Mulheres têm quase 3 vezes mais chance de sofrer AVC no inverno
Para os homens, risco é 2,4 vezes maior. Conclusão é de um estudo da USP, que observou ocorrências na capital paulista ao longo de 10 anos
atualizado
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Na área da saúde, a chegada oficial do inverno, nessa quinta-feira (21/6), traz mais do que gripes e resfriados. Além das doenças respiratórias, bem mais comuns nesta época do ano, as temperaturas mais baixas costumam elevar também os casos de acidentes vasculares cerebrais. E, pelas estimativas de cientistas e especialistas, a queda nos termômetros nem precisa ser assim tão grande para os casos aumentarem. Pesquisas dão conta de que bastam alguns graus a menos para as emergências registrarem maior ocorrência de infartos e AVCs.
Um estudo recente da Universidade de São Paulo (USP), publicado em maio, estimou em mais de 2,4 vezes o perigo aumentado para ocorrência de acidentes vasculares hemorrágicos — o tipo mais grave que existe — em homens de todas as faixas etárias quando a temperatura cai abaixo dos 10ºC. O Instituto Nacional de Cardiologia, do Ministério da Saúde, alerta desde 2015 para um risco até 20% maior de casos nessa época do ano.Segundo o neurologista Ivan Coelho Ferreira do Hospital Santa Lúcia, os achados científicos não são surpresa para médicos, embora a medicina ainda não tenha exatamente os porquês desse aumento. “É empírico. Quando o tempo esfria, já esperamos mais casos de sangramentos cerebrais nas emergências. Mas tudo o que temos até agora que explique isso são hipóteses”, comenta o especialista.
A principal delas diz respeito ao aumento da pressão arterial nessa época, o que ajudaria a explicar por que tanto casos hemorrágicos quanto os isquêmicos são mais comuns em estações frias.
Tudo isso tem a ver com o corpo tentando se manter aquecido no inverno. “Quando a temperatura cai, algumas coisas mudam no organismo”, explica a neurologista Letícia Rebello, da clínica especializada NeuroAnchieta. “O sangue fica mais viscoso para tentar manter temperatura adequada. A pele sofre também porque os vasos periféricos diminuem de calibre para priorizar o fluxo de sangue nos órgãos mais importantes”, continua.
Mais perigoso para as mulheres
Como na variação da estatística pesa o fator pressão arterial, pacientes com problemas prévios de pressão ou diabéticos, por exemplo, estão mais suscetíveis aos tais riscos invernais que os demais. O mesmo vale para tabagistas, sedentários e obesos. Dentro desse círculo, no entanto, um subgrupo parece estar mais exposto ao perigo: mulheres com mais de 65 anos.
Pelo menos foi esse o principal achado do trabalho da geógrafa Priscilla Ikefuti na sua tese de doutorado pela Universidade de São Paulo, publicada em maio na revista científica International Journal of Biometeorology. No estudo, Priscilla observou dados de óbitos por AVC no município de São Paulo ao longo de 10 anos, entre 2002 e 2011.
Dos mais de 55 mil casos analisados, a conclusão foi de que as baixas nas temperaturas foram mais sensíveis às mulheres. Abaixo dos 10ºC, o risco de AVC para elas foi 2,8 vezes maior. Para eles, um pouco menor: 2,43 vezes mais perigoso. As ocorrências não se relacionam apenas ao inverno, mas em qualquer situação em que os termômetros recuaram — como em frentes frias em pleno verão, por exemplo.
A biologia da mulher é diferente da do homem para fatores como imunidade e coagulação, por exemplo. Além disso, acima dos 65 anos, a mulher já entrou na menopausa. A questão hormonal também influencia na formação de coágulos.
Priscilla Ikefuti, pesquisadora da Universidade de São Paulo
A pesquisa da geógrafa contou com apoio de um professor da Faculdade de Medicina da USP. O mesmo fator hormonal, segundo Ivan Ferreira do Hospital Santa Lúcia, explica, por exemplo, por que mulheres que fazem uso de anticoncepcionais orais também estão mais expostas a um AVC.
Se aqueça neste inverno
Os dados reunidos na sua tese, diz Priscilla, são importantes para chamar atenção para a importância do aspecto climático no AVC, mesmo que sobre condições meteorológicas pouco possa ser feito. Sobre todos os outros fatores associados às ocorrências, no entanto, sim.
“Na grande maioria das vezes, o AVC é como uma queda de avião. Ele não é causado por uma coisa só, mas por uma conjunção de fatores. Em 90% dos casos, ele pode ser evitado. Como? Controlando os fatores de risco”, frisa Octávio Pontes Neto, presidente da Sociedade Brasileira de Doenças Cerebrovasculares e coordenador do departamento científica de neurologia intervencionista da Associação Brasileira de Neurologia.
O frio entra na conta dos 10% que fogem do alcance da medicina, junto com fatores genéticos e idade. Um agasalho mais grosso, no entanto, não faz mal a ninguém, na visão da neurologista Letícia Rebello.
“Sabemos que o diabético, no frio, por exemplo, já tem mais sensibilidade. Qualquer machucado pode levar ao que chamamos de pé diabético, uma ferida que é difícil de cicatrizar. O que pedimos, é que pacientes com fator de risco aumentado protejam-se e evitem exposição a temperaturas muito baixas”, ensina a especialista.