“Coloquei PMMA no nariz e migrou para o pulmão”, diz paciente enganada
Advogada de 60 anos fez um tratamento experimental para reduzir as inflamações causadas pelo produto, mas até hoje vive com o PMMA no rosto
atualizado
Compartilhar notícia
A advogada Katia Diniz, de 60 anos, decidiu fazer um procedimento estético em 2019 para amenizar as linhas de expressão próximas ao nariz e a boca, conhecidas como bigode chinês. Ela contratou um médico de Goiânia (GO) para incluir fios de colágeno na região, mas descobriu, meses depois, que o procedimento tinha sido realizado com PMMA (polimetilmetacrilato).
Um ano depois da aplicação, a advogada começou a ter inchaços e dores na região do nariz. Como os primeiros sinais apareceram enquanto o mundo vivia o caos da pandemia de Covid-19, ela chegou a suspeitar que estivesse com a doença ou mesmo sentindo uma reação adversa à vacina. Logo, a região do nariz de Katia começou a ficar roxa.
O PMMA é um gel plástico que se adere aos músculos e nervos como um chiclete. Ele não é absorvido pelo corpo, como ocorre com o ácido hialurônico ou o colágeno — enzimas específicas são capazes de remover os produtos caso ocorra algum problema ou o paciente não goste do resultado.
O PMMA, porém, não pode ser retirado do organismo de forma simples. O paciente precisa passar por cirurgias muito invasivas e pode ter que retirar grandes partes de tecido onde o produto está aderido. O uso do gel é permitido apenas em casos específicos e graves, como na perda de massa associada ao HIV e à poliomielite.
“Eu nunca tinha ouvido falar desse produto e já estava muito mal quando veio o resultado dos exames de imagem. Foi desesperador, chorei achando que ia morrer. Nunca tive nada e de repente estava tão inflamada que até meus pulmões tinham sido atingidos”, conta.
Como o PMMA acabou atingindo o pulmão?
Katia teve uma sarcoidose, uma formação de células inflamatórias anormais que se espalha pelos órgãos, especialmente no pulmão e sistema linfático. No caso dela, os granulomas se fixaram na parede dos pulmões a partir da inflamação do nariz.
Os granulomas se formam na tentativa do organismo de encapsular e expulsar o gel que foi injetado. Esta é uma das reações adversas mais comuns à aplicação do PMMA, que pode levar também a comprometimentos renais, neurológicos e até ao óbito, como ocorreu recentemente com a modelo brasiliense Aline Maria Ferreira, de 33 anos.
“Com certeza, sem o acompanhamento médico a tempo, o nariz teria necrosado e meu pulmão teria sido mais gravemente comprometido. Meu organismo começou a ter reações inflamatórias e autoimunes para tentar expulsar o PMMA. Até hoje, não posso usar nenhum produto estético, nem os mais seguros, já que a reação do meu corpo é imprevisivel”, afirma Kátia.
Por sorte, a advogada passou por um tratamento experimental para reduzir a inflamação que deu resultado. O medicamento nem sempre funciona, mas no caso dela, a aplicação do citrato de tofacitinibe, um remédio indicado para artrite reumatoide, conseguiu uma eficácia tão grande (em menos de um mês) que o caso é tema de um estudo que deve ser publicado em breve no Indian Journal of Dermatology.
Uma tomografia computadorizada de tórax mostrou uma redução substancial no número e do tamanho dos nódulos que estavam aderidos à parede do pulmão da advogada. O tratamento está sendo feito desde fevereiro de 2023, mas não é capaz de retirar o produto. Ele apenas reduz a inflamação dos tecidos, ensinando as defesas do corpo a controlar a resposta à substância.
“Não existem tratamentos confirmados sobre a retirada do PMMA sem cirurgia. O que sabemos é que é possível controlar a inflamação usando corticoides, mas tudo ainda está em estado inicial”, explica a professora de dermatologia Mayra Ianhez, da Universidade Federal de Goiás (UFG).
Com o uso do medicamento, Katia não precisou fazer a cirurgia plástica para retirar o produto. Os procedimentos cirúrgicos são incapazes de remover totalmente a substância do corpo e muitas vezes deixam cicatrizes profundas. “É horrível conviver com esse produto no meu rosto até hoje, mas as cirurgias são tão agressivas que o ideal é monitorar e manter o tratamento”, diz.
Embora tenha evidências de que seus problemas de saúde surgiram em consequência do PMMA, a advogada afirma não ter esperanças de conseguir uma reparação na Justiça. “A substância é permitida e seria muito difícil reunir provas de que meu caso foi negligência. Além disso, o tratamento foi tão custoso do ponto de vista financeiro e emocional que não me sinto com forças para lutar por mim mesma”, conclui.
Siga a editoria de Saúde no Instagram e fique por dentro de tudo sobre o assunto!