Na quarentena, relatos de briga de casal aumentam 431% no Twitter
Fórum Brasileiro de Segurança Pública levantou frequência em que termos associados à violência doméstica foram citados na rede social
atualizado
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“Foi difícil não voltar pra cama sem chorar. Quantas mulheres estão presas com seus agressores nessa quarentena?” O questionamento é de uma usuária do Twitter, que precisou chamar a polícia para apartar uma briga que acontecia na casa dos vizinhos. Ela escutou vidros sendo quebrados e socos desferidos. Outro vizinho bateu na porta para intervir.
De acordo com uma nota técnica publicada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com a empresa Deocode, entre os meses de fevereiro e abril de 2020, houve um aumento de 431% nos relatos de brigas de casais no Twitter.
No total, foram analisadas 52 mil menções diferentes ao assunto na rede social. Em uma segunda filtragem, foram separadas 5.583 mensagens nas quais havia indícios de que estava, de fato, acontecendo situações de violência doméstica. Neste universo, 25% dos relatos foram feitos às sextas-feiras, 53% publicados à noite ou na madrugada, entre as 20h e 3h, e 67% foram feitos por mulheres.
A quarentena tem aumentado os índices de violência doméstica no país. Os registros de boletins de ocorrência caíram expressivamente em alguns estados por conta da impossibilidade da presença física para a denúncia, mas as chamadas aos serviços de socorro aumentaram.
Em São Paulo, a Polícia Militar registrou um aumento de 44,9% na quantidade de chamadas no número 190 classificadas como violência doméstica. Segundo a nota técnica, os dados corroboram a tese de que há um aumento da violência doméstica e familiar neste período, ainda que o crescimento não esteja sendo registrado pelos canais oficiais de denúncia.
Conselheiro do Fórum Brasileiro de segurança pública e ex-secretário da pasta no DF, Arthur Trindade destaca a metodologia usada na realização do levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “O crescimento do assunto entre os temas do Twitter nos dá uma pista de que o fenômeno está acontecendo com mais intensidade, isso exige de nós estratégias diferentes para lidar com o problema”, afirma.
“Entre as possibilidades que foram testadas em outros países, está o estabelecimento de códigos para que as vítimas possam acionar socorro direto”, explica Trindade. Outra saída, é o próprio incentivo para que os vizinhos busquem canais de denúncia para que a situação seja checada imediatamente pelas instituições competentes.
Em situações onde o contexto de violência doméstica existe, o cenário se agrava pela proximidade entre vítima e agressor e pelas tensões vividas no confinamento. “As relações que já estão esgarçadas passam para um outro nível de agressividade porque as pessoas passam mais tempo dentro de casa”, explica a especialista em segurança pública Marcelle Figueira, professora da Universidade Católica de Brasília.
Ela também se preocupa com outras situações de violência familiar, como os maus tratos a crianças e idosos. “É provável que tudo isso esteja acontecendo de maneira mais acentuada, até porque também foram presentes em outros países que viveram a quarentena, como a China e os países europeus”, comenta a especialista em segurança pública.
Denúncias
Apesar do aumento no número de casos, a nota técnica aponta um lado positivo: “Embora as mulheres em situação de violência estejam mais vulneráveis pelo intenso contato com os autores de violência durante o isolamento social, este isolamento também faz com que mais pessoas estejam em casa durante todo o dia, aumentando a probabilidade de que discussões, brigas e agressões possam ser ouvidas ou vistas por vizinhos”, diz o documento.
“Tendo em vista a dificuldade que mulheres encontram para fazer denúncias de violência por conta própria nesse cenário, a percepção de agentes externos sobre os episódios e a possibilidade de que eles denunciem possíveis crimes se torna fundamental para assegurar às vítimas as medidas de proteção necessárias.”
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que, para frear o aumento de casos de violência doméstica, é importante diversificar os canais para denúncia — além de telefone e canal on-line, seria importante poder relatar a situação em supermercados e farmácias, que ficam abertos durante a pandemia. Facilitar a denúncia feita por familiares e vizinhos e garantir a resposta rápida das autoridades também são elencados como medidas importantes.
Leia alguns dos tweets sobre violência doméstica:
Foi difícil não voltar pra cama sem chorar. Quantas mulheres estão presas com seus agressores nessa quarentena?
— cinnamon girl (@poxalizz) March 25, 2020
Vizinhos de vocês nessa quarenta: cantoria na janela, show de mumuzinho, orquestra, saxofone, aula de ginástica
Meus vizinhos: briga de marido e mulher e marido apanhando de mulher, vizinhos na janela acompanhando a briga
— Paloma (@oipalomita) April 1, 2020
se essa quarentena não acabar logo os meus vizinhos se matam porque todo dia é uma briga diferente
— thali boca quente (@ThalissaSlv) April 13, 2020
meus vizinhos t o d o d i a tem uma briga diferente. mais um ano e alguém pede o divórcio
— isa sem dora (@isamoreirat) April 15, 2020
tenho tanto trauma de briga por conta dos meus pais que os vizinhos tão brigando e tô quase chorando aqui
— Vitória Diniz (@dinizvitoria1) April 18, 2020