Libera ou não? Veja argumentos contra e a favor do cigarro eletrônico
Anvisa está prestes a decidir se dispositivos serão vendidos no país. Indústria defende redução de danos, médicos são contra
atualizado
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O número de fumantes está caindo, mas ainda há muita gente que gosta de dar algumas tragadas. O uso de dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs), nome técnico para os cigarros eletrônicos e outros mecanismos de tabaco aquecido, parece ser uma oportunidade de renovação para a antiga indústria do tabaco. O vaper é proibido no Brasil, mas a pressão para que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reveja a orientação é grande. No momento, o assunto está audiência pública.
A comercialização, importação e propaganda de quaisquer DEFs está proibida desde 2009 pelo marco regulatório RDC nº 46/2009. Após receber materiais e subsídios de ambos os lados, contrários e a favor da liberação dos vapers, a Anvisa analisará se eles poderão ser vendidos ou não. Enquanto a decisão não vem, várias empresas se preparam para o mercado. Recentemente, a Philip Morris declarou, publicamente, a intenção de “construir um futuro sem fumaça”. A empresa investiu mais de US$ 6 bilhões em formas teoricamente menos nocivas de consumir tabaco, como o IQOS, um sistema eletrônico sem fumo em que o tabaco é aquecido em vez de queimado. O produto está presente em mais de 44 mercados ao redor do mundo, segundo o comunicado da companhia.
Outra empresa que pretende entrar no mercado brasileiro é a Fontem Ventures, subsidiária da Imperial Brands, presente na Europa, América do Norte, Ásia e Oceania. Segundo Grant O’Connell, executivo e porta-voz da Fontem, a regulação do cigarro eletrônico no país acabaria com a venda ilegal do produto e coibiria o uso indevido. Uma vantagem do cigarro eletrônico em comparação ao tradicional, segundo O’Connell, seria o fato dos dispositivos não provocarem o fumo passivo, reduzindo o risco para quem está em volta. “O vaper não tem fumaça nem cheiro forte, não tem a queima do papel e de outros ingredientes que estão presentes no cigarro convencional”, enumera.
Por não ter tabaco e outras substâncias nocivas, o executivo defende que o vaper “oferece menos riscos à saúde e pode ser usado por fumantes que desejam deixar o vício ou diminuir sua exposição às substâncias do cigarro convencional”. De fato, um estudo feito pela Universidade Queen Mary de Londres, publicado em fevereiro deste ano no New England Journal of Medicine, mostrou que 18% de 886 fumantes conseguiram largar o cigarro convencional após usar dispositivos à bateria. Apenas 9,9% dos que usaram terapias de substituição de nicotina, como chicletes ou adesivos, tiveram o mesmo resultado. Ou seja, os DEFs seriam duas vezes mais eficazes para eliminar o vício em tabaco.
Saúde
Os cigarros eletrônicos, no entanto, estão longe de serem saudáveis. Mauro Gomes, diretor da Comissão de Infecções Respiratórias da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia (SPPT), critica a versão da indústria de que eles podem ser usados por quem está querendo parar de fumar. “Muitos acreditam que a nicotina é a única substância prejudicial nos cigarros, quando, na verdade, existem outras substâncias que se tornam tóxicas a partir do aquecimento do aparelho”, justifica. Outro mito seria o de que a água presente nos vaporizadores filtra as substâncias tóxicas antes de ser tragada e inalada pelo fumante.
Os vapers, segundo o pneumologista, causam vários males à saúde. Além do próprio tabagismo, que é uma doença, o médico cita o câncer de pulmão e a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), caracterizada por enfisema pulmonar e bronquite crônica. “Apesar de ter sintomas simples, como tosse ou cansaço, a DPOC é muito perigosa e pode levar à morte”, alerta. “Inclusive, ela é considerada atualmente a quarta principal causa de morte no Brasil.”
Mauro Gomes chama atenção para outro problema relacionado ao vaper: a falta de pesquisas de longo prazo. “Recentemente houve uma morte nos Estados Unidos associada ao uso de cigarro eletrônico. Ou seja, os malefícios a longo prazo ainda não são conhecidos”, reforça.
Outras pesquisas divulgadas recentemente também apontam perigos dos cigarros eletrônicos. Um estudo feito por pesquisadores do Boston Children’s Hospital e da faculdade de medicina de Harvard descobriu que jovens adeptos têm mais chances de fumar maconha. O cérebro ainda em desenvolvimento dos adolescentes os deixaria mais vulneráveis aos efeitos da nicotina e de outras drogas, como a cannabis. Um segundo trabalho, feito pela Universidade da Pensilvânia, revelou que o vaper impacta as funções vasculares imediatamente após o uso. Um único trago seria suficiente para danificar vasos sanguíneos, reduzindo o fluxo circulatório para as pernas.
Marcos Hendell Castro Elesbão, 34 anos, fumava há 15 anos quando resolveu investir em um cigarro eletrônico para largar o vício em nicotina. Faz um ano que ele tornou-se um “fumante eletrônico”. Apesar de reconhecer que faltam informações sobre o produto, o analista de TI defende o uso da versão eletrônica. “Eu, que usava cigarro normal, me sinto bem melhor usando o vaper”, justifica. Poder escolher a quantidade de nicotina do dispositivo — ou mesmo não colocar a substância — é, para ele, uma das principais vantagens do produto.
A falta de pesquisas conclusivas, segundo ele, não causa medo. “Tenho consciência de que fumar o eletrônico não é uma coisa boa, mas consegui parar de fumar cigarros convencionais”, pondera. “Acredito bastante nos médicos e em seus estudos, mas ainda não estão claras as questões sobre o mal que o vaper faz.”