Mulheres têm mais nevoeiro cerebral após Covid, diz estudo do Sarah
O nevoeiro cerebral observado no pós Covid afeta profundamente a qualidade de vida, com prejuízos na atenção, memória e concentração
atualizado
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Em meados de 2020, três em cada dez pessoas que procuravam a Rede Sarah de Hospitais buscavam por serviços de reabilitação para os sintomas da Covid longa. A demanda – persistente nos três anos seguintes – chamou a atenção dos pesquisadores da instituição especializada no tratamento de pacientes com lesão cerebral e na medula.
O aumento de casos de Covid longa resultou em um estudo liderado pela neurocientista Lucia Willadino Braga, presidente da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação. Publicado em junho de 2022 na revista NeuroRehabilitation, o artigo ganhou repercussão internacional, com divulgação na base de dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre Covid-19.
Pessoas curadas da infecção do coronavírus – desde as formas mais leves às mais graves – apresentavam uma alta incidência de ansiedade e depressão. Mas um sintoma se destacou dos demais: o nevoeiro cerebral (ou névoa cerebral), especialmente entre mulheres com escolaridade alta.
“Leio uma página e quando chego no final, pergunto ‘o que eu li?'”, relatou uma das pacientes atendidas na unidade de Brasília. “Vou na cozinha pegar um copo com água e na metade do caminho já não sei o que fui fazer”, disse outra. “Esqueço o horário dos compromissos, o local onde coloquei objetos”, lamenta outro relato.
A névoa cerebral é a dificuldade de atenção, concentração, raciocínio, planejamento e memória. “Ela afeta profundamente a qualidade de vida dessas mulheres”, afirma Lucia.
Pesquisa
O estudo contou com a participação de 614 adultos sem histórico de depressão, demência ou outros problemas associados que naturalmente prejudicam a memória. Eles tinham, em média, 47 anos, buscavam por reabilitação para problemas neuropsicológicos e foram acompanhados ao longo de oito meses após o diagnóstico de Covid-19.
Os voluntários passaram pelo teste Barrow Neurological Institute Screen for Higher Cerebral Functions (BNIS), reconhecido internacionalmente para avaliação da memória, planejamento, fala, linguagem, atenção, concentração, orientação de espaço e tempo, resolução de problemas e afeto.
O testes de Fluência Verbal Fonêmica (NEUPSILIN) foram usados para analisar as funções executivas e dificuldade de fala por esquecimento das palavras. Por fim, eles passaram por avaliação de ansiedade e depressão.
Os dados revelaram que 73% das pessoas com queixas de névoa cerebral eram mulheres. Dessas, 89% tinham nível superior e 74% eram profissionalmente ativas. As professoras universitárias foram as primeiras a procurar ajuda. Médicas também relatavam problemas para lembrar de orientações básicas em atendimentos a pacientes.
“As professoras estavam dando aula remota, esqueciam a matéria, o que estavam falando, e batia o desespero, afetando muito a qualidade de trabalho”, conta Lucia.
De acordo com a presidente da Rede Sarah, a instituição tem um histórico de procura equilibrada entre pacientes do sexo masculino e feminino e de diferentes níveis de escolaridade, o que descarta a ideia de que mulheres estariam mais atentas aos sintomas ou que as de maior escolaridade teriam mais acesso ao serviço.
O vírus SarS-CoV-2, causador da Covid-19, atinge o cérebro de maneira diferente do que outras partes do corpo, como o pulmão. De acordo com a neurocientista, os astrócitos, células estreladas que dão sustentação aos neurônios, param de abastecê-los quando são infectados. “Sem uma fonte de alimentação, o neurônio morre”, esclarece Lucia.
As áreas mais afetadas do cérebro são o hipocampo, uma das responsáveis pela memória; a ínsula, ligada à linguagem; e a amígdala cerebral, relacionada às emoções. “Nós temos uma confirmação no cérebro desse achado inicial”, diz.
Covid longa em diferentes graus de infecção
Os dados também mostraram que os sintomas da Covid longa atingiram tanto as pessoas que enfrentaram um quadro leve da infecção pelo coronavírus (cerca de 47%), quanto as hospitalizadas (25%), internadas em unidades de terapia intensiva (UTI) (17,5%) ou com necessidade de intubação (10%).
“Cerca de dois meses depois da infecção, eles começaram a sentir problemas na fala, linguagem, atenção, concentração, orientação, resolução de problemas, memória e afeto”, destaca a neurocientista.
Novas etapas da pesquisa
Em uma nova etapa do estudo, os pesquisadores avaliam como os pacientes respondem à neurorreabilitação dos sintomas. A presidente da Rede Sarah acredita que a avaliação será concluída nos próximos meses, seguida pela publicação em uma revista internacional.
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