Canoagem ajudou Larissa a recuperar autoestima após câncer de mama
A nutricionista descobriu dois tumores aos 40 anos, mas não desistiu de praticar atividades físicas após o tratamento
atualizado
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No momento em que recebem o diagnóstico do câncer de mama, as mulheres encaram o medo da doença e muitos tabus. Um deles é o de que dali para frente deverão evitar exercícios físicos, especialmente, os que envolvem os membros superiores.
A nutricionista goiana Larissa Lima, 46 anos, decidiu enfrentar a falsa limitação. Um mês após a última das nove sessões de quimioterapia, ela se viu disposta novamente para a prática de atividades físicas. Pouco tempo depois, o técnico de canoagem e amigo, Marcelo Bosi, a convidou para criar o Canomama – primeiro time de sobreviventes do câncer de mama remadoras do Brasil, com 12 mulheres.
Na verdade, a ideia surgiu a partir da International Breast Cancer Paddling Committee, uma comissão internacional de remadoras na mesma situação, que tinha o interesse de implementar a atividade na América do Sul e procurou Marcelo, por ele ser um ícone da canoagem no país.
“Quando me recuperei, chamei o Marcelo e falei: ‘Agora que terminei o tratamento, essa é a minha missão”, lembra. “Nós começamos o trabalho em 8 de março de 2016 e eu nunca mais parei”. Hoje o time oficial tem 26 atletas que viajam o mundo participando de festivais e competições entre mulheres na dragon boat, um tipo de embarcação usado pelas remadoras especiais.
Além de esporte, a canoagem se tornou uma ferramenta de apoio para as ex-pacientes, que as ajuda a lidar com problemas emocionais relacionados à experiência pela qual passaram.
Luta contra o câncer
Larissa sempre teve um estilo de vida extremamente saudável, com bons hábitos alimentares e a prática regular de exercícios físicos como a corrida de aventura. Durante os dez meses do tratamento de quimioterapia, no entanto, caminhar os 150 metros da sala até o portão de sua casa se tornou muito mais difícil do que completar as provas de resistência às quais estava acostumada.
“Eu era multiesportista, malhava muito, era especialista em corridas de 500 km. Da minha casa até o portão, são 150 metros e eu tinha que colocar três banquinhos para chegar até lá. Era um cansaço inacreditável e muita dor nos ossos. Cada corpo reage de uma forma e, infelizmente, foi assim pra mim”, lembra.
A nutricionista descobriu um tumor na mama aos 40 anos e acredita que o autoexame a salvou. “Eu apalpei a mama e isso me alertou para fazer o exame de imagem, aí descobri que tinha outra lesão que eu não conseguia apalpar. Pude tratar os dois (tumores) de uma vez”, conta. Mas, mesmo imaginando que o diagnóstico poderia ser positivo para câncer de mama, a confirmação foi um choque para a atleta.
“Quando eu recebi o diagnóstico e vi positivo, pensei: ‘Meu Deus. Sério mesmo?’. Eu fiquei muda, sem palavras, comecei a suar inteira e falei: ‘Poxa, doutor. Você pode repetir?'”, lembra emocionada.
Ao sair do consultório, Larissa começou a traçar um plano para o tratamento e recuperação. Ao longo desta jornada, passou por três cirurgias – a nodulectomia para a retirada e avaliação dos nódulos; a mastectomia da mama esquerda e a retirada do linfonodo sentinela. Depois disso, veio a reconstrução mamária com um expansor e nove sessões de quimioterapia.
“As últimas sessões de quimio foram bem sofridas. Cada vez que eu tomava uma dose, ficava ainda mais doente. Foi uma luta terminar o tratamento. Senti muitos efeitos colaterais: alergia, constipação intestinal acompanhada de diarreia, náusea, vômito”, lembra.
Depois da doença, Larissa passou a sentir dores frequentes nos ossos e articulações e encontrou no esporte uma alternativa para amenizá-las. “Eu preciso me manter ativa fisicamente: pedalando, remando, fazendo exercícios de alongamento. Se eu parar por uma semana, começo a sentir muita dor”, conta.
Além do trabalho com o Canomama, a idealizadora do grupo participa de campeonatos brasileiros, sul-americanos e mundiais de canoa polinésia. “De todos os esportes que praticava, a canoa polinésia foi o que consegui me adaptar melhor depois do câncer”.
Tabu sobre a prática de exercícios físicos
O médico Raphael Brandão, chefe da área de oncologia da Clínica JB Oncologia, esclarece que, de maneira geral, mulheres em recuperação ou curadas do câncer de mama não tem contraindicação para praticar exercícios físicos, mesmo durante a quimioterapia.
“O único momento no qual a gente pede para parar é durante o pós-operatório, quando ela fica algum tempo sem poder mobilizar o braço. Se for uma mastectomia, ela acaba demorando mais tempo para exercitar os membros superiores, mas pode continuar exercitando os inferiores sem problema nenhum”, conta.
De acordo com o oncologista, os efeitos colaterais mais comuns dos remédios que impedem que o tumor cresça são dores nas articulações, fogachos e fadiga. “A melhor coisa para isso são as atividades físicas, não importa qual”, afirma.
A retomada das atividades deve ser feita aos poucos e adaptada para a realidade de cada paciente, de preferência com o suporte de um educador físico. Caminhadas de 30 minutos, três vezes por semana, já representam avanços para as pacientes de maneira geral. Segundo o preparador físico André Moreira, elas ajudam a prevenir a atrofia muscular e a osteoporose (a perda de massa magra e óssea, respectivamente).
“Se a pessoa já é ativa, ela deve manter a atividade, mesmo que ela diminua a intensidade do treino. E se recomenda fazer muitos exercícios de relaxamento e alongamento para manter a mobilidade articular”, conta Moreira.
Dragon boat
Em 1996, o médico canadense Don McKenzie, da Universidade de British Columbia, em Vancouver, questionou a ideia de que mulheres tratadas de câncer de mama deveriam evitar exercícios rigorosos para a parte superior do corpo por risco de desenvolverem linfedema, um efeito colateral debilitante e crônico do tratamento.
McKenzie desenvolveu um programa com protocolo de fortalecimento muscular, fisioterapia e atividades com remo para estudar o impacto dos exercícios físicos em suas pacientes. A modalidade era o remo em dragon boat. Ao final da pesquisa, nenhuma das 24 voluntárias apresentou linfedema, o que colocou em xeque as teorias existentes. O professor provou que, além dos benefícios para o corpo, o exercício também era capaz de promover o bem estar das mulheres.