Pesquisadores propõem mudança radical no tratamento do câncer de mama
Estudo sugere mudanças no protocolo do tratamento de pacientes com carcinoma ductal in situ, um tipo de câncer com evolução lenta
atualizado
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O câncer de mama é o tipo de câncer mais comum entre as mulheres depois do de pele não melanoma. Existem vários tipos de tumor nas mamas, sendo que alguns evoluem de forma rápida; e outros, bem lentamente. Pesquisadores da Universidade Duke, nos Estados Unidos, estão propondo uma mudança radical no tratamento desse câncer.
Em um estudo publicado este mês, na revista JAMA, os cientistas sugerem que as pacientes diagnosticadas com carcinoma ductal in situ, um tipo de tumor com crescimento lento, não recebam tratamento.
O carcinoma ductal in situ é considerado não invasivo ou pré-invasivo por estar restrito ao ducto ou ao lóbulo. As células desse tipo de tumor não conseguem acessar o sistema linfático ou vascular da paciente. Por isso, os cânceres desse tipo têm potencial muito baixo de metástase e não oferecem risco de morte.
Estima-se que aproximadamente 20% dos novos casos de câncer de mama serão de carcinoma ductal in situ.
Novo protocolo de tratamento do câncer
Ao acompanhar 673 pacientes com carcinoma ductal in situ, os pesquisadores da Universidade de Duke observaram que o tratamento padrão — cirurgia seguida por radioterapia — faz pouca diferença na progressão ou não do câncer e na sobrevivência das mulheres. Eles passaram a defender que poupar a paciente de tratamentos invasivos pode garantir melhor qualidade de vida.
O estudo comparou mulheres que receberam as terapias padrão com aquelas que receberam uma abordagem de “observar e esperar”. Todas tiveram a saúde monitorada por meio de exames físicos e de tomografia a cada seis meses, ao longo de dois anos.
Ao final do período, os resultados mostraram que o grupo de mulheres que não foi tratado não apresentou risco maior de desenvolver a forma mais invasiva do câncer do que aquelas que receberam tratamento.
“Há um crescente conjunto de evidências de que nem todos os carcinoma ductal in situ estão destinados a progredir”, disse a principal autora do estudo, Eun-Sil Shelley Hwang, quando o estudo foi apresentado, durante o Simpósio sobre Câncer de Mama de San Antonio, nos Estados Unidos.
Durante o estudo, as mulheres no grupo de monitoramento podiam optar por fazer a cirurgia a qualquer momento. O procedimento também poderia ser realizado se o tumor mostrasse sinais de progressão invasiva. As voluntárias também poderiam escolher por receber terapia hormonal.
Os resultados mostraram que 8,7% das mulheres do grupo que recebeu tratamento foram diagnosticadas com câncer de mama invasivo. Isso significa que o câncer se espalhou de onde começou para o tecido normal circundante. Ao mesmo tempo, apenas 3,1% das pacientes do grupo de monitoramento — que não fez cirurgia nem radioterapia — evoluíram.
Cerca de sete em cada dez mulheres (71,3%) do grupo de monitoramento ativo optaram por receber tratamento hormonal, em comparação com 65,5% no grupo padrão.
Médicos oncologistas ouvidos pelo Metrópoles acreditam que os resultados do estudo podem contribuir para a atualização do protocolo do tratamento do câncer de mama do tipo carcinoma ductal in situ.
O oncologista Romualdo Barroso, médico do Hospital Brasília, da Dasa, explica que o câncer, por definição, é uma neoplasia maligna em que as células cancerosas invadem um tecido vizinho. No caso do carcinoma ductal in situ, as células têm algumas características do câncer, mas não possuem a sua habilidade fundamental, que é a capacidade de invasão.
“O fato delas não invadirem o tecido vizinho e não serem consideradas um câncer ou um carcinoma invasivo impede que causem metástases. Nem todos os carcinoma ductal in situ vão se transformar em câncer invasivo. Portanto, essa pergunta, ‘se é de fato necessário operar todas essas mulheres?’, é uma pergunta importante, porque provavelmente a gente está super tratando uma população que poderia ser apenas acompanhada”, avalia Barroso.
O oncologista João Nunes, da Oncoclínicas Brasília, concorda. “Nesse espectro evolutivo, o único estágio que apresenta risco de morte para a paciente é o carcinoma invasivo. Porém, grande parte dos tumores do tipo carcinoma in situ nunca evolui para carcinoma invasivo, não sendo, teoricamente, necessário nenhum procedimento local”, afirma Nunes.
Como é o tratamento hoje?
De forma geral, o tratamento das pacientes com carcinoma ductal in situ é feito com cirurgia seguida de radioterapia e terapia endócrina com bloqueio hormonal por três anos.
Os pesquisadores alegam que esta é uma abordagem bastante invasiva e com efeitos colaterais para um câncer com baixo risco de se desenvolver para formas mais graves.
“A prática atual pode resultar no tratamento excessivo de mulheres cujos tumores apresentam baixo risco de progressão. Isso pode levar a dor crônica, alteração da imagem corporal, redução da qualidade de vida e outros efeitos colaterais que podem ser evitados”, considerou a professora Hwang.
O oncologista Romualdo Barroso destaca que a cirurgia da mama evoluiu muito. Atualmente é possível fazer operações muito menos invasivas, mesmo quando uma maior quantidade de tecido precisa ser retirada. Contudo, a cirurgia não está isenta de riscos, com complicações imediatas, como de desconfortos que podem incluir dor, alteração de sensibilidade local e insatisfação com o resultado estético.
“O Brasil é um dos países com melhores técnicas de reconstrução e de oncoplástica. Os mastologistas brasileiros são referência mundial, mas a cirurgia é sempre mais agressiva do que uma observação”, avalia Barroso.
Tratamento sem cirurgia?
A pesquisadora Eun-Sil Shelley Hwang aponta que mais estudos precisam ser feitos para comprovar suas conclusões, mas está otimista. “O ponto importante a ser destacado é que esses são resultados iniciais. Embora os resultados sejam provocativos, não creio que eles sejam uma mudança prática ainda, mas se esses resultados forem replicados em estudos posteriores, acredito que eles mudarão a prática médica. Vou ser otimista e dizer que isso pode acontecer em cinco anos”, avalia.
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