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Representatividade importa: entenda por que pesquisas devem ser inclusivas

Recortes de raça, gênero, sexo e situação socioeconômica tornam as pesquisas científicas mais precisas, seguras e baratas

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O ano de 2020 foi marcado pela corrida científica para entender e tratar a Covid-19, doença causada pela infecção provocada pelo novo coronavírus, o Sars-CoV-2. Enquanto o mundo assiste ao desenvolvimento de vacinas e tratamentos em tempo recorde, uma série de iniciativas lideradas por pesquisadores chama a atenção para a necessidade de incluir em testes clínicos voluntários que representem verdadeiramente a população de cada local.

Segundo especialistas, a implementação de pesquisas inclusivas – ou seja, que levam em conta questões de gênero, sexo, raça e condições socioeconômicas – não é só uma forma de garantir que os resultados sejam os mais precisos possíveis. É, também, uma maneira de otimizar os estudos e até torná-los mais econômicos.

Ana Maria Fonseca de Almeida, professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (FE-Unicamp), faz parte do grupo de trabalho em gênero do Global Research Council (GRC). O GRC é uma organização virtual em que chefes das agências nacionais de financiamento científico de vários países se reúnem para discutir cooperação, revisar práticas e promover orientações para o financiamento científico em todo o mundo.

Apesar de parecer óbvio que pesquisas científicas precisam incluir participantes com características correspondentes às da população em geral, diversos estudos utilizam como base um tipo de “ser humano padrão”: homem, branco e de classe média. “Ao longo da história, tivemos vários exemplos de iniciativas que desenvolveram produtos em que toda a base experimental foi este ser humano genérico”, afirma Ana Maria.

Não faltam evidências de prejuízos causados por estudos pouco inclusivos. O oxímetro (equipamento que mede a quantidade de oxigênio transportado pelo sangue) é um exemplo. “O aparelho fornece mais resultados falsos em negros porque não foi desenvolvido para fazer a leitura em peles com grande concentração de melanina”, detalha Ana Maria. Alguns sensores de monitoramento cardíaco que também não funcionam em pessoas negras seriam outro exemplo.

Estudos científicos precisam integrar a variável sexo desde o início, mesmo antes de as pesquisas chegarem à fase de ensaios clínicos. Utilizar células animais de machos e fêmeas pode ser imprescindível para descobrir, de cara, se há alguma variável significativa entre os sexos, por exemplo.

Custos
Mas então o que falta para que a ciência invista mais em diversidade nas pesquisas? Para a especialista, a questão financeira é um dos entraves. “As pesquisas teriam que ter o dobro do número de ratos, de espaço para alojar os animais, alimentos, cuidados veterinários e tudo mais”, enumera. Porém, ela alerta que a economia feita no período inicial pode sair cara no futuro, já que os estudos precisariam ser refeitos caso os medicamentos não se adequem à população.

Fernanda Sobral, vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), explica que pesquisas inclusivas são importantes não só no desenvolvimento de novos fármacos e tratamentos mas também para a elaboração de políticas públicas de saúde.

Quanto mais indicadores, mais fácil é para definir os grupos prioritários, por exemplo. “Quando você diz que indígenas, quilombolas e idosos são grupos de risco, é preciso analisar essa diversidade para avaliar os impactos, que serão diferenciados”, completa Fernanda.

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Covid-19 e seus efeitos em homens e mulheres

As diferenças com relação a sexo e gênero impactam, também, as pesquisas relacionadas ao coronavírus. Um relatório feito por Londa Schiebinger, professora da Universidade de Stanford e criadora da Gendered Innovations, plataforma que busca guiar projetos de pesquisa na inclusão de sexo, gênero, perfil socioeconômico e raça, reuniu diversos exemplos da ação do Sars-CoV-2 em homens e mulheres.

“Existem diferenças entre os sexos na forma como as pessoas respondem ao vírus, na reprodução viral, receptores virais e produção de anticorpos”, detalhou Schiebinger em entrevista à Nature.

“Vemos que muito mais homens estão morrendo e isso tem a ver com normas e comportamentos de gênero – por exemplo, mais homens fumam e suas taxas de lavagem das mãos são geralmente mais baixas. E as mulheres constituem a maioria dos profissionais de saúde, então elas estarão mais expostas”, completou a pesquisadora.

O relatório preparado por Schiebinger fez com que a Comissão Europeia determinasse que todo projeto de pesquisa submetido ao programa Horizon Europe, um dos maiores do mundo, deverá incorporar sexo e gênero já na fase de desenho do estudo. O programa de incentivo à pesquisa pretende investir 85 bilhões de euros na área nos próximos sete anos.

Estudos inclusivos foram tema do GRC Covid-19 Virtual Seminar – Americas Region, evento promovido na última quinta-feira (15/12) pelo Global Research Council (GRC) e organizado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em parceria com entidades paraguaias e argentinas.

Raça e fatores socioculturais em pesquisas

A questão racial também se mostra relevante no desenvolvimento de pesquisas científicas. A falta de confiança nos laboratórios por parte da comunidade negra norte-americana, por exemplo, está fazendo com que as pessoas estejam receosas em tomar a vacina contra a Covid-19.

Um levantamento feito com 1.100 indivíduos e conduzido pela MassINC Polling Group, em Massachusetts, mostrou que somente 19% das negras e 20% das latinas querem tomar a vacina assim que ela estiver disponível. Entre os homens negros, a porcentagem foi de 36%, contra 25% dos latinos. Em contraste, 44% dos homens brancos e um terço das mulheres brancas afirmaram estar seguros de tomar a vacina.

A desconfiança com relação aos novos imunizantes cresce, especialmente entre a população preta, por causa de más experiências no passado, segundo a pesquisadora Ana Maria Fonseca de Almeida, da Unicamp. “Por mais que os fabricantes dos imunizantes se esforcem para mostrar que há, sim, representação de pessoas negras nas pesquisas, a experiência dessa comunidade é de medicamentos que não foram testados neles”, explica.

Fatores socioeconômicos também devem ser levados em consideração no desenvolvimento de pesquisas. Uma revisão dos prontuários médicos de 11.547 pacientes negros e latinos, feita pela Escola de Medicina da Universidade de Nova York (NYU Grossman School of Medicine), mostrou que o coronavírus está mais presente em grupos de minorias, que acabam morrendo mais do que os brancos.

Mas os resultados não indicaram que a Covid-19 seja mais letal em comunidades negras devido à cor da pele dessas pessoas. “Negros e latinos morrem mais porque estão mais expostos ao vírus. Isso tem a ver com o local em que eles moram, não com genes”, explicou Gbenga Ogedegbe, pesquisador que liderou o estudo, em entrevista ao NY Times.

Casas mais cheias, trabalhos que requerem contato direto com outras pessoas e a necessidade de transporte público são os principais motivos que deixam essas comunidades mais vulneráveis, segundo o estudo. Negros e latinos apresentaram de 60% a 70% mais chances de serem infectados.

“Em geral, os pesquisadores ficam muito surpresos quando se dão conta de que não incluíram participantes diversos em suas pesquisas”, analisa Ana Maria Fonseca de Almeida. “Mas é muito difícil para o cientista mudar isso sozinho. É necessária uma mudança em todo o ecossistema, dos cursos de graduação aos institutos de fomento à pesquisa. É preciso refletir sobre isso e o Brasil está preparado para essa mudança.”

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