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Médica rebate Bolsonaro: “Tomar vacina não é decisão pessoal. É coletiva”

Integrante da Sociedade Brasileira de Imunizações considera que afirmação do presidente sobre a vacina da Covid-19 pode levar à insegurança

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O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) provocou nova polêmica ao afirmar que ninguém será obrigado a receber a vacina contra a Covid-19. “A vacina, ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”, disse em resposta a uma apoiadora no jardim do Palácio da Alvorado, na segunda-feira (31/8). No dia seguinte, a fala foi reproduzida em suas redes sociais pela Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República.

Em nota, a Sociedade Brasileira de Imunizações(SBIm) afirmou que entende ser “dever das autoridades públicas e dos profissionais da saúde conscientizar a população acerca da importância da vacinação, independentemente da obrigatoriedade, sob pena de vivermos retrocessos como a volta do sarampo devido às baixas coberturas vacinais”.

A entidade lembrou que é dever de cada pessoa buscar a vacinação com o objetivo não apenas da proteção individual, mas também coletiva. Em entrevista ao Metrópoles, a pediatra Isabella Ballalai, vice-presidente da SBIm mostrou preocupação com o posicionamento do chefe do executivo.

A fala do presidente desestimula as pessoas a se imunizarem?
Eu não acredito que faça ninguém mudar de ideia, mas levanta uma discussão que pode levar a dúvidas e, quem sabe, fazer com que algumas pessoas entendam que tem alguma coisa perigosa nisso. Apesar da obrigatoriedade da vacina ser necessária em situações muito pontuais, trazer isso para discussão pode levar à insegurança, desinformação e preocupações que não existem.

Pesquisas mostram que 90% dos brasileiros questionados sobre a vacina da Covid-19 disseram que a tomariam. A gente não tem que estar preocupado se vai ser obrigatório ou não. A gente tem que estar preocupado em informar adequadamente a população, em garantir que os critérios técnicos e científicos não serão menosprezados pela urgência da vacinação e em esclarecer que é necessário esperar resultados para ter respostas.

Tomar a vacina é uma escolha pessoal?
É uma escolha coletiva. A decisão de se vacinar precisa passar não só pela intenção de se proteger, como também pela intenção de se atingir uma proteção coletiva.

O Estado pode intervir e obrigar que as pessoas sejam imunizadas?
O Brasil tem uma lei que diz que todos são obrigados a se vacinar. A vacinação de crianças e adolescentes no Brasil é direito no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990) e a família que decidir não vacinar seus filhos tem previstas penalidades, inclusive multas. Em relação ao adulto, não existe penalidade.

A gente está em um país que é favorável à vacinação. Nunca houve uma preocupação em relação à penalidade do adulto, mas está previsto em documento de fevereiro de 2020, da Presidência, que uma das estratégias que podem ser adotadas contra a pandemia é a vacinação. Então, o governo pode obrigar as pessoas a se vacinarem.

Qual é o papel das vacinas para o controle de epidemias?
Existe um trabalho na África que serve de alerta para a gente: para cada criança que morre de Covid-19 na África, 84 morrem de doenças que poderiam ser prevenidas por vacinas.

Com o cenário da Covid-19, a gente vê que o isolamento é necessário, o medo de sair de casa e não entender que a vacina continua na rotina ou não ser informado sobre isso e achar que dá para postergar (a vacinação) tem feito com que as nossas coberturas atuais estejam em torno de 40 a 50% entre as crianças menores de 1 no.

É uma urgência que o Ministério já está trabalhando, no sentido de resgatar essas crianças. Em outubro tem campanha, mas a gente não pode esperar. É preciso levar as crianças para o posto com segurança.

Quais doenças foram controladas com vacinas no Brasil?
Todas as infecções para as quais a gente tem vacinas no calendário do SUS foram bem controladas. A meningite caiu em 70%; não temos poliomielite desde os anos 1970. Com cobertura de 40 a 50% para a pólio, o Brasil passa a estar em risco de ver um retorno da doença.

A rubéola congênita e o tétano neonatal estão eliminados. Até pouco tempo o sarampo era uma doença suprimida, mas a cobertura vacinal caiu.

Qual é a cobertura ideal para eliminar uma doença?
Você tem que ter, no mínimo, 95% da cobertura da população. Exceto a febre amarela – que é uma doença transmitida pelo mosquito e não de pessoa para pessoa, então a gente considera o ideal de 100% da população – e para o HPV, que a meta hoje é de 80%.

Quando a gente discute as baixas coberturas, que estão caindo desde 2015 no Brasil, é porque a gente quer manter essas doenças eliminadas.

Essa mesma cobertura deve ser aplicada para o controle da Covid-19?
Ainda não há esse dado em relação à vacina da Covid-19. Primeiro é preciso entender que são diferentes vacinas, nós não teremos apenas uma. Por exemplo: a gente pode ter fabricantes diferentes de uma vacina contra meningite, por exemplo, mas todas com o mesmo perfil de eficácia e segurança.

No caso da vacina Covid-19, teremos várias vacinas. Algumas estão em fase mais avançada. Mas, sem resultados de fase 3, ainda existem muitas dúvidas. Há a necessidade desses dados para a gente definir a estratégia, vacinar o grupo de risco, quem mais transmite, são muitas dúvidas ainda…

Como a cobertura impede o surto de doenças?
A população não vacinada representa uma porta aberta para a entrada de uma doença infecciosa, como a gente viu com o sarampo. Quando tínhamos boas coberturas – com 98% da população imunizada –, a gente teve casos de brasileiros que viajaram para a Europa e voltaram com sarampo ou europeus que vieram para o Brasil com a doença e isso não representava mais de quatro ou cinco casos.

Na maioria das vezes, não gerava nem um segundo caso porque essa pessoa encontrava todo mundo vacinado e aqueles que, por ventura, não se vacinaram ou não ficaram protegidos tinham uma barreira em volta deles. Agora, se todo mundo quiser se proteger baseado na vacinação dos outros e os outros não querem se vacinar, não ficaremos protegidos. Então, todos precisam se vacinar.

Quais fatores fazem o brasileiro não se vacinar?
As coberturas de 90% mostram que o brasileiro acredita em vacina. São outros fatores que fazem ele deixar de se vacinar, como a falta da dose ou informações incorretas. O mais comum é não saber que precisa vacinar, não ser impactado com a informação, esquecer e a falsa impressão de que as doenças não são mais de risco, principalmente entre os jovens e adultos

Esse é o nosso maior problema no Brasil, não é o antivacinismo ou uma população contra a vacina. Por isso, obrigar uma pessoa a se vacinar nunca foi a nossa principal estratégia. Isso existe para situações muito pontuais.

Pessoas imunodeprimidas são prejudicadas quando há baixa adesão à vacina?
As pessoas imunodeprimidas por um lado não podem tomar algumas vacinas. Por outro, têm uma recomendação reforçada para outras. Então, é importante conhecer esses calendários para cada situação.

Tem um caso que ilustra bem isso. Uma jovem francesa tinha uma doença com imunodepressão, lutou a vida toda e recebeu um transplante de coração no início da infância e morreu de sarampo porque a cobertura vacinal na cidade dela era muito baixa e ela não podia se vacinar. Ela não teve a chance de se proteger e ninguém se preocupou com ela. Quando você deixa de se vacinar, você não está se preocupando com as pessoas que estão ao seu redor.

Qual é a estratégia adotada hoje para campanhas de vacinação?
Uma boa comunicação, uma estrutura com mais de 36 mil salas de vacinação no país. Essa é a estratégia brasileira.

A imunização tem impacto em outros setores, como na educação e na economia de um país?
A gente retrocede ao ter de volta essas infecções que matavam nossas crianças, hospitalizavam, é uma inconsequência para a saúde dessas pessoas, principalmente.

Há 30 anos, da mesma forma que a gente está vendo alas de Covid-19, eram alas de poliomielite. Todas essas doenças (sarampo, difteria), a gente tinha uma sobrecarga muito grande na estrutura de saúde pública. A gente se livrou delas e isso faz com que outras doenças sejam melhor atendidas. Tê-las de volta é uma situação muito grave para a estrutura da saúde pública e isso leva a questões econômicas e sociais.

As vacinas contra a Covid-19 estão sendo desenvolvidas em tempo recorde. A população tem motivos para ter desconfiança sobre a segurança delas?
A urgência trouxe essa coisa do empenho, a dedicação total em um curto período de tempo. Agora, não se pode jamais pular etapas que garantem que a vacina seja segura e eficaz.

A população pode ficar tranquila quando a gente tiver publicações sobre a fase 3. Aí, sim, a gente vai dar informações para a população de que a vacina é segura e eficaz. O que a população tem que exigir é que nenhuma etapa dos estudos seja pulada.

Como aumentar a confiança da população nas vacinas?
Para todas as vacinas que a gente tem na rotina existe a vigilância de efeitos adversos, isso é feito no mundo inteiro. Os eventos adversos graves com vacinas são muito raros. A maioria das notificações não são confirmadas como eventos relacionados à vacina, mas outras situações coincidentes com a vacina.

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