Mãe se prepara por 14 anos para doar rim para filho
Quando seu filho mais velho descobriu que tinha uma doença renal crônica, Célia Gil adotou hábitos mais saudáveis porque pretendia ajudá-lo
atualizado
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A notícia de que o filho de apenas 26 anos tinha sido diagnosticado com doença renal crônica, condição que o levaria a precisar de um transplante de rim no futuro, tirou o chão da analista de sistemas Célia Gil, em 2009. Naquele momento, aos 53 anos, ela dedicava boa parte do dia ao trabalho e levava uma vida social agitada.
A possibilidade de ser a doadora do rim que o filho precisava, mesmo que os médicos ainda não soubessem quando o transplante seria necessário, fez com que a mulher começasse uma jornada de autocuidado para preservar os seus órgãos. Desde então, passaram-se 14 anos até que o advogado brasiliense Daniel Gil, hoje com 41 anos, fosse submetido ao transplante. O procedimento ocorreu no último dia 4 de maio, no Hospital Brasília, do Distrito Federal .
“Era rueira, trabalhava o dia inteiro, saía muito e tomava todas. Depois que soube do caso do Daniel, mudei o meu ritmo de vida porque sabia que teria de estar muito bem para ser uma doadora. Passei a sair bem menos, comecei a evitar bebidas e alimentos gordurosos”, lembra Célia, que também é mãe de Marcelo, de 38 anos.
Os hábitos mudaram dentro de casa também. As refeições passaram a ser feitas com menos sal, e carne vermelha e refrigerantes viraram raridade. Mais legumes e verduras foram incluídos no cardápio da família, bem como sucos naturais. “Isso foi bom para todo mundo. Estão todos com as taxas boas”, conta Célia.
Ao longo dos últimos 14 anos, Célia perguntou repetidas vezes aos médicos se poderia ser a doadora do rim para o filho, mas eles explicaram que a resposta só viria quando Marcelo estivesse realmente precisando. “O agravamento de um quadro assim é lento, e os médicos diziam que não adiantava fazer exames de compatibilidade antes da hora. Pela minha idade, poderia desenvolver doenças que me tirariam da fila”, lembra a mãe.
Doença renal crônica
A doença renal crônica ocorre quando o rim passa a funcionar abaixo da taxa adequada por um período superior a 90 dias, segundo explica o nefrologista Pedro Mendes, médico do Hospital Brasília, responsável pelo transplante. As causas mais comuns são pressão alta e diabetes, quando não são controladas.
De maneira geral, a condição é irreversível e de caráter progressivo. A maioria dos tratamentos tem como objetivo frear a evolução.
A causa exata do diagnóstico de Daniel nunca foi revelada. Ele descobriu a doença em 2009, aos 26 anos, depois de buscar um hospital durante uma crise de sinusite. “Naquele momento, aferiram a minha pressão e viram que ela estava muito alta, em torno de 20 por 17. Imediatamente me medicaram, mas não conseguiram fazer um diagnóstico relacionado ao sistema circulatório”, lembra o advogado.
Após uma série de exames feitos nos três meses seguintes, Daniel recebeu o diagnóstico de doença renal crônica em nível dois. Testes mostravam que os dois rins dele juntos funcionavam com capacidade inferior a 50%.
Tratamento
Por 14 anos, Daniel seguiu o tratamento conservador dos rins, com uma dieta rígida e medicamentos para o controle da hipertensão arterial. O rapaz não precisou ser submetido a diálise ou hemodiálise, mas os médicos falavam da possibilidade de um transplante no futuro, caso a capacidade de funcionamento dos órgãos fosse reduzida a menos de 15%.
“Poder transplantar antes da diálise é o cenário ideal, mas essa é, infelizmente, uma realidade muita rara porque nem todos têm acesso a essa informação ou disponibilidade de doador”, diz o nefrologista.
Transplante
Em novembro de 2022, os exames mostraram que o momento do transplante havia chegado. A mãe, o irmão mais novo e a esposa de Daniel entraram na fila de potenciais doadores e Célia foi revelada como a mais compatível.
“Fiquei viúva aos 45 anos e fiquei com dois adolescentes. Sabia que era uma responsabilidade muito grande criar dois homens decentes e saber que eu poderia ajudar mais ainda o meu filho doando um rim foi uma bênção muito grande”, conta a aposentada.
“Se tiver que doar o fígado para o meu outro filho, farei. A medula para algum dos meus netos, também. É uma felicidade muito grande saber que posso ajudá-los”, afirma.
No dia da operação, Daniel foi tomado por um turbilhão de emoções. “Tinha um risco de vida e morte iminente e ter a minha mãe como doadora era a chance de continuar vivendo, de ver a minha filha crescer, de ser um marido melhor”, lembra Daniel.
Passado pouco mais de um mês do transplante, Célia segue uma vida normal, mantendo os hábitos de saúde. Ela fará um acompanhamento médico mais detalhado do órgão ao menos uma vez ao ano. Daniel também se recupera bem e já fala da vontade de voltar a trabalhar, mas ele ainda deve ter uma rotina mais cautelosa, pois não deixou de ser um paciente renal crônico.
Doação de rim na terceira idade
Na maioria dos casos, a idade não é impeditivo para a doação de órgãos, o critério mais importante é o estado de saúde do doador. A regra depende para cada centro, mas, em geral, aceita-se fazer o transplante de rins até os 75 anos, de acordo com o Ministério da Saúde.
O nefrologista explica que a doação em idade mais avançada tem a vantagem de ter o risco reduzido para novas doenças, uma vez que os doadores ultrapassaram o período de desenvolvê-las. “Seria pouco provável que a dona Célia se deparasse com alguma doença renal. Na etapa de vida dela, a maioria das doenças autoimunes possíveis já se manifestou”, diz o médico.
“O transplante de rim é uma cirurgia segura e muito criteriosa. O doador vive muito bem e promove um impacto brutal na vida da outra pessoa”, garante Pedro Mendes, médico do Hospital Brasília.
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