Nicolelis aponta fatores que explicam disseminação da Covid no Brasil
Estudo feito pelo neurocientista brasileiro afirma que a falta de bloqueio sanitário propiciou o espalhamento do vírus em todo o país
atualizado
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O neurocientista Miguel Nicolelis divulgou, nesta segunda-feira (21/6), um estudo no qual aponta os principais fatores responsáveis pela dinâmica de espalhamento geográfico do novo coronavírus no Brasil. De acordo com ele, os condicionantes contribuíram para que o país ultrapassasse, no último sábado (19/6), a marca de 500 mil vidas perdidas para a Covid-19.
O artigo foi publicado na revista britânica Scientific Reports e é assinado por Nicolelis e outros três cientistas brasileiros. A pesquisa evidencia as dificuldades enfrentadas pelo país para conter a disseminação do vírus assim que ele entrou no Brasil, no fim de fevereiro de 2020.
Usando um modelo matemático, os cientistas concluíram que São Paulo foi a cidade que mais disseminou o coronavírus do Brasil, sendo responsável por mais de 85% do espalhamento de casos pelo país nas primeiras semanas de março de 2020. Ao considerar outras 16 outras cidades disseminadoras, os autores conseguiram explicar de onde surgiram até 99% de todos os casos notificados durante os primeiros três meses da pandemia.
Isso ocorreu porque São Paulo abriga o maior aeroporto internacional e o maior entroncamento rodoviário do país, levando o novo coronavírus para outras capitais e cidades do interior, uma vez que nenhum tipo de restrição sanitária foi imposta nas estradas e no espaço aéreo pelas autoridades federais e estaduais em boa parte do mês de março.
“Se um lockdown nacional e bloqueios sanitários nas rodovias ao redor das cidades super espalhadoras brasileiras, particularmente na cidade de São Paulo, tivessem sido implementados, o impacto da Covid-19 durante a primeira onda da pandemia teria sido significativamente menor”, afirma o neurocientista.
Essas mesmas medidas poderiam ter diminuído o número de casos e mortes durante a segunda onda, em janeiro deste ano.
“De junho de 2020 a junho de 2021, o número de óbitos por Covid-19 no Brasil foi de 50 para 500 mil. Um aumento de 10 vezes em 12 meses. Este dado por si só ilustra como o governo federal brasileiro abdicou de forma explícita e crassa de seu dever de proteger o povo brasileiro da maior catástrofe humanitária da sua história”, afirmou Nicolelis, no texto que acompanha o trabalho.
“Efeito bumerangue”
À medida em que o vírus chegou ao interior do país, aumentou o número de pacientes em estado grave que residiam nessas áreas em busca de atendimento nas capitais dos estados, uma vez que suas cidades não ofereciam estrutura para atendimento especializado ou leitos de UTI suficientes para atender a demanda.
Este fluxo bidirecional de pacientes é chamado pelos cientistas de “efeito bumerangue” e contribuiu de forma decisiva na distribuição geográfica de mortes provocadas pela doença no país.
São Paulo recebeu pacientes de outras 464 cidades brasileiras. As outras capitais que mais atraíram pessoas em busca de atendimento foram Belo Horizonte (351 cidades), Salvador (332), Goiânia (258), Recife (255) e Teresina (225).
Por outro lado, as cidades que mais transferiram pacientes para hospitais de outros municípios foram: São Paulo (158), Rio de Janeiro (73), Guarulhos (41), Curitiba (40), Campinas (39), Belém (38) e Brasília (35).
“Eventualmente, uma grande parcela destes pacientes veio a falecer nestas cidades. Combinado com o alto número de mortes de residentes das grandes cidades, a ocorrência do ‘efeito bumerangue’ por todo o país contribuiu decisivamente para o viés geográfico da distribuição de mortos pelo Brasil”, aponta o artigo.
Importância do SUS
O estudo também enfatiza a importância do Sistema Único de Saúde (SUS) no atendimento dos pacientes da Covid-19 e no enfrentamento da pandemia. “Sem a infraestrutura pública do SUS, construída ao longo dos últimos 40 anos, o impacto da Covid-19 teria certamente sido ainda mais devastador”, afirma o professor Rafael Raimundo, que também assina o artigo.
Por outro lado, o “efeito bumerangue” evidenciou que o serviço precisa melhorar sua infraestrutura hospitalar, com mais leitos de UTI e profissionais de saúde, sobretudo no interior do país para atender as demandas da população interiorana.
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