

Está passando por um período difícil? O Centro de Valorização da Vida (CVV) pode ajudar você. A organização atua no apoio emocional e na prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, por telefone, e-mail, chat e Skype, 24 horas, todos os dias.

Arte/Metrópoles

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