“O vírus continua aqui. Se relaxar, tem 2ª onda”, diz bióloga Natalia Pasternak
Especialista avisa que brasileiros devem se preparar para aumento do número de casos de Covid-19 caso relaxem as medidas de prevenção
atualizado
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A bióloga Natalia Pasternak se tornou uma das principais tradutoras da linguagem científica no noticiário desde que a pandemia provocada pelo novo coronavírus chegou ao Brasil. Presidente do Instituto Questão de Ciência, ela trabalha combatendo informações falsas, reforçando a importância do conhecimento baseado em evidências e aconselhando, de maneira simples, às pessoas sobre assuntos que viraram questões de sobrevivência durante a Covid-19.
Recentemente, a divulgadora de ciência teve seus méritos reconhecidos pelo Comitê para Investigação Cética (CSI, na sigla em inglês), instituição criada pelo cientista Carl Sagan em 1976. Ao lado de celebridades científicas como o biólogo evolutivo Richard Dawkins e do astrofísico Neil deGrasse Tyson, ela agora participa dos esforço internacional para promoção da ciência.
O que podemos esperar para os próximos meses já que a média móvel de mortes da Covid-19 está caindo, mas não há perspectiva de imunização em massa a curto prazo? As pessoas vão poder se reunir no Natal?
A gente não pode mudar nada. Precisamos continuar com as medidas de quarentena e até levá-las mais à sério, pois estamos relaxando muito agora. Precisamos implementar, de fato, as medidas de quarentena e olhar para a Europa, que está vivendo uma segunda onda muito preocupante. A segunda pode e é provável que aconteça no Brasil. Não podemos mudar o nosso comportamento agora, precisamos continuar evitando aglomerações, fazendo a higiene das mãos, usando máscaras e mantendo o distanciamento social. Precisamos continuar com as medidas de prevenção para não termos aumento no número de casos, internações e mortes.
Quais são os fatores preponderantes na segunda onda europeia? Vai acontecer no Brasil?
A Europa é um sinal de alerta para o Brasil. É muito provável que uma segunda onda ocorra no Brasil, exatamente como ocorreu lá. O vírus não foi a lugar nenhum, se a gente relaxar as medidas, ele vai buscar as pessoas suscetíveis (que ainda não foram contaminadas).
Na Europa, eles conseguiram uma boa contenção da primeira onda, com boas medidas de restrição, mas tiveram uma liberação no verão europeu, com muitas viagens, muitas aglomerações, principalmente, de pessoas mais jovens. Com o relaxamento, o vírus ataca os suscetíveis e prolifera de novo. Precisamos tomar cuidado se não teremos que fazer um lockdown de verdade, coisa que ainda não foi feito no Brasil.
Há uma pesquisa que fala que de cada dez adultos em São Paulo, quatro pegaram. O Brasil, em algumas cidades, não estaria próximo a uma imunidade de rebanho natural?
A imunidade de rebanho natural é extremamente controversa. Primeiro, porque não temos boas ferramentas para fazer um estudo de soroprevalência, para saber quantas pessoas já estão imunes. Fazer um estudo de soroprevalência por sorologia de anticorpos não é um bom marcador porque, em muitas pessoas, os anticorpos decaem depois de três ou quatro meses.
A estratégia de imunidade de rebanho natural é extremamente complicada porque o vírus continua circulando, como aconteceu em Manaus, por exemplo. A taxa de transmissão comunitária de uma cidade é móvel, ela depende da quantidade de pessoas suscetíveis que estão em circulação. Se você tem uma boa parte da população recolhida, em quarentena, e depois você reinsere essas pessoas, o vírus volta a circular porque ele não foi a lugar nenhum.
A imunidade de rebanho natural é transitória, não é significativa, nem permanente, diferente do que acontece com a imunidade de rebanho conseguida por vacina. Quando dou uma vacina, eu sei o que esperar de resposta imune, sei que a pessoa que recebeu a vacina está imunizada e, por quanto tempo, ela estará imunizada. Na imunidade de rebanho natural, não tenho essas informações.
Por que a Covid-19 está diminuindo agora no Brasil? O país conseguiu controlar a epidemia?
Duas questões muito importantes precisam ser levadas em conta aí: a gente não sabe quais são os números reais do Brasil – será que esses números refletem a realidade? – e uma pandemia acaba mesmo que a gente faça tudo errado – em algum momento, o número de suscetíveis diminui.
Além disso, precisamos considerar que a queda na mortalidade está relacionada à melhoria no atendimento médico, porque os médicos estão mais preparados para atender os pacientes, desenvolveram técnicas para reduzir a mortalidade. E, por fim, há um mérito dos que cumpriram as medidas de quarentena. A gente pode não ter feito uma super quarentena, mas a adesão que tivemos contribui sim para a queda dos casos.
Como as pessoas podem fazer a avaliação de risco sobre seus hábitos?
A gente só precisa ter bom senso. Como avaliar o risco? Sugiro perguntar a si mesmo: eu preciso fazer isso? Se sim, então vou tomar todos os cuidados: máscara, distanciamento social, higiene das mãos.
Mercado, eu preciso ir? Preciso. Farmácia, eu preciso ir? Preciso. Shopping? É ambiente fechado com ar -condicionado. Não preciso ir. Tomar cerveja com os amigos? Gostaria, mas não preciso. É importante entender quais são os ambientes de maior risco de contágio. No geral, ambientes fechados, com ar-condicionado, com aglomeração de pessoas. Ambientes abertos ou lugares que preciso ir, eu vou mais tomo todos os cuidados para me proteger.