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MicroRNA: como estudo que levou Nobel de Medicina pode curar doenças

O microRNA é uma nova classe de moléculas de RNA que desempenham papel importante na regulação genética. Descoberta levou Nobel de Medicina

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Foto: Steffen Trumpf/dpa/picture alliance
Imagem mostra um auditório e no telão as fotos de Victor Ambros e Gary Ruvkun que ganharam o prêmio nobel de 2024. Metrópoles
1 de 1 Imagem mostra um auditório e no telão as fotos de Victor Ambros e Gary Ruvkun que ganharam o prêmio nobel de 2024. Metrópoles - Foto: Foto: Steffen Trumpf/dpa/picture alliance

*O artigo foi escrito pela professora associado de Ciências Biológicas da Universidade Purdue, Andrea Kasinski, e publicado na plataforma The Conversation Brasil.

Quando Victor Ambros e Gary Ruvkun descobriram uma nova molécula que chamaram de microRNA na década de 1980, foi uma divergência fascinante do que durante décadas foi chamado de dogma central da biologia molecular.

Reconhecidos com o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 2024, Ambros e Ruvkun identificaram um novo tipo de material genético que transformou a forma como os pesquisadores entendiam a regulação dos genes.

Assim como o DNA, o RNA é uma forma de material genético feito de nucleotídeos individuais ligados em cadeias. De acordo com o dogma central, a informação genética flui em uma direção: O DNA é transcrito em RNA, e o RNA é traduzido em proteínas. Mas em um grande desvio do dogma central da biologia molecular, alguns RNAs nunca são traduzidos ou codificados em proteínas.

O MicroRNA é um tipo desses chamados RNAs não codificadores. São pequenos trechos de material genético que, em vez de codificarem uma proteína específica, controlam os RNAs que codificam as proteínas. De fato, os microRNAs ativam e desativam determinados genes.

Eu dediquei minha carreira científica a entender como o RNA funciona, em parte porque a pesquisa sobre o RNA ficou para trás dos estudos de outras macromoléculas, como o DNA e as proteínas. O reconhecimento das moléculas de microRNA pelo Prêmio Nobel marca tanto sua importância na biologia quanto sua promessa para o desenvolvimento de possíveis tratamentos para várias doenças, inclusive o câncer.

MicroRNAs e doenças

Os cientistas consideram os microRNAs como os reguladores principais do genoma devido à sua capacidade de se ligar e alterar a expressão de muitos RNAs codificadores de proteínas. De fato, um único microRNA pode regular de 10 a 100 RNAs codificadores de proteínas. Em vez de traduzir o DNA em proteínas, eles podem se ligar a RNAs codificadores de proteínas para silenciar genes.

A razão pela qual os microRNAs podem regular um conjunto tão diverso de RNAs decorre de sua capacidade de se ligar a RNAs-alvo com os quais não se encaixam perfeitamente. Isso significa que um único microRNA pode, muitas vezes, regular um conjunto de alvos envolvidos em processos semelhantes na célula, levando a uma resposta aprimorada.

Como um único microRNA pode regular vários genes, muitos microRNAs podem contribuir para doenças quando se tornam disfuncionais.

Em 2002, pesquisadores identificaram pela primeira vez o papel que microRNAs disfuncionais desempenham nas doenças por meio de pacientes com um tipo de câncer no sangue e na medula óssea chamado leucemia linfocítica crônica. Esse câncer resulta da perda de dois microRNAs normalmente envolvidos no bloqueio do crescimento das células tumorais. Desde então, cientistas identificaram mais de 2 mil microRNAs em pessoas, muitos dos quais são alterados em várias doenças.

O campo desenvolveu uma compreensão bastante sólida de como a disfunção do microRNA contribui para as doenças. A alteração de um microRNA pode afetar vários outros genes, resultando em uma infinidade de alterações que podem remodelar coletivamente a fisiologia da célula. Por exemplo, mais da metade de todos os cânceres apresenta atividade significativamente reduzida em um microRNA chamado miR-34a. Como o miR-34a regula muitos genes envolvidos na prevenção do crescimento e da migração das células cancerosas, a perda do miR-34a pode aumentar o risco de desenvolver câncer.

Os pesquisadores estão estudando o uso de microRNAs como terapêutica para câncer, doenças cardíacas, doenças neurodegenerativas e outras. Embora os resultados em laboratório tenham sido promissores, a introdução de tratamentos com microRNA na prática clínica tem enfrentado vários desafios. Muitos deles estão relacionados à ineficiências na sua entrega nas células-alvo e à baixa estabilidade, o que limita sua eficácia.

