Será preciso tomar a vacina contra a Covid-19 para viagens internacionais?
Companhia aérea australiana foi a primeira a sinalizar a exigência de imunização dos passageiros. Especialistas acham decisão precoce
atualizado
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Na última semana, a Qantas, companhia aérea australiana, sinalizou que pretende exigir de seus passageiros certificado de vacinação contra a Covid-19, para voos internacionais, quando a imunização estiver disponível. O “passaporte da vacina” funcionaria como hoje ocorre com a febre amarela, que é obrigatório para visitar alguns países.
A declaração da empresa deu início a uma discussão sobre a possibilidade de se exigir imunidade enquanto ainda não há imunização aprovada ou qualquer perspectiva de quando a população mundial terá acesso ao medicamento.
“Esse assunto está sendo aventado, mas ainda não foi pensado como política. Surgiu como um interesse das próprias companhias aéreas, que passam por uma crise imensa e estão buscando uma solução para aumentar a confiança do indivíduo em voar“, explica Guilherme Werneck, vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
Segundo ele, é uma ideia que até poderia funcionar em termos de saúde pública, mas, ao mesmo tempo, ainda há poucas informações sobre a imunização na prática e não se sabe a quantidade de doses que serão distribuídas pelo planeta.
“Não se pode exigir a imunização agora simplesmente porque não vai ter vacina disponível. A expectativa é que o mundo inteiro esteja vacinado em dois, três anos. Se as pessoas não têm acesso, considero essa ideia muito precoce”, afirma.
Flávia Bravo, diretora da Regional RJ da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e coordenadora médica do Centro Brasileiro de Medicina do Viajante (CBMEVi), também acredita que esse tipo de decisão é prematura. Ela lembra que, em um primeiro momento, não haverá vacina para toda a população e apenas os grupos de risco serão imunizados.
“Quem viaja mais é o paciente saudável, fora da faixa etária de risco. Não me parece coerente impor uma vacina que não esteja disponível no sistema privado do mundo inteiro. Em curto e médio prazos, não estarão disponíveis a qualquer um que queira”, explica.
De acordo com a médica, ainda não é possível saber se, no futuro, esse tipo de medida será realmente necessária. Ela ensina ser preciso esperar o desenrolar natural da pandemia, a evolução das vacinas e as mutações do vírus, para determinar se a Covid-19 vai ser, de fato, controlada. Se sim, esse tipo de iniciativa não seria útil.
“O genoma pode ficar menos agressivo e o coronavírus se tornar mais um vírus que só causa resfriado. Precisamos esperar para ver”, afirma.
Testes pré-voo
Flávia e Guilherme acreditam que os testes PCR negativos que estão sendo solicitados por várias companhias aéreas antes do embarque internacional também não são a maneira ideal de evitar que o vírus se espalhe, como aconteceu no começo da pandemia.
Apesar de ser interessante por provar que, há três dias, o indivíduo não estava infectado, não se pode confirmar que ele não foi contaminado horas depois do exame e embarcou com o vírus.
“É uma forma de rastrear, reduz a chance de o indivíduo ser o propagador, mas não impede que o vírus seja transportado. Não resolve, mas é razoável”, diz o vice-presidente da Abrasco.
Para Flávia, esse tipo de medida funciona mais como uma forma de trazer conforto ao passageiro do que de fato evitar a transmissão. “Tem pouca ciência nisso aí”, afirma.
O caso da febre amarela
Os especialistas explicam que a vacina contra a febre amarela é a única do mundo a ser pedida a passageiros que chegam de áreas endêmicas. Há um regulamento sanitário internacional da Organização Mundial da Saúde (OMS) que determina o uso da medicação a fim de evitar que a doença vá para países que possuem o mosquito, mas não o vírus.
“A febre amarela é impossível de ser erradicada porque não dá para matar todos os mosquitos do mundo. Enquanto tem mosquito, tem transmissão. O Sars-CoV-2 está em outra categoria de doença, junto com o sarampo”, explica Flávia.