Julio Croda: “Tendência é que o aumento da dengue continue até abril”
O infectologista Julio Croda, pesquisador da Fiocruz, avalia a situação da epidemia de dengue e alerta sobre a importância do diagnóstico
atualizado
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O primeiro mês de 2024 foi marcado por uma explosão de casos de dengue no país. A tendência é que a epidemia se arraste até abril ou meados de maio, segundo avalia o infectologista Julio Croda, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).
Em entrevista ao Metrópoles, Croda chama atenção para a importância de procurar atendimento médico antes do agravamento da doença. Quaisquer sorotipos do vírus podem levar a um quadro hemorrágico de dengue por isso é necessário acompanhar o indivíduo infectado com cuidado.
Leia a íntegra da entrevista com o infectologista Julio Croda:
Metrópoles: Todo ano, na época do verão, é a mesma coisa: aumentam os casos de dengue. Por que isso acontece?
Julio Croda: Isso acontece porque existem condições climáticas favoráveis. Calor intenso e chuvas frequentes – o que leva ao acúmulo de água e à replicação do mosquito da dengue, que não é só da dengue, mas também da zika, da chikungunya e de outras arboviroses.
Metrópoles: Como evitar que esse cenário se repita todos os anos?
Julio Croda: Acredito que só através da incorporação das inovações tecnológicas que a ciência vem desenvolvendo nos últimos anos. A nossa ação de controle vetorial, ela tem uma efetividade bastante limitada, tanto que todos os anos nós temos o aumento do número de casos. Em 2023, houve recorde de casos de dengue, com recorde de óbitos também. Então, mesmo com toda a mobilização da população no controle dos reservatórios do mosquito, nós não conseguimos realmente controlar ou, eventualmente, eliminar a doença.
É importante entender que a ciência no futuro – com a incorporação de vacinas e de novas estratégias de controle vetorial, como o método Wolbachia – pode contribuir para reduzir a carga dessa doença.
Metrópoles: A vacinação no Brasil para crianças e adolescentes de 10 a 14 anos deve começar na segunda semana de fevereiro. Na sua avaliação, tanto esse recorte de faixa etária quanto o tempo que a gente está esperando para começar fazem sentido?
Julio Croda: Fazem sentido pelo número de doses que estão sendo disponibilizadas para o Ministério da Saúde. A dengue acomete todas as faixas etárias e ela é mais grave nos adolescentes e nos idosos acima de 70 anos. Nos idosos, principalmente por conta da comorbidades. Nos adolescentes, é perigosa por conta do risco de uma segunda infecção.
A segunda infecção geralmente é mais grave porque o organismo entende que a infecção está relacionada ao primeiro sorotipo, à primeira infecção. O corpo produz uma resposta imunológica que não é eficaz e o vírus continua a se replicar no sistema, causando o quadro mais grave. Então há o recorte da faixa etária, que se justifica pela necessidade de priorizar um grupo populacional.
Outros critérios que o ministério adotou foram ligados à frequência elevada do sorotipo dois, pois a vacina é mais eficaz para esse sorotipo. Também se deu mais importância às regiões de saúde que possuem cidades com mais de 100 mil habitantes, porque é onde se apresenta a maior carga da doença também.
Metrópoles: Os idosos, como você bem falou, não serão contemplados pela vacina porque não têm testes que comprovem a eficácia e a segurança para o grupo. Como protegê-los?
Julio Croda: A gente tem que continuar fazendo o que sempre fez, apesar da dificuldade de reduzir a carga da doença quando se fala em saúde coletiva. A maioria dos focos são intradomiciliares (75%). O combate requer o empenho de toda a sociedade, a mobilização de toda a sociedade, e essa verificação tem que ser semanal.
Do ponto de vista individual, esse idoso pode se proteger, eventualmente com uma proteção mais individualizada, utilizando repelente que contenha DEET, porque tem uma ação mais prolongada de oito a 12 horas. Essa é a recomendação.
É necessário ter muito cuidado com o idoso se há sinais de alarme. O idoso deve ser atendido preferencialmente, identificado se apresenta sinais de gravidade para a dengue, com um tratamento oportuno que é a hidratação. Então passa por uma prevenção, mas também um atendimento diferenciado e precoce para essa população.
Metrópoles: O senhor falou sobre o uso de repelentes. Temos os comerciais, com toda a composição indicada, mas se procurarmos na internet, achamos uma infinidade de receitas caseiras. Essas receitas com citronela, melaleuca funcionam?
Julio Croda: Assim, com pouca eficácia. A questão é que você precisa eventualmente utilizar com uma frequência maior – a cada hora, a cada duas horas – o que torna impossível uma prevenção mais adequada. Mesmo os repelentes comerciais, existem repelentes que não são de base com DEET. Os que não têm uma concentração tão importante de DEET não possuem uma ação tão prolongada.
O ideal é um repelente que dure e que garanta a proteção por pelo menos oito horas para que você possa utilizá-lo três vezes ao dia, por exemplo.
Metrópoles: O Distrito Federal é a unidade da federação com maior número de casos de dengue e a ministra da Saúde já chegou a comentar que é um dos locais mais preocupantes. Por que o DF está nesse cenário?
Julio Croda: Já era esperado para a região Centro-Oeste uma epidemia bastante importante. O Distrito Federal vive esse momento complicado. É importante ressaltar que é muito preocupante, porque, se ano passado a gente teve o recorde em número de casos, em janeiro de 2024 já superamos em muito janeiro de 2023.
A gente está no início da sazonalidade e a gente já vê, no início da epidemia de dengue, o Distrito Federal decretando estado de emergência justamente pelo número excessivo de casos de dengue, a necessidade de organizar os serviços de saúde para atender a população, para diminuir a demora na filas das unidades básicas de saúde.
Então, isso é bastante preocupante, porque a tendência é que continue com esse aumento de casos pelo menos até abril. Então, preocupa muito já em janeiro ter esta demanda tão elevada por atendimento no Distrito Federal.
A epidemia de dengue já passou do nível do canal endêmico. Então, já nas primeiras três semanas a gente superou o canal endêmico para o período de janeiro. Então a gente já viveu a epidemia de dengue e a tendência é aumentar o número de casos em todo o Brasil.
O pico da dengue geralmente é entre abril e maio. Então a gente espera ainda um aumento crescente de casos em diversas regiões do Brasil e, a partir de maio, uma redução importante com a chegada do inverno, diminuição das temperaturas e diminuição das chuvas também.
Metrópoles: Doutor, para quem está nos assistindo entender e ficar atento aos sinais, como é a progressão da doença?
Julio Croda: Os sintomas da doença são febre, dor no corpo, dor de cabeça, dor atrás dos olhos, eventualmente manchas avermelhadas na pele.
É muito difícil prever quem vai evoluir para a dengue grave. É difícil saber, fora da faixa etária que a gente já comentou, quem tem maior risco para essa evolução. Mais importante é que um paciente de dengue seja acompanhado diariamente ou a cada dois dias para identificar os sinais de alarme, que indicam a perda de líquido do vaso para outros espaços do corpo, como o pulmão e o abdômen. Essa perda de líquido é um sinal de gravidade.
Então é importante que a gente observe, por exemplo, se a pessoa tem vômitos muito importantes, dor abdominal muito intensa, dificuldade para respirar, hipotensão (pressão alta) e confusão mental. Esses são sinais clínicