“Missão”: mãe larga tudo para cuidar de filha autista com doença rara
Rebeca, 16 anos, tem síndrome de Smith-Magenis e autismo severo. A mãe, Ismenia, largou o emprego e replanejou a vida para cuidar da filha
atualizado
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Quando nasce uma criança, nasce também uma relação de amor incondicional entre mãe e filho. Para Ismenia Pereira, de 44 anos, o vínculo é tão forte que, mãe solo, ela largou o emprego e a própria rotina para cuidar de Rebeca.
Enquanto as mães aprendem a cuidar dos filhos com familiares e livros, Ismenia precisou observar como médicos e enfermeiros lidavam com a menina em suas múltiplas internações para entender como fazer a vida da filha o mais confortável possível. Hoje com 16 anos, a adolescente tem uma doença rara e autismo severo.
“A Rebeca é 100% dependente de mim e as condições dela me fizeram replanejar toda a minha vida. Quem vê a quantidade de trabalho, de custos, acha que não daria conta. Eu mesma já achei que não daria, mas mãe sempre descobre um jeito”, conta a ex-administradora de empresas, que atualmente se dedica a cuidar da filha em tempo integral.
Entre outros problemas, Rebeca não consegue ficar de pé sozinha ou evacuar sem a ajuda de remédios, tem interação social extremamente reduzida e não engole líquidos: como ela tem disfagia, até a água precisa ser engrossada com espessantes e administrada com um canudo.
Doença rara e autismo
A adolescente tem duas condições combinadas. Aos dois anos de idade, ela foi diagnosticada com uma síndrome genética chamada Smith-Magenis, que afeta cerca de uma a cada 15 mil crianças nascidas. A doença causa dificuldades no desenvolvimento psicomotor, alterações de comportamento e anomalias congênitas.
Por conta das malformações que Rebeca teve no corpo causadas pela doença, a menina precisou fazer uma série de cirurgias. Ela passou por intervenções na coluna para corrigir os desvios graves, além de procedimentos no intestino, esôfago e estômago para tentar corrigir falhas congênitas nos órgãos.
Entretanto, os procedimentos não foram suficientes para tornar o sistema digestivo de Rebeca funcional e a intervenção feita na coluna tampouco impediu o avanço da escoliose progressiva que, aos poucos, impediu a menina de andar.
“A Smith-Magenis é desconhecida da maioria dos profissionais de saúde, então acreditamos que há uma subnotificação, com casos sendo confundidos por anos com outras síndromes, como a de Down ou de Williams. Ela leva a alterações tanto físicas como comportamentais que muitas vezes são inespecíficas”, aponta o médico Danilo Moretti-Ferreira, da Faculdade de Medicina de Botucatu, especialista na doença.
Além disso, Rebeca tem autismo, outra condição de diagnóstico complicado e que leva a uma série de dificuldades nas interações sociais, comportamentais e intelectuais. Segundo os especialistas, não é raro que as duas condições se somem e até se confundam.
“Crianças com autismo têm uma série de limitações a depender de onde estão no espectro da doença. Mesmo nos casos mais leves, é comum que existam intolerâncias alimentares, hipersensibilidade auditiva e uma dificuldade grande de sair da rotina. Casos mais graves podem ser ainda mais desafiadores”, explica a pediatra Gesika Amorim, de São Paulo, especialista em autismo.
Uma vida com dificuldades
Em consequência dos problemas de saúde que enfrenta, Rebeca tem escoliose progressiva na coluna. A condição a impediu de andar com o passar dos anos, além de causar fraqueza muscular, convulsões de difícil controle e bexiga descontrolada (neurogênica).
Graças a essa coleção de dificuldades, Ismenia conta que hoje a adolescente precisa de atenção o tempo todo. “Minha filha era mais independente, andava, mas começou a sofrer degenerações, especialmente da escoliose e da gastrostomia, que é essa paralisia do intestino. Isso fez com que ela passasse a precisar mais do meu auxílio”, explica a mãe.
Ismenia conta que o quadro de Rebeca piorou muito durante a pandemia. Além das restrições do período, os avós da adolescente morreram com uma diferença de 50 dias. “Minha mãe morreu de Covid-19 e meu pai faleceu de AVC. Foi difícil para todos nós, mas acho que especialmente para ela. O autismo se tornou muito mais grave e as convulsões ficaram mais frequentes”, lembra.
A adolescente tem home care e fica internada em casa, aos cuidados da mãe, além de ser acompanhada por fisioterapeuta e um técnico de enfermagem diariamente. Rebeca faz sessões duas vezes por semana com a fonoaudióloga e encontra a médica semanalmente (todos pagos pelo plano de saúde).
“Minha família me apoia muito e aprendi tudo que sei com os profissionais que nos ajudam. No fundo, foi uma escolha viver a minha vida para a Rebeca. É a minha missão de amor”, conta a mãe.
A rotina, porém, é árdua, e Ismenia reconhece que desenvolveu ansiedade por conta dos diagnósticos de saúde complicados da filha. Ainda assim, não escolheria outra vida.
“Aprendi muito com a Rebeca. Ela é uma criança muito feliz, ama nossa família, é muito carinhosa. Minha filha é minha paixão. Tenho um amor gigante por ela e quero que ela possa viver mais e melhor para podermos ficar sempre juntas”, diz.
O tratamento de Rebeca
Ismenia tem usado todo o conhecimento que adquiriu para orientar outras mães sobre como cuidar de seus filhos especiais. Em seu perfil no TikTok, ela apresenta os cuidados com a filha e alguns dos vídeos já alcançaram 4 milhões de visualizações.
“Me impressionou quando postei que minha filha só podia tomar água com espessantes para não engasgar por conta da disfagia. Fiz o vídeo demonstrando como eu preparava, e percebi que muita gente não conhecia esse processo. Achei importante poder orientar outras mães e tenho gostado muito de ter esse contato com outras pessoas”, conta.
Um futuro esperançoso
A partilha do dia a dia de Rebeca nas redes sociais deu a Ismenia um novo gás para buscar outros tratamentos para sua filha. “Sabemos que o quadro dela é complicado, mas tenho fé que vamos encontrar tratamentos experimentais ou terapias que possam nos ajudar a tornar a vida dela mais confortável”, conta.
A busca é principalmente para reverter os impactos relacionados à síndrome de Smith-Magenis e seus muitos desdobramentos na saúde da jovem. “Se ela tivesse um médico especialista na condição, seria importante pelo menos para entender melhor a doença e para que outras mães não precisem passar pelo que eu passei”, conclui.
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