Câncer de pulmão: estudo defende grupo ideal para rastreio no Brasil
Pesquisa feita por médicos brasileiros indica que rastrear população de risco é mais barato do que iniciar tratamento após sintomas
atualizado
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Rio de Janeiro (RJ) – A oncologia debate há anos se é possível criar um protocolo para o rastreio do câncer de pulmão. A doença é uma das que mais matam no mundo, pois avança silenciosamente e só costuma ser identificada em estágio avançado.
Parte dos médicos defende criar um protocolo de rastreio específico para os fumantes, permitindo o diagnóstico e o tratamento precoces. Os contrários à ideia argumentam que seria insustentável financeiramente, pois os fumantes são um grupo grande e a chance de diagnosticar a doença com o exame não compensaria o esforço. Ou seja, a rotina sobrecarregaria o sistema de saúde para a identificação de alguns poucos casos.
Pesquisa divulgada neste sábado (9/11), durante o Congresso de 2024 da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), pretende criar um caminho para o consenso.
Quando deve ser feito o rastreio do câncer de pulmão?
A pesquisa estabelece como grupo ideal para o rastreio pacientes na faixa etária entre 50 e 80 anos, que tiveram alto consumo de cigarros na vida e tenham parado de fumar a menos de 15 anos ou ainda estejam fumando. A indicação é de tomografias computadorizadas periódicas para avaliar a possibilidade de tumores.
Os fumantes com alto consumo foram definidos como os que superam 20 anos-maço. O indicador anos-maço foi estabelecido por meio de uma relação entre a média diária de cigarros e o tempo que a pessoa fumou. Por exemplo, se a pessoa fumou 20 cigarros por dia, deve multiplicar 0,5 pelo tempo que ela tem o hábito de fumar para descobrir seu índice. Neste caso, seria preciso fumar há 40 anos para ser considerado de alto consumo.
“Percebemos que a população com essas características enfrenta maior incidência de câncer de pulmão e estabelecer um método de rastreio para eles seria capaz de reduzir a mortalidade do câncer de pulmão em 20%. Por isso defendemos que os indivíduos desse grupo sejam examinadas todos os anos para câncer de pulmão com tomografias”, defende a oncologista Clarissa Baldotto, presidente do Grupo Brasileiro de Oncologia Torácica (GBOT) e uma das autoras do estudo.
A pesquisa liderada por Baldotto criou cálculos estimados com base na população de fumantes do Brasil e na incidência de câncer de pulmão para determinar o grupo exato. Os exames de tomografia são caros e foi preciso pensar na razoabilidade de sua realização.
A custo-efetividade do rastreio precoce
A estimativa apontou que a custo-efetividade de fazer os exames nesta população estaria entre 5 e 15 mil reais mais baixa na média do custo por paciente do que examinar os pacientes apenas quando aparecem os sintomas, como ocorre atualmente. O trabalho afirma que a busca ativa de pacientes garantiria que até 50% dos diagnósticos seriam feitos em estágios iniciais. Atualmente, só 10% dos casos são descobertos nesta etapa.
A pesquisa levou em consideração que a qualidade de vida dos pacientes e os custos mais reduzidos para tratar tumores em estágio inicial permitiriam compensar os custos sociais de examinar tantas pessoas. Para superar essa questão, porém, a líder da pesquisa indica que é preciso também repensar a forma como os fumantes são tratados socialmente.
“Há um estigma muito grande em relação aos pacientes com câncer de pulmão. Muitas pessoas são tratadas como se elas tivessem adoecido por querer. Muitos fumantes foram incentivados por anos de propagandas a assumir esse hábito. Hoje estamos repetindo isso com os vapes, com sabores, cores, luzes. O hábito de fumar socialmente aceitável de novo”, aponta a médica.
O modelo sugerido na pesquisa foi inspirado em protocolos semelhantes de outros países, como Estados Unidos e Canadá, e desenvolvido em parceria com a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), a Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica (SBCT). O trabalho contou com financiamento da farmacêutica Roche.
Contraponto
O protocolo defendido pelo grupo não é unanimidade. O oncologista Roberto de Almeida Gil, diretor-geral do Instituto Nacional de Câncer (INCA), considera que o rastreamento do câncer de pulmão nestes moldes, além de ser excessivamente dispendioso, pode levar a um estresse do sistema. “Vejo que outras medidas, como o combate ao tabagismo e a manutenção da proibição dos vapes pela Anvisa, tem um papel mais importante na redução da mortalidade por câncer de pulmão”, ponderou.
* O repórter viajou à convite da SBOC.
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