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Rede de apoio é fundamental mas invisível para quem tem câncer de mama

Prevenção é fundamental, mas apoio para recolocação profissional e social de quem se recupera do câncer de mama não é menos importante

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Close Up De Uma Mulher Segurando Um Coração Com Uma Fita No Seio, símbolo do câncer de mama
1 de 1 Close Up De Uma Mulher Segurando Um Coração Com Uma Fita No Seio, símbolo do câncer de mama - Foto: Getty Images

*O artigo foi escrito pela mastologista e cirurgiã oncológica Fabiana Baroni Alves Makdissi, líder do Centro de Referência em Tumores da Mama do A.C. Camargo Cancer Center, em São Paulo, e publicado na plataforma The Conversation Brasil.

Estamos em outubro, o mês mais rosa do ano, e que escancara no país inteiro temas relacionados ao câncer de mama, boa parte nem sempre animadores ou agradáveis de comentar.

A necessidade de buscar apoio para atravessar o processo de tratamento é um desses assuntos delicados e que precisa ser abordado. Por isso, quero falar sobre o papel das redes de apoio, que fazem tanta diferença frente às adversidades da vida, como uma doença. Seu papel ainda não é suficientemente valorizado ou reconhecido como um suporte valioso em todo percurso da pessoa que se descobre com um câncer.

Há pouco mais de uma década entendi que esse é um tópico que necessita ter maior visibilidade e ser mais discutido. O ano era 2009, quando fui procurada por uma revista feminina para validar a seguinte manchete: “Quando as mulheres têm câncer de mama, os maridos vão embora.” Desde então, eu me mantenho muito atenta aos seus impactos e a forma como a questão do apoio social às pacientes é abordada.

A informação trazida pela publicação me surpreendeu e assustou. Não era isso que eu percebia como uma verdade tão absoluta no cotidiano do atendimento como médica de ambulatório de câncer de mama. Fiquei imaginando a sensação de uma mulher que acabou de ter um diagnóstico de câncer e abre a revista para tentar mudar o foco da dor por saber que vai enfrentar tantos desafios e perdas (mama, cabelo, auto-imagem), e fica sabendo da possibilidade de perder também o marido. Mas será que os dados que embasavam a pretendida manchete realmente sustentavam essa conclusão tão taxativa?

Como havia desacordo entre o que eu observava no dia a dia, pedi para ler o artigo original e vi que a informação correta era que se a doença é no homem, as mulheres com mais frequência ficam. Mas, se é a mulher que adoece, com mais frequência os homens vão embora. O ponto, então, era a frequência – alguns vão embora, a maioria fica. Isso me levou a validar o que eu via nos meus consultórios: a maior parte dos casais se mantinha unido.

Há poucos dias, voltei a esse tema quando recebi as respostas de um questionário compartilhado entre 188 pacientes com câncer de mama de um grupo de apoio chamado OncoSuperação, que trabalha psicologia positiva, autoconhecimento e re-integração social. Cerca de 75,5% (142) das respondentes eram casadas ou mantinham um relacionamento estável durante o diagnóstico ou início do tratamento e 24,5% (46) eram solteiras.

Chamou-me a atenção a informação de que 88,7% (126) das respondentes casadas não se separaram, nem durante e nem depois do tratamento. Se houve separações? Claro: 16 casais se separaram. Deste universo, sete mulheres foram deixadas por seus maridos (43,75%), uma não respondeu (6,25%) e 8 (50%) disseram que foram elas que decidiram sair da relação. Isso vai na contramão das análises precipitadas de que o câncer sempre destrói casamentos.

Mais um dado surpreendente veio na resposta à seguinte pergunta: Você sentiu que seu parceiro/parceira se distanciou de você durante o tratamento? 76,76% (109) das mulheres responderam que não, o parceiro não se distanciou. E mais: cerca de 66,9% (95) tinham nos maridos seu maior relacionamento de apoio e suporte.

O resultado desse questionário, mesmo aplicado a um pequeno grupo de mulheres, me trouxe esperança. Muitas são as camadas que devem ser avaliadas, faladas e analisadas, mas saber que há números positivos para apresentar aquece o coração. Pelo menos neste grupo, os homens são parceiros de verdade e a maioria dos casamentos não foi desfeita por conta da situação de doença da mulher.

Não tenho dúvida de que mudanças na rotina dos casais, quaisquer que sejam, trazem desafios. A pandemia de Covid-19 está aí para mostrar como isso é verdade. No caso do câncer, existe ainda um agravante: nossa sociedade culturalmente estabelece que o processo de “cuidado” é das mulheres: homem provê e mulher cuida.

No entanto, com os atuais 48% dos lares sendo mantidos por mulheres (segundo o IBGE), quando esta mulher se vê doente, e sem a possibilidade de manter seu sustento, a estrutura toda se desfaz. Adoecidas, muitas vezes elas não conseguem trabalhar para prover a família e não tem quem cuide delas. Por este motivo, falar sobre redes de apoio é tão importante.

Neste Outubro Rosa, a Instituição onde trabalho, o A.C.Camargo Cancer Center, lançou a campanha Do começo ao recomeço, mostrando a importância de um tratamento rápido, eficaz, seguro, mas também valorizando o cuidado desta mulher, de forma integral após o tratamento do câncer e sua recolocação profissional ou pessoal após o câncer.

Nesse percurso, o papel da rede de apoio pode ser identificado em muitas situações. Pode ser no post informativo e empático na rede social dos médicos, pode ser nas reuniões de acolhimento estruturadas de ONGs que se dedicam ao tema, no acolhimento profissional de psicólogos e psiquiatras, no acompanhamento e orientação de equipes de navegação de pacientes.

Orientar as mulheres para que elas saibam que não precisam passar por nada sozinhas é o lema de uma dessas ONGs, a Oncoguia, que conta com várias frentes de acolhimento e rede de apoio online e gratuito. Todo suporte é necessário e válido e pode auxiliar neste momento.

Ninguém escolhe ter câncer, mas o modo como passamos por um desafio como esse é escolha nossa. A busca por culpados ou a busca por conhecimento para encarar a doença e suas dificuldades é algo muito pessoal, e tem que ser apoiada com muito amor.

Não é fácil. Sempre achamos que o “nosso jeito” é o melhor, mas quando precisamos de cuidado, é necessário baixar as armas e receber o cuidado do jeito que o outro pode ou sente que é o “seu melhor jeito de cuidar.”

Por fim, um depoimento de quem sempre lidou de forma positiva com a vida e que também sempre liderou sua própria jornada, achando que poderia cuidar de tudo sozinha: eu. Quando eu fui diagnosticada com câncer de mama, aprendi que precisamos nos deixar cuidar e permitir o cuidado.

Minha recomendação às pessoas que enfrentam o câncer é que procurem fazer parte de grupos de apoio e aprendam a aceitar ajuda. Pessoalmente, isso me fez sentir a força e o calor de uma rede de proteção invisível, mas real, para recorrer a qualquer hora.The Conversation

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