TOD em crianças: o que pode estar por trás de uma aparente birra?
Transtorno Opositivo Desafiador (TOD) é difícil de diagnosticar, pois alguns sintomas parecem com comportamentos normais de qualquer cirança
atualizado
Compartilhar notícia
Não é difícil encontrar pais reclamando que os filhos estão cada vez mais desobedientes, respondões, irritados e até mesmo agressivos. É comum ouvir também que as crianças não conseguem se concentrar nas lições de casa, discutem e perdem a paciência com frequência.
No entanto, nem todas essas atitudes são simples “birras”. Algumas crianças podem sofrer do chamado TOD (transtorno opositivo desafiador).
Como se trata de um transtorno psiquiátrico que reúne uma série de fatores muito parecidos com comportamentos e emoções que qualquer criança ou adolescente pode apresentar em alguma fase da vida, os pais podem levar muito tempo até levantar essa hipótese.
Até mesmo profissionais especializados podem demorar para fechar o diagnóstico, o que pode retardar o início do tratamento adequado e eficaz.
Por outro lado, os especialistas entrevistados explicam que é necessário pontuar que nem toda criança que demonstra falas e atitudes desafiadoras apresenta necessariamente algum transtorno.
Muitas estão apenas respondendo aos estímulos (ou à falta deles), uma vez que a construção da criança enquanto indivíduo está diretamente relacionada com o ambiente que vive.
Por isso, a identificação ou não de algum transtorno deve ser realizada seguindo a orientação de uma equipe multidisciplinar de profissionais de saúde.
Como identificar sintomas de TOD
Os estudos científicos indicam uma prevalência em torno de 1% a 12% nas crianças entre 5 e 10 anos de idade com TOD, sendo um transtorno mais comum em meninos.
“Conseguir identificar os sintomas recorrentes torna-se mais difícil à medida que chega à adolescência. Quanto mais jovens forem tratados corretamente, melhor será o prognóstico desses pacientes em relação ao controle dos sintomas. Além disso, a identificação desse transtorno pode evitar muitos episódios de estresse e bullying no ambiente escolar”, ressalta o médico psiquiatra e psicoterapeuta Gabriel Okuda, que atua nos hospitais Israelita Albert Einstein, no Alemão Oswaldo Cruz e no São Camilo.
A psicopedagoga Gisele Lino Wandermur conta que seu filho começou a apresentar os sintomas de TOD por volta dos 6 anos, mas que foi diagnosticado somente aos 11. Ela recorda que os sintomas comportamentais associados ao TOD causaram muitos problemas na escola.
“Quando uma criança apresenta uma birra, desafiando a nossa autoridade, temos a tendência de banalizar e achar que é apenas uma fase. E que basta falar mais alto ou colocar de castigo para resolver. Só que birra e TOD são completamente diferentes. Para diferenciar, é necessário analisar esse comportamento por três parâmetros: a frequência, a persistência e os prejuízos envolvidos”, complementa.
Segundo a psicopedagoga, a frequência mínima para considerar esse comportamento em crianças acima de 5 anos é de uma vez por semana por, pelo menos, seis meses. Já para crianças menores de 5 anos, a frequência mínima é superior à metade dos dias da semana, de forma persistente, também por mais de seis meses. “A criança costuma apresentar quadros recorrentes e intensos de desregulação emocional, o que leva a comportamentos inadequados, com quadros comportamentais e emocionais bastante disfuncionais”, afirma Wandermur.
Ela afirma que o segundo parâmetro para desconfiar do transtorno é a persistência, ou seja, mesmo que os pais tentem intervir, aquele comportamento volta a acontecer. A psicopedagoga diz que o terceiro ponto é sobre os prejuízos envolvidos com esses episódios.
“Esses comportamentos inadequados atrapalham a aprendizagem, a autoestima e a parte social da criança, além de acarretar prejuízos para as pessoas diretamente envolvidas no cuidado dessa criança, principalmente em relação à mãe, que pode ter dificuldades de continuar trabalhando e estudando porque ninguém consegue lidar com o filho”, diz.