Diagrama mostrando um loop de ligação de microRNA a uma fita de mRNA enquanto está sendo traduzida do DNA
O microRNA pode silenciar genes ligando-se ao RNA mensageiro (mRNA).
Kajsa Mollersen/Wikimedia Commons, CC BY-SA

Levando o microRNA às células

Um dos motivos pelos quais a administração de tratamentos de microRNA nas células é difícil é o fato de que eles precisam ser aplicados especificamente nas células doentes, evitando as células saudáveis. Diferentemente das vacinas de mRNA contra a COVID-19, que são absorvidas por células imunológicas que as eliminam e cuja função é detectar materiais estranhos, os tratamentos com microRNA precisam enganar o corpo, fazendo-o pensar que não são estranhos, para evitar o ataque imunológico e chegar às células a que se destinam.

Cientistas estão estudando várias maneiras de levar tratamentos de microRNA para suas células-alvo específicas. Um método que está atraindo muita atenção baseia-se na conexão direta do microRNA a um ligante, um tipo de molécula pequena que se une a proteínas específicas na superfície das células. Em comparação com células saudáveis, células doentes podem ter um número desproporcional de algumas proteínas na sua superfície, ou receptores. Assim, os ligantes podem ajudar os microRNAs a se concentrarem especificamente nas células doentes, evitando as células saudáveis. O primeiro ligante aprovado pela Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA (FDA) para fornecer pequenos RNAs como microRNAs, N-acetilgalactosamina, ou GalNAc, fornece preferencialmente RNAs às células do fígado.

A identificação de ligantes que possam levar pequenos RNAs a outras células requer a descoberta de receptores expressos em níveis suficientemente altos na superfície das células-alvo. Normalmente, são necessárias mais de um milhão de cópias por célula para que o fármaco seja distribuído de forma suficiente.

Um ligante que se destaca é o folato, também conhecido como vitamina B9, uma pequena molécula essencial durante períodos de rápido crescimento celular, como o desenvolvimento fetal. Como algumas células tumorais têm mais de um milhão de receptores de folato, esse ligante oferece oportunidade para fornecer uma quantidade suficiente de RNA terapêutico para atingir diferentes tipos de câncer. Por exemplo, meu laboratório desenvolveu uma nova molécula chamada FolamiR-34a – folato ligado ao miR-34a – que reduziu o tamanho dos tumores de câncer de mama e de pulmão em camundongos.

Imagem de microscopia justapondo células endoteliais com extensões que brotam para formar novos vasos sanguíneos e uma célula banhada em microRNA incapaz de brotar
Tumores podem explorar células saudáveis para desenvolver vasos sanguíneos que lhes fornecem nutrientes, como visto nas células endoteliais à esquerda com extensões que brotam. A exposição dessas células a determinados microRNAs, no entanto, pode desativar esse crescimento, como visto na célula à direita.
Dudley Lab, University of Virginia School of Medicine/NIH via Flickr, CC BY-NC

Tornando os microRNAs mais estáveis

Um dos outros obstáculos para o uso clínico de pequenos RNAs é sua baixa estabilidade, que leva à sua rápida degradação. Dessa forma, os tratamentos baseados em RNA geralmente têm vida curta no corpo e exigem doses frequentes para manter um efeito terapêutico.

Para superar esse desafio, os pesquisadores estão modificando pequenos RNAs de várias maneiras. Embora cada RNA exija um padrão de modificação específico, as alterações bem-sucedidas podem aumentar significativamente sua estabilidade. Isso reduz a necessidade de administrações frequentes e, consequentemente, diminui a carga e o custo do tratamento.

Por exemplo, GalNAc-siRNAs modificados, outra forma de pequenos RNAs, reduz a dosagem de alguns dias para uma vez a cada seis meses em células que não se dividem. Minha equipe desenvolveu ligantes de folato conectados a microRNAs modificados para tratamento de câncer que reduziram as aplicações de uma vez a cada dois dias para uma vez por semana. Para doenças como o câncer, em que as células se dividem rapidamente e diluem o microRNA fornecido, esse aumento na atividade é um avanço significativo no campo. Prevemos que essa conquista facilitará o desenvolvimento desse microRNA ligado ao folato como um tratamento contra o câncer nos próximos anos.

Muitos laboratórios estão trabalhando para desenvolver tratamentos com base nas descobertas que os ganhadores do Prêmio Nobel Ambros e Ruvkun fizeram décadas atrás. Embora ainda haja um trabalho considerável a ser feito para superar os obstáculos associados aos tratamentos com microRNA, está claro que o RNA é promissor como terapia para muitas doenças.

Esta é uma versão atualizada de um artigo originalmente publicado em 29 de novembro de 2023.The Conversation

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