Medicamentos para melanoma no SUS são pouco eficazes, diz estudo
A pesquisa, realizada pelo Instituto Oncoguia, mostra que 98% dos remédios usados contra o câncer de pele na rede pública são defasados
atualizado
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Uma pesquisa realizada pelo Instituto Oncoguia (ONG que reúne profissionais de saúde e pacientes de câncer) em parceria com o CliqueSUS descobriu que 98% dos medicamentos prescritos para tratar melanoma no Sistema Único de Saúde (SUS) é “pouco eficaz” na batalha contra a doença. O melanoma, tipo de câncer de pele menos comum, mas mais agressivo, foi responsável pela morte de 1.794 pacientes em 2018, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA).
De acordo com o levantamento, quase todas as medicações usadas no tratamento de pacientes com melanoma metastático na rede pública são quimioterápicos antigos e pouco eficazes. O padrão internacional, com imunoterapia, já foi incorporado pela saúde suplementar e tem medicamentos aprovados pela Anvisa — só não chegaram ainda ao SUS.
“O melanoma é um dos tipos de câncer com maiores avanços na área de imunoterapia nos últimos 10 anos. É algo ainda recente, portanto, caro. Mas o SUS está atrasado cerca de cinco anos em relação à saúde suplementar”, afirma Rafael Kaliks, oncologista do Hospital Albert Einstein e diretor científico voluntário do Oncoguia.
Kaliks ressalta que o Ministério da Saúde define uma Diretriz Diagnóstica de Terapêutica (DDT) para cada doença. Nela, estão as orientações para linhas de tratamento possíveis de serem adotadas. Na rede pública, o médico pode prescrever qualquer medicamento aprovado pela Anvisa, mesmo que não esteja nas DDTs. Porém, o governo só pagará ao hospital valores correspondentes aos dos remédios que estão listados nas diretrizes.
O problema é que a DDT para os casos de melanoma foi atualizada pela última vez em 2013. Os medicamentos estão, portanto, já ultrapassados. Desde 2017, existe uma demanda pendente para inserir imunoterapias no tratamento da doença. O pedido da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) ainda não foi analisado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec).
Para a incorporação de medicamentos contra o câncer no SUS, o produto precisa ter sido, em primeiro lugar, aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em seguida, se faz um pedido para a Conitec — normalmente, a demanda é feita pela SBOC ou pela indústria. O órgão então decide se o remédio entrará no rol oferecido pela rede pública.
“A partir desse momento, o Ministério da Saúde chama a indústria para negociar ou o próprio hospital fica encarregado de fazer a compra. O ideal era adquirir o medicamento de forma centralizada porque, quando isso não acontece, o hospital fica responsável e ele não costuma ter essa verba disponível”, explica Luciana Holtz, presidente do Instituto Oncoguia.
Kaliks ressalta que, assim como no caso do melanoma, os avanços no tratamento de outros tipos de câncer, já efetivos pelo mundo, não chegaram à rede pública. Para o combate ao câncer de pulmão, por exemplo, os remédios usados no SUS estão antiquados, mas o tratamento oferecido ainda ajuda os pacientes. “Em melanoma, ou você trata com imunoterapia ou dá um medicamento ineficiente. O que acontece hoje é um pecado, uma tragédia”, completa.
“Sabíamos que os tratamentos eram ultrapassados, mas não esperávamos uma porcentagem tão alta. Fizemos a pesquisa e a divulgação com muito cuidado para não assustar o paciente que está se tratando. Mas é a realidade. Queremos que o melhor seja oferecido e os pacientes sejam beneficiados”, afirma Luciana.
Para mudar a situação
Segundo Kaliks, o caminho para resolver o problema passa pelo Ministério da Saúde e pela indústria farmacêutica. O governo precisa reconhecer a necessidade e a maior eficácia das medicações novas e negociar com a indústria, afirma o profissional. As fabricantes dos medicamentos, por sua vez, precisam flexibilizar os preços para que o poder público possa arcar com esses custos.
“O SUS atende 170 milhões de pessoas. É um número enorme de pacientes, o que deve ajudar na negociação. Existem exemplos de sucesso, como nos remédios para hepatite e HIV. O que o governo não pode fazer é gastar dinheiro em uma droga que não serve mais”, afirma. Kaliks diz ainda que o Ministério da Saúde precisa estabelecer critérios claros para a incorporação de novos medicamentos.
Em nota, a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) explica que a fixação de preços é feita pelo governo e, durante as transações para a incorporação no SUS, existe um desconto obrigatório de 20,16%. A entidade alega que o número costuma ser ampliado, passando de 50%, de acordo com a demanda pela terapia. “Sempre nos colocamos à disposição para negociar não só preços, mas também possibilidades de acesso, em busca de soluções para garantir os melhores tratamentos à população brasileira”, diz o texto.
O Ministério da Saúde, também em nota, esclarece que o SUS ampara o paciente não só com medicamentos, mas também procedimentos cirúrgicos, radioterapia e quimioterapia, de acordo com o tipo e o estágio tumoral. “Vale salientar que, no caso do melanoma, a quimioterapia tem finalidade paliativa, dependendo do medicamento utilizado. Em relação aos procedimentos quimioterápicos, é importante esclarecer que a tabela SUS não faz referência a nenhum medicamento. O Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde não padronizam e nem fornecem medicamentos para tratamento do câncer diretamente aos hospitais ou aos usuários da rede pública de saúde.”
O vice-presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), Gustavo Fernandes, afirma que, na maior parte das vezes, o ministério paga o hospital de acordo com o que está previsto na autorização de procedimento de alto custo e o centro trata o cliente como preferir. Mas ressalta que algumas medicações são centralizadas.
“Essa nota é uma forma de tangenciar a responsabilidade, passando-a para o hospital”, afirma. “A informação do Oncoguia é verdadeira. Não existe nenhum tratamento com imunoterapia para melanoma disponível no SUS, o que é absolutamente lamentável e faz com que os pacientes vivam menos. O outro lado disso, em que pesa a responsabilidade do ministério de segurar as contas, é que os tratamentos são caros de uma forma obscena”, finaliza.