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Segunda onda da pandemia será de saúde mental, dizem especialistas

Os quadros desencadeados durante o isolamento, o diagnóstico tardio e a falta de estrutura do serviço de saúde formam cenário preocupante

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1 de 1 mulher sozinha olhando pela janela - Foto: Malte Mueller/Getty Images

Historicamente negligenciada no Brasil, a saúde mental pode ser responsável por uma grande crise nos próximos meses. Segundo especialistas, o coronavírus, o isolamento e os problemas financeiros decorrentes de todo o cenário da Covid-19 podem ser a segunda onda da pandemia. E como na primeira, o sistema de saúde não estará preparado para absorver a demanda.

Conforme alertado desde os primeiros dias de distanciamento social, apesar de proteger contra o vírus, o isolamento tem um custo alto para a saúde mental. Além do medo de pegar a doença e da a falta de contato com familiares e amigos, há ainda a preocupação com o dinheiro, o medo de perder o emprego e a instabilidade política do momento.

“Percebo um aumento grande no número de atendimento de pacientes com depressão e ansiedade no SAMU, e meus próprios pacientes de consultório, que antes faziam terapia por relacionamento, tiveram episódios de ansiedade durante a pandemia e foi necessário intervir com medicamentos. A situação tem se ampliado rapidamente”, conta a psicóloga Andréa Chaves, especialista em saúde mental, que atende no SAMU e em clínica particular.

A também psicóloga Karla Peres, do Inspiração K, especialista em ansiedade, explica que é uma situação que está se construindo desde o isolamento, mas pode se agravar no pós-pandemia. “As pessoas estão passando por um momento de estresse muito grande, com picos de ansiedade e irritabilidade, e ainda há muito por vir. É um momento de incertezas”, afirma. Ela também notou aumento na quantidade de pacientes buscando atendimento nos últimos meses.

“O isolamento contribui, mas a depressão é uma doença e tem fatores biológicos. Somos seres sociais e precisamos dos nossos pares”, explica Andrea. Para ela, a retomada das atividades não será suficiente para transformar o cenário: “Como conseguiremos apagar todos os problemas que ficaram para trás?”

“Já está ocorrendo o que se pode chamar de epidemia de depressão e ansiedade. O isolamento não é igual para todo mundo, uma boa parte da população não tem condição e nem assistência, além de morarem com muitas pessoas em lugares pequenos. Isso produz angústia. Se cumpre o isolamento, é uma tortura. Se não cumpre, fica ansioso”, explica Wanderley Codo, professor do Instituto de Biologia da Universidade de Brasília (UnB).

Vivemos ainda em um estado de constante tensão e vigilância, segundo o professor, e não se sabe o que vai acontecer quando a vida voltar ao “normal”. “Será que eu podia ter tocado nessa maçaneta? Será que lavei a mão? Não sei dizer se esse cenário vai mudar quando a pandemia acabar, depende do grau de sequela que a situação deixou em cada um”, afirma.

O professor alerta ainda para a falta de informações diretas e confiáveis por parte do governo, o que cria ainda mais ansiedade e instabilidade entre a população.

Além do cenário atual, que já assusta os profissionais, há uma preocupação de um aumento expressivo de casos com o fim da pandemia. Segundo Andrea, há muitas pessoas acumulando sintomas ao longo dos últimos meses, que só serão finalmente diagnosticadas quando se sentirem seguras para sair de casa e procurar ajuda. “A demora em procurar tratamento dificulta a remissão de uma crise”, ensina.

De acordo com Karla, há uma grande possibilidade também de alta nos casos de estresse pós-traumático. O quadro costuma acontecer depois de situações onde o paciente não pode controlar o que está acontecendo e não consegue lidar com isso. “Ninguém está preparado para essa situação, para tudo o que está acontecendo. Se criaram também novos hábitos e rotinas dentro de casa e mudar tudo novamente pode causar uma confusão mental”, explica.

E, se o número de pacientes aumentar muito, o sistema de saúde público e também o privado não vão dar conta de absorver a demanda. Não é simples conseguir uma consulta com psicólogo pelo SUS e há dificuldades até entre os profissionais que atendem plano de saúde. “A saúde mental sempre foi uma pasta pouco cuidada. Ou o governo amplia a rede de cuidado, ou vamos ter muitos surtos e suicídios nos próximos meses”, prevê Andrea.

Ela lembra ainda que a depressão é a causa que mais incapacita pessoas em idade laboral no mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde, e o suicídio é a terceira maior causa de mortes entre jovens, mais que câncer e HIV juntos. Ainda assim, não se enxerga um esforço para ampliar o acesso aos serviços de saúde e à oferta de medicação.

“Existem muitos profissionais capacitados, mas poucas vagas de emprego, poucos concursos. Quando começou a pandemia, vimos que abriram vagas para várias especialidades, mas não para psicólogos. As vagas que apareceram eram para trabalho voluntário, como se trabalhássemos apenas por amor. Não há valorização do profissional que é tão necessário nessa situação”, reclama Karla.

População mais vulnerável
Neste emaranhado de problemas, a psicóloga Andrea alerta que os mais vulneráveis são as crianças e adolescentes. Apesar de serem menos sujeitos a desenvolver casos graves de Covid-19, eles tiveram a rotina completamente mudada, perderam contato diário com os amigos, sentem dificuldade com as aulas online e não possuem as ferramentas emocionais para lidar com essa nova situação.

“Vejo crianças em nível de irritação e ansiedade muito alto. E não vai ser voltando a rotina ao normal na semana que vem que isso vai amenizar. Eles estão ansiosos e desencadeando quadros de depressão. Como vamos fazer com essas crianças? É preciso um ajuste comportamental, ensinar a lidar com a perda, para desfrutarem, com sucesso, das próximas etapas da vida”, explica.

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