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O transplante de células-tronco e os casos de “cura do HIV”

Modalidade terapêutica voltou às manchetes após ser ter sido associada a mais um caso de remissão do HIV

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Justiça diz que demissão de funcionário com HIV foi discriminatória
1 de 1 Justiça diz que demissão de funcionário com HIV foi discriminatória - Foto: Divulgação

Um estudo publicado em 9 de fevereiro divulgou mais um caso de “cura do HIV” depois de o paciente ter recebido um tipo específico de medula óssea ou transplante de células-tronco. Trata-se de um homem de 53 anos, que os pesquisadores batizaram de “paciente Düsseldorf”. Ele foi submetido ao tratamento em 2013 e tem sido monitorado desde então.

O termo “curado” é complicado, afinal, embora os pesquisadores não consigam mais detectar o vírus no corpo do paciente, não se pode dizer com certeza que ele não está mais presente. É por isso que se fala em “remissão”.

Até agora, tanto o “paciente de Düsseldorf” como os chamados “paciente de Berlim” e “paciente de Londres”, todos reportados como em remissão do HIV, compartilhavam características comuns: eles eram positivos para HIV tipo 1 (HIV-1) e tinham tipos de câncer potencialmente letais, como leucemia ou linfoma.

Todos eles também receberam medula óssea ou, mais precisamente, transplantes alogênicos de células-tronco hematopoiéticas.

Os transplantes tinham como objetivo tratar câncer, só que os doadores desses três casos tinham uma mutação muito rara em um gene chamado CCR5, que os torna basicamente resistentes ao HIV-1.

O que são células-tronco hematopoiéticas?

Neste contexto, medula óssea e células-tronco são frequentemente usadas de forma intercambiável, porque em nossa medula óssea existem de fato células-tronco chamadas células-tronco hematopoiéticas (CTH) ou hemocitoblastos.

As CTH são um maquinário produtor de células que podem dar origem a células do sangue e do sistema imunológico, um processo chamado hematopoiese, que vem do grego “produção de sangue”.

Todos os dias são produzidas cerca de 300 bilhões de novas células pelas CTHs em nossas medulas ósseas.

Células-tronco: definição mais ampla

Estritamente falando, porém, “célula-tronco” é um termo genérico que se refere a células que estão constantemente se dividindo e têm o potencial de formar diferentes tipos de outras células.

A maioria das nossas células são muito especializadas e não pode mudar. Elas podem ser células do músculo cardíaco, neurônios ou células da parede do intestino, só para citar algumas.

Em contraste, as células-tronco são como adolescentes prestes a se formar no ensino médio.

Elas podem se tornar praticamente em qualquer coisa depois disso: advogados, trabalhadores, enfermeiros, cientistas, jornalistas, influenciadores, tiktokers – precisam só se adaptar às novas tendências.

Diferentes tipos de células-tronco

Mas nem todos os adolescentes são igualmente flexíveis quando se trata de escolher o que ser quando crescer. Alguns podem gostar muito de artes, enquanto outros podem ser apaixonados por ciência e incapazes de desenhar uma árvore.

As células-tronco também têm diferentes tipos de, digamos, afinidades, no sentido da diversidade de tipos de células que podem gerar.

Células-tronco que podem produzir todas os tipos diferentes de células necessárias para o desenvolvimento de um embrião são chamadas de pluripotentes. Já as multipotentes só podem gerar alguns tipos de células.

Seres humanos adultos têm células-tronco multipotentes em muitos outros lugares, como na pele, nos ossos ou nas gônadas, porque essas células precisam de reposição constante.

É possível, no entanto, induzir células já diferenciadas a se tornarem pluripotentes novamente, em um processo chamado de “reprogramação celular”, descoberta que rendeu o Prêmio Nobel de Medicina em 2012.

Esse potencial de desenvolver qualquer tipo de célula e criar novos tecidos foi justamente o que tornou a terapia com células-tronco um campo de pesquisa extremamente ativo.

Transplante de células-tronco hematopoiéticas

Existem vários tipos de terapias com células-tronco, mas o transplante de medula óssea ou transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH) é o mais popular. Mas trata-se também de um procedimento duro e arriscado, usado para tentar consertar uma medula óssea doente ao substituí-la por uma saudável.

Frequentemente, esse transplante é destinado a tratar condições que envolvem risco de vida, a exemplo de tipos de câncer relacionados à medula óssea, como leucemia ou linfomas, ou distúrbios sanguíneos/imunolóligos, como a doença falciforme.

Existem diferentes tipos de transplantes de células-tronco, dependendo de onde elas vêm. Se vier da mesma pessoa que está sendo tratada, por exemplo é chamado de autólogo, se vier de outra pessoa, é chamado de alogênico.

Todos os três pacientes “curados de HIV” receberam um TCTH alogênico para tratamento de câncer.

Um transplante de alto risco

Mas antes do transplante acontecer, o paciente deve passar por um regime de condicionamento que pode incluir quimioterapia e radioterapia.

Tanto a quimioterapia quanto a radioterapia podem ter efeitos colaterais graves, como infecções, disfunção de órgãos e até morte.

O regime de condicionamento é feito para destruir a medula óssea doente do paciente e suprimir fortemente seu sistema imunológico, a fim de que o transplante possa se integrar adequadamente.

Se o tratamento for bem-sucedido, as células transplantadas desencadearão uma reação imune contra quaisquer células cancerígenas residuais, ajudando a eliminá-las, no que é chamado de “efeito enxerto contra tumor”.

Mas as coisas podem dar errado. Em alguns casos, as células imunológicas transplantadas do doador podem começar a reconhecer o corpo do receptor como estranho e atacá-lo, levando à doença do enxerto contra o hospedeiro.

Não é tratamento contra o HIV

A doença do enxerto contra o hospedeiro pode afetar a pele, os intestinos e o fígado. Em alguns casos, pode até ser fatal.

Em um processo semelhante, as células imunológicas transplantadas também podem funcionar de forma vantajosa, desencadeando uma reação imunológica e ajudando a eliminar quaisquer células cancerígenas residuais, no que é chamado de “efeito enxerto contra tumor”.

Devido ao seu alto risco, os pesquisadores dos três estudos de remissão do HIV alertaram repetidamente que os transplantes de CTH não devem ser vistos como uma terapia contra o HIV, cujo tratamento recomendado ainda é o retroviral.

(Artigo escrito por Esteban Pardo, jornalista especializado em divulgação científica)

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