“Descobri que era autista aos 42 anos. Foi libertador”, diz psiquiatra
Médico que tratava pessoas no espectro autista entendeu aos poucos que ele também tinha a condição. “Diagnóstico foi uma libertação”, diz
atualizado
Compartilhar notícia
O psiquiatra Alexandre Valverde recebeu seu diagnóstico de autismo apenas aos 42 anos. Mesmo vindo de uma família de médicos, o profissional paulistano só entendeu que era neurodivergente ao ter contato mais próximo com pacientes com esta condição.
“Nunca suspeitei que fosse autista. Sempre tive uma vida normal, mas meu conceito de normalidade é diferente. Tenho dupla excepcionalidade, além de autista, tenho altas habilidades, que antigamente era conhecido como superdotação. Então, minha forma de ver o mundo sempre foi diferente”, diz Valverde.
A suspeita de que poderia ser uma pessoa dentro do espectro autista só apareceu para Alexandre com uma conjunção de fatores: o primeiro foi o isolamento imposto pela pandemia de Covid-19, que acabou sendo até prazeroso para ele. A isso se juntou a descoberta de estar em um relacionamento tóxico, condição comum para pessoas dentro do espectro devido ao hiperfoco. Por fim, o contato com seus próprios pacientes autistas o ajudou a se entender.
“Uma paciente minha chegou com um teste de referência de perguntas sobre comportamento que apontava ela como autista. Não via essa possibilidade nela e fiz o teste também para entender melhor. O meu resultado também deu positivo e foi o começo de uma avalanche”, diz ele.
Os diferentes graus do autismo
Valverde começou a buscar orientação e o procurou outro profissional para um diagnóstico formal que apontou ele no grau 1 do autismo e confirmou sua condição de altas habilidades, que também era só uma suspeita.
O transtorno do espectro autista tem três graus, sendo o 3 apontado como o mais severo, quando a pessoa necessita de muito suporte para manter suas relações sociais e pode ter atrasos cognitivos. Pacientes com graus mais leves tendem a adotar estratégias, conscientes ou inconscientes, para disfarçar comportamentos e agir como o esperado pela sociedade, praticando o “mascaramento”.
Dificuldades de diagnóstico do autista
Embora as pesquisas para entender o autismo a partir das dinâmicas internas do cérebro estejam avançando, atualmente o espectro é diagnosticado em avaliações multidisciplinares com psiquiatras, neurologistas e psicólogos. A observação de comportamentos em determinadas situações é a chave para definir a condição do paciente.
“Ao aceitar minha condição, fiquei muito mais sensível a estas questões e percebi que vários dos meus pacientes também eram autistas. Talvez por se identificarem comigo havíamos nos entendido tão bem. Nos reconhecíamos mutuamente”, diz o psiquiatra.
Quais os sinais a serem observados?
Os sinais leves do autismo podem ser confundidos, por exemplo, com timidez, falta de afetividade ou com comorbidades psiquiátricas, como o transtorno de ansiedade social, o transtorno obsessivo-compulsivo ou, como no caso de Valverde, o transtorno de personalidade bipolar.
“Costumo dizer que, na verdade, há tantos tipos de autismo diferentes quanto há de autistas. O que temos são sinais aproximados, como o costume de se movimentar constantemente e aproveitar bem as interações sociais, mas nada é tão geral”, aponta o psiquiatra.
Os sinais mais comuns do autismo são:
- Dificuldades na interação: problemas para compreender regras sociais subliminares, para entender metáforas, ironias e piadas;
- Dificuldades na socialização: complicações na hora de estabelecer relacionamentos com colegas, com ausência de comportamentos que indiquem compartilhamento de experiências;
- Características de produtividade: trabalham melhor sozinhos, costumam ser rígidos e são focados;
- Sensibilidade exarcerbada: são intolerantes a barulhos e a ambientes agitados. Também podem ter restrições alimentares a determinadas texturas, cheiros e sabores.
Sou autista. E agora?
Para Valverde, ter a consciência de que estava no espectro autista foi importante para o autoconhecimento. “Por mais que tenha sido um choque inicial, pude entender uma série de características minhas que me faziam diferente. Costumava mascará-las para não ser esquisito e, depois do diagnóstico, comecei a respeitá-las e a cuidar mais das minhas necessidades”, diz.
Agora, o psiquiatra tem se dedicado a conscientizar a população sobre os diferentes níveis de autismo para entender que o diagnóstico pode ser uma experiência libertadora. “Socialmente, fixamos muito a imagem do autista de grau 3 e isso fez com que as pessoas tivessem uma resistência em entender a condição, mas estamos caminhando para uma realidade com a aceitação das neurodivergências atualmente”, completa Valverde.
Receba notícias do Metrópoles no seu Telegram e fique por dentro de tudo! Basta acessar o canal: https://t.me/metropolesurgente.