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Mulher “se despede” de sentença de morte após transplante de medula

Silvane Mendes Lucio, 43 anos, relutou por a fazer a cirurgia para tratar a anemia falciforme até descobrir ter expectativa de vida limitad

atualizado

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Silvane Mendes Lucio/ Imagem cedida ao Metrópoles
Irmãos se encontram em hospital após transplante
1 de 1 Irmãos se encontram em hospital após transplante - Foto: Silvane Mendes Lucio/ Imagem cedida ao Metrópoles

Por toda a vida, o diagnóstico de anemia falciforme impediu que a paranaense Silvane Mendes Lúcio, 43 anos, fizesse planos ou realizasse sonhos. Pelo cansaço extremo e fortes dores, a mulher nunca conseguiu manter um emprego por muito tempo e passou os anos tentando vários tratamentos para alcançar uma qualidade de vida que a permitisse acompanhar o crescimento da filha Aylla Eduarda.

Em junho deste ano, após sofrer com severas complicações da doença, ela escutou de um médico que teria no máximo mais oito anos de vida se não tentasse um transplante de medula óssea.

“Nunca vou me esquecer do dia em que o médico me perguntou como eu me imaginava em oito anos. Contei que esperava ver a minha filha formada na faculdade e ele disse: ‘não sou Deus, mas se você continuar como está, este é o seu prazo máximo’. Nesse dia, eu entendi que precisava tentar o transplante”, disse.

Ela recorreu ao tratamento no Hospital Sírio-Libanês em Brasília, onde realizou um transplante de medula óssea com condicionamento não mieloablativo, uma técnica nova e menos arriscada para pacientes adultos —  a cirurgia comum é considerada de risco para maiores de 18 anos.

Silvane contou com a doação da medula do irmão, Robson Mendes Lucio, 38 anos. Ele esteve ao seu lado durante todo o procedimento, prontificando-se a acompanhar a irmã desde a primeira consulta na capital federal, onde vieram em busca de um tratamento de referência.

Limitações

Embora seja considerada uma doença benigna, a anemia falciforme reduz a expectativa de vida dos pacientes que sofrem com cansaço extremo, dores fortes e danos em múltiplos órgãos, como o coração, rins e cérebro, podendo levar à morte em casos mais extremos.

A condição ocorre devido a um defeito no formato das hemácias – as células do sangue – que ao invés de serem redondas, têm um formato de foice, o que dificulta o transporte do oxigênio para os tecidos e faz com que os pacientes precisem de transfusões recorrentemente.

Complicações nos últimos anos fizeram com que Silvane tivesse duas embolias pulmonares, úlceras nas pernas que demoraram anos para fechar e crises que a levaram diversas vezes ao hospital, além de a obrigarem a passar por uma cirurgia para retirar o baço. As transfusões de sangue se tornaram necessárias com cada vez mais frequência.

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Silvane recebeu o carinho da equipe do hospital após o procedimento
Robson Mendes Lucio, 38 anos, se prontificou a ser o doador da irmã
Silvane com a filha Aylla Eduarda e o marido, Carlos
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Silvane Mendes Lúcio e o médico Volney Vilela

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Silvane recebeu o carinho da equipe do hospital após o procedimento

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Robson Mendes Lucio, 38 anos, se prontificou a ser o doador da irmã

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Silvane com a filha Aylla Eduarda e o marido, Carlos

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Transplante de medula óssea

Diferentemente dos transplantes feitos em pessoas que sofrem com falência de órgãos, o de medula óssea para pacientes com anemia falciforme só pode ser realizado entre irmãos com 100% de compatibilidade e não são todos os indivíduos que têm indicação para a cirurgia.

O procedimento só deve ser feito nas pessoas que têm a manifestação grave da doença por conta dos riscos envolvidos, especialmente entre adultos — o paciente pode ter uma infecção grave, pneumonia e até morrer depois do transplante. A idade é um fator de risco pela associação de outras comorbidades.

Silvane havia recebido a indicação para fazer o transplante de medula óssea anteriormente do médico que a acompanha há mais de 20 anos, mas sempre relutou por conhecer os riscos do procedimento para pacientes adultos. “Eu falava para o meu médico que não estava preparada. Pensava muito na minha filha, que era muito pequena quando recebi a primeira indicação. Sabia que precisaria me afastar dela durante todo o período de recuperação”, lembra.

O procedimento consiste na retirada de células-tronco da medula óssea de um doador compatível. O paciente, por sua vez, é submetido a uma fase chamada de condicionamento, quando, por meio de medicamentos imunossupressores, destrói-se a medula óssea para que ela pare de fabricar o sangue com as hemácias em formato de foice.

As células-tronco do doador são introduzidas em seguida, e espera-se de duas a três semanas para que ocorra a “pega”, quando o corpo absorve a nova medula e começa a usá-la para fabricar o sangue saudável.

O médico Volney Vilela, onco-hematologista do Hospital Sírio-Libanês em Brasília, explica que é na etapa de condicionamento que os pacientes correm maior risco devido à queda da imunidade e a ameaça de sofrer a doença do enxerto contra o hospedeiro (GVHD), quando a medula do doador estranha o receptor. “Eles ficam absolutamente sem células de defesa por aproximadamente 15 dias”, afirma.

Com a técnica de condicionamento não mieloablativo aplicada na paranaense, é feita uma imunossupressão forte com radiação corpórea total para retirar a medula antiga e colocar a nova, e pouca quimioterapia, aumentando as chances de sucesso da cirurgia.

“O procedimento foi um sucesso. Ainda há pouca experiência com este tipo de transplante no Brasil: mesmo em centros de referência, temos pouco conhecimento do que vem sendo feito no país para o tratamento cirúrgico da anemia falciforme”, afirma Vilela.

Silvane começou a produzir células saudáveis 20 dias após o transplante. De acordo com o onco-hematologista, é muito provável que a paciente esteja curada e não tenha mais problemas porque a medula não produzirá mais células doentes. “Ela ainda tem algumas sequelas da condição que provavelmente vão se reverter completamente ou em sua maioria no futuro”, conta.

Na próxima sexta-feira (28/10), Silvane completará um mês desde o transplante da medula óssea. Apesar do curto tempo, ela já consegue ter uma qualidade de vida melhor e vislumbrar um futuro cheio de possibilidades. Desde a cirurgia, a autônoma não precisou fazer novas transfusões de sangue, deixou de se queixar de dor e sua pele ganhou um rubor nunca visto antes.

“Sempre fui muito pálida, com os olhos amarelados e isso me incomodava. Nunca gostei de ser conhecida como uma paciente falciforme. Me olhar no espelho e me ver com os olhos brancos e a pele rosada é uma alegria”, afirma.

Refletindo agora sobre o questionamento inicial do médico, Silvane pretende, nos próximos oito anos, estudar psicologia, com especialização em prática hospitalar, e ver a filha de 19 anos formada. Depois disso, ela espera se tornar avó, e até pediu para Aylla um colar com pingentes que representem os cinco netinhos que espera ter.

“Por dentro eu sou uma outra pessoa. Hoje eu consigo fazer planos, coisa que eu não era capaz há um mês”, conta, emocionada.

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