Surgimento dos sintomas e as causas do transtorno
O TOD apresenta a prevalência de três grandes tipos de sintomas. São eles:
- Humor raivoso e/ou irritável: aquela criança que se irrita com muita facilidade, muitas vezes por motivos pequenos;
- Comportamento desafiador: quando apresenta problemas com figuras de autoridade, questiona muito as regras, têm dificuldade em assumir a responsabilidade pelos seus erros ou mau comportamento;
- Índole vingativa: a criança com TOD pode ou não apresentar essa característica.
Os sintomas do TOD costumam se manifestar na fase pré-escolar, embora possam também aparecer mais tarde, na adolescência ou até mesmo na fase adulta, em casos mais raros.
As causas não são conhecidas, mas, segundo evidências científicas, fatores genéticos, neurofisiológicos e ambientais podem influenciar o desenvolvimento do transtorno. Da mesma forma, um ambiente familiar conturbado e agressivo pode contribuir para o surgimento do TOD.
“Existem fatores biológicos associados, como anormalidades cerebrais das áreas pré-frontais e amígdala, que são responsáveis por emoções básicas, controle inibitório e planejamento das ações. Fatores familiares também contribuem para o desenvolvimento do TOD. Crianças expostas a intensas emoções negativas, agressividade física, verbal e sexual, métodos punitivos e falta de cuidados com o seu desenvolvimento emocional e cognitivo por parte dos responsáveis, tendem a manifestar temperamentos impulsivos e irritáveis”, ressalta o médico neuropediatra Sérgio Antonio Antoniuk, professor adjunto de Neurologia Infantil do Departamento de Pediatria da UFPR (Universidade Federal do Paraná).
Outros transtornos associados e possíveis gatilhos
As crianças com TOD costumam apresentar outros transtornos associados. É recorrente, seja na infância ou mesmo na fase adulta, a presença de sintomas relativos ao TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada), TEA (Transtorno do Espectro Autista) e até mesmo o TAB (Transtorno Afetivo Bipolar), também conhecido como TBH (Transtorno Bipolar do Humor).
“A probabilidade de uma criança com TOD ter mais dificuldades no início/final da adolescência e na idade adulta depende dos tratamentos e do ambiente familiar. Geralmente, elas apresentam mais probabilidade de desenvolver depressão e abuso de substâncias, principalmente quando o TOD na infância for acompanhado por outros transtornos, como TDAH, depressão e dificuldades de aprendizagem. No entanto, com o tratamento adequado e o manejo parental, os sintomas podem melhorar dentro do prazo de três anos”, frisa o psiquiatra Okuda.
Os especialistas ainda enfatizam que gatilhos relacionados às condutas agressivas, como jogos de luta e a dependência de telas devem ser evitados desde o período pré-escolar.
“Um ponto muito importante que vejo como gatilhos nas condutas agressivas é a dependência das crianças da tela, principalmente dos jogos eletrônicos, muito mais nos pré-adolescentes e adolescentes. Por isso, as famílias devem ser orientadas para evitar este excesso do uso de tecnologias desde o período pré-escolar”, afirma o neuropediatra Antoniuk.
Como buscar o diagnóstico e tratamento
O diagnóstico de TOD costuma ser realizado através de avaliação com uma equipe multidisciplinar, que reúne um neuropediatra, um psiquiatra e um psicólogo.
O tratamento deve contemplar diversos aspectos, sempre com acompanhamento multidisciplinar, algumas vezes com a necessidade de medicação. Outro ponto fundamental é o manejo parental, uma vez que são os adultos que passam mais tempo com essa criança.
A forma de lidar com esses comportamentos pode, inclusive, comprometer o tratamento, caso não seja o adequado. Portanto, os pais devem aprender estratégias para manejar esse comportamento no dia a dia e melhorar a convivência.
“O tratamento é multiprofissional: a psicóloga, da linha comportamental, deve atuar com a criança e os pais, além de orientar os professores no ambiente escolar e nas atividades externas. As dificuldades de aprendizagem e linguagem são atividades que precisam de acompanhamento de pedagogas e fonoaudiólogos. É fundamental que os pais aprendam a melhor forma de lidar com esses comportamentos para não comprometer o tratamento”, adverte o neuropediatra. (Fonte: Agência Einstein)
Siga a editoria de Saúde no Instagram e fique por dentro de tudo sobre o assunto!