Fibrose cística: crianças e adolescentes são os mais afetados pela doença no DF
Mutação genética não tem cura e atinge, principalmente, pulmões, pâncreas e o sistema digestivo. Quanto mais cedo o diagnóstico, melhor
atualizado
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A data de 5/9 foi escolhida para ser o Dia Nacional de Conscientização e Divulgação da Fibrose Cística. O Registro Brasileiro de Fibrose Cística (REBRAFC) contabiliza mais de cinco mil brasileiros com a doença. No Distrito Federal, segundo a Associação Brasiliense de Amparo ao Fibrocístico, são atendidos 178 pacientes na rede pública e privada de saúde, entre eles mais de 50% são crianças e adolescentes.
Também conhecida como Doença do Beijo Salgado ou Mucoviscidose, a mutação genética crônica afeta, principalmente, pulmões, pâncreas e sistema digestivo. Dados divulgados pelo governo federal apontam que um a cada 10 mil brasileiros são portadores da fibrose cística. A doença não tem cura.
O DF possui dois centros de referência no tratamento da fibrose cística. Ambos fazem parte da Rede de Saúde e prestam atendimento público. Segundo a Secretária de Saúde, os casos infantis são direcionados ao ambulatório do Hospital da Criança de Brasília (HCB), que atende 90 crianças e adolescentes. O outro centro de referência fica no Hospital de Base, onde são atendidos, em média, 60 pacientes.
Entenda o que é a fibrose cística:
Vida normal
Um dos pacientes atendidos no HCB é o Fábio Silva Dantas Junior (foto de destaque), de 17 anos. Ele foi diagnosticado com a fibrose cística com nove meses de vida por meio do teste de suor. A mãe do adolescente, Raniele Vieira Dantas, conta que os primeiros sintomas do filho apareceram quando ele tinha apenas um mês de nascido, mas como a família não sabia o que era, o quadro clínico era confundido com pneumonia.
Por conta do diagnóstico tardio, ele precisou ser internado várias vezes e passou por alguns procedimentos na infância, como uma gastrostomia (cirurgia que liga o estômago à parede abdominal) e a retirada do pulmão esquerdo.
O diagnóstico foi um choque para Raniele, que na época não tinha conhecimento sobre a condição de saúde do filho único e o medo de uma doença que não tem cura a preocupou. “Foi um momento difícil e de muitas inseguranças, pois nós nunca tínhamos ouvido falar sobre a doença, e as minhas pesquisas na internet me deixaram assustada, pois tudo que eu lia era que meu filho iria morrer antes dos 10 anos”, relata a dona de casa.
O início do tratamento foi outro desafio que precisou ser enfrentado pela família do Fábio. A mãe do adolescente estava disposta a tudo para garantir que o filho tivesse uma vida normal. Na época, ela trabalhava em um escritório de contabilidade e decidiu sair do emprego para se dedicar integralmente ao menino.
“A infância do Fábio foi muito tranquila. Apesar do tratamento e das internações constantes, ele sempre foi uma criança ativa”, relembra Raniele.
Além das medicações e suplementos, Fábio faz uso de oxigênio 24 horas por dia e realiza fisioterapia respiratória diariamente. O estudante também é acompanhado de perto por uma equipe composta por pneumologista, gastroenterologista, fisioterapeuta, psicólogo, nutricionista, assistente social, enfermeira, cardiologista e dentista.
O adolescente está no terceiro ano do ensino médio. No seu dia a dia, além das obrigações com o tratamento, ele assiste às aulas, gosta de jogar no computador, brincar com o cachorro e praticar tênis de mesa.
“Sempre lidei bem, eu acho. Não adianta ficar reclamando mesmo”, diz. Para ele, a família e os amigos foram importantes nesse processo: “Eu nunca deixei de fazer algo por conta disso. E eu sempre sou incentivado a fazer qualquer coisa que queira”.
Diagnóstico precoce
Outra paciente que recebe atendimento no HCB é uma menina de 10 anos. O pai da criança, que prefere que a família não seja identificada, conta que na época em que a filha nasceu, em 2010, a fibrose cística ainda não era uma das condições para análise no teste do pezinho pela rede pública. A família, então, optou por solicitar um teste expandido junto à rede privada, o que se mostrou uma ótima decisão, pois detectou a doença logo no início.
O pai, que é servidor público, acredita que o rápido início do tratamento fez a diferença para garantir que a filha pudesse levar uma vida tranquila para uma criança da idade dela. “Posso afirmar que a adesão ao tratamento, com uso dos medicamentos recomendados, aliada a uma boa fisioterapia e atividades físicas regulares, é o que a leva a ter uma vida absolutamente normal, como outras crianças de sua idade, guardadas algumas poucas precauções”, avalia.
Mas ele também lembra que o começo do processo não foi fácil. “Contamos com o apoio da família e a boa orientação dos médicos, que deram início ao tratamento. Eles trabalharam o caso com bastante sensibilidade e humanidade, e buscaram nos transmitir esperança e confiança”, declara.
Ao longo da infância, a garota precisou ser internada em apenas três ocasiões por complicações próprias de sua condição. Em sua rotina diária, ela faz uso regular de enzimas pancreáticas nas refeições, vitaminas, inalação de solução salina hipertônica e medicamento para reduzir o espessamento do muco pulmonar, o que facilita sua eliminação pelo organismo. De acordo com o pai, a filha tem se engajado cada vez mais no tratamento por conta própria.
A menina está no sexto ano do ensino fundamental, e assim como outras crianças da sua idade gosta de brincar com amigos e praticar atividades físicas. Ela também tem uma irmã mais nova, de um ano, que foi gerada por meio de fertilização in vitro para evitar a possibilidade de nascer com a doença.
Estudo nos EUA
A graduanda em química Fernanda Gomide, de 22 anos, também é portadora da fibrose cística e teve o diagnóstico ainda recém-nascida por meio do teste do pezinho expandido. Ela conta que teve uma infância tranquila e nunca precisou se privar de algo por conta de complicações da doença. “Eu tenho ciência que isso é um privilégio, porque muitos pacientes com fibrose cística não chegam a ter essa leveza na vida por causa do tratamento”, avalia.
Fernanda se candidatou como voluntária de um estudo sobre a sua mutação genética na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. A oportunidade surgiu enquanto ela pesquisava informações para um trabalho da faculdade, que tinha como tema a fibrose cística.
“Ser voluntária nesse estudo me deixa muito feliz em poder ajudar nos avanços da medicina no tratamento para a minha doença. Quero que outras pessoas, assim como eu, tenham a oportunidade de ter uma vida normal”, comemora a estudante que está sendo avaliada pelos médicos que a acompanham no Hospital de Base sobre a possibilidade de viajar para a Califórnia (EUA) e participar da pesquisa.
Como forma de ajudar outros portadores e contar um pouco sobre a sua realidade com a doença, Fernanda criou uma página no Instagram onde ela compartilha sua rotina com os seguidores e fala sobre o tratamento:
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Investimento para o futuro
Segundo a pneumologista pediatra Luciana Monte é muito importante que o paciente mantenha o tórax fortalecido e o sistema respiratório com o mínimo de secreção, por meio de fisioterapia diária, associada a exercícios físicos e prática de esportes.
“O tratamento deve ser pensado como um investimento para o futuro. Quanto melhor o entendimento e a adesão terapêutica, mais chances de viver mais e melhor”, aponta ela, que é coordenadora do Centro de Referência em Fibrose Cística do HCB.
Além dos problemas respiratórios, os portadores da fibrose cística podem ter parte do pâncreas afetada, especialmente nos adolescentes e adultos, resultando em diabetes. O muco viscoso do intestino pode ocasionar obstrução intestinal, em alguns pacientes, especialmente logo ao nascer, um quadro chamado de íleo meconial, bloqueio do intestino delgado, que afeta cerca de 20% dos bebês com fibrose cística.
Em menor frequência, os indivíduos podem ter doença hepática e sintomas relacionados, como, por exemplo, icterícia nos primeiros meses de vida. Segundo a médica, nas últimas décadas tem ocorrido um grande avanço no tratamento da doença, o que traz esperança de um dia a fibrose cística ter cura.
A especialista afirma que há inovações no tratamento desses pacientes e que já existem medicamentos que corrigem os defeitos dos canais de cloro dentro das células, fazendo com que esses canais passem a funcionar, amenizando todos os problemas relacionados à doença.
“Os pacientes e familiares ensinam muito para a equipe multiprofissional. Uma das coisas que aprendi, ao longo dos anos, acompanhando centenas de pacientes, é que é possível viver bem, planejar o futuro, realizar sonhos, trabalhar e ter uma vida de qualidade”, finaliza.
(*) Thalita Vasconcelos é estagiária do Programa Mentor e está sob supervisão da editora Maria Eugênia