Morador de favela toma mais vitaminas e evita kit Covid, diz estudo
Pesquisa do Outdoor Social também mostra que 89% dos habitantes de comunidade querem se vacinar e 70% recorrem aos postos de saúde
atualizado
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Um levantamento inédito realizado pelo Instituto Outdoor Social Inteligência (centro de pesquisas especializado na classe C) indica que a pandemia do coronavírus provocou mudanças nos hábitos de saúde em moradores de 14 das favelas com maior potencial econômico do Brasil. Entre essas mudanças estão o aumento do medo da contaminação pelo vírus, maior consumo de vitaminas e busca pelos postos de saúde.
A pesquisa entrevistou – entre junho de 2020 e abril de 2021, por telefone – 435 pessoas de comunidades das cidades de Porto Alegre (RS), Curitiba (PR), São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Salvador (BA), Recife (PE), Fortaleza (CE), São Luís (MA) e Belém (PA).
Um dos resultados do estudo, encomendado pelo G10 Favelas (bloco de líderes e empreendedores de impacto social das comunidades), mostra que 60% dos entrevistados mudaram perfil de consumo e compra de medicamentos em decorrência da Covid-19. Quase metade da população analisada (ou 51%) passou a consumir vitaminas como forma de suplementação para fortalecer o sistema imunológico.
Além disso, 13,3% dos entrevistados começaram a fazer estoque de remédios em casa e 6,1% afirmam ter comprado o chamado kit Covid, que inclui medicamentos sem comprovação científica de eficácia contra a Covid-19.
Na última quarta-feira (14/7), o Ministério da Saúde admitiu, em parecer enviado à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 no Senado, que a hidroxicloroquina e os demais medicamentos que compõem o kit Covid não funcionam contra a doença. Ao todo, na pesquisa do instituto, 39,4% dos entrevistados afirmaram que não mudaram em nada seus hábitos de consumo de medicamentos.
Edna Cavalcante de Souza, de 38 anos, representa esse grupo. Moradora de Heliópolis, em São Paulo, a tapeceira relata que durante a pandemia começou a consumir mais vitaminas para reforçar o sistema imunológico, mas não tomou apenas esse cuidado. “Tenho que sair para trabalhar todo dia e levo minhas filhas na escola, então faço tudo que tem que fazer: lavo bem as mãos, uso álcool em gel, máscara o tempo todo, sempre confiando em Deus”, destaca, em entrevista ao Metrópoles.
Para Emilia Rabello, fundadora do Outdoor Social Inteligência, os dados da pesquisa mostram uma face pouco conhecida da maioria da população brasileira sobre a realidade de moradores de favelas. “É muito interessante quando a gente olha para os receios da população com a saúde. A favela preferiu comprar vitaminas a consumir o kit Covid, que não tem comprovação científica”, destaca a especialista em comunicação com a periferia.
O que Edna observou em sua comunidade e também chamou a atenção dos pesquisadores é a adesão à vacina e a busca pelo posto de saúde. Embora 59% dos entrevistados não tenham se vacinado (ao todo, 41% se imunizaram, sendo 15,5% com as duas doses e 25,5% apenas com a primeira)), a pesquisa aponta que 89% dos entrevistados querem tomar a vacina, ante 11% que não querem. Há também indicativo de que a cobertura vacinal nas favelas acompanha o planejamento por idade.
Edna tomou a primeira dose da vacina AstraZeneca no início do mês de julho. Ela conta que se admirou com a rapidez da vacinação em sua comunidade: “Quando passo pelo posto de saúde sempre está cheio. Eu nem esperava me vacinar neste ano, foi uma surpresa para mim”, enfatiza.
De acordo com o estudo, o posto de saúde público é o mais procurado pelas pessoas que vivem nas comunidades analisadas. Quando há problemas de saúde, 70% dos entrevistados afirmam que recorrem ao posto, enquanto 8,4% vão ao médico do plano de saúde e 17% buscam o atendimento das farmácias para solucionar o problema.
Segundo Emilia, é importante e estratégico que a vacinação avance mais rápido nas comunidades, tendo em vista o arranjo urbanístico delas, carência de saneamento e serviços básicos, além de serem a morada de boa parte dos trabalhadores dos grandes centros urbanos. “É uma forma de controlar a disseminação de forma mais rápida. As pessoas que moram nas favelas trabalham nos supermercados, nos transportes públicos, são porteiros, faxineiros, motoristas de aplicativo. São pessoas mais expostas e vulneráveis”, ressalta.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta que o controle da disseminação do coronavírus é mais complicado em locais como as favelas: a população costuma morar em espaços menores, divididos com mais pessoas, e fica difícil manter o distanciamento social ou se isolar no caso de infecção.
Outro dado destacado na pesquisa aponta que, depois de um ano de pandemia, o medo da contaminação pelo vírus aumentou para 53% dos entrevistados — somente 12% informaram não ter medo. Por outro lado, aumentou o número de pessoas que não fazem quarentena em relação ao ano passado. Entre os que estão mantendo o isolamento, subiu a quantidade de pessoas que informam fazer isso para não contaminar outras pessoas: foram registrados 13% em 2020 e 29% em 2021.
Edna, novamente, está nesse grupo de cuidadosos. “Vejo que aqui na comunidade onde moro quase ninguém usa máscara, muitos vão para o bar e aglomeram. Mas eu acredito que o importante é cuidar do próximo. A gente só vai sair dessa pandemia juntos, então temos que manter todos os cuidados, usar máscara, passar álcool em gel, se vacinar, todas essas coisas”, aconselha.
A comunicadora Emilia acompanha a reflexão de Edna: “As pessoas que moram nas favelas sabem que o sistema de saúde é frágil e não querem ter que passar por isso. A pessoa se protege porque também não quer contaminar seus familiares”, pontua.
“Quando falo de favela, quando falo de comunidade, me refiro a um senso comum de grupo. Eu pertenço a você, é muito maior na ideia de centro de comunidade do que o senso que você tem no condomínio, num prédio na Zona Sul de São Paulo, na Zona Sul do Rio de Janeiro. As pessoas nas favelas se conhecem, têm vínculos de confiança. Eu te protejo porque eu te conheço, porque eu tenho empatia por você”, acrescenta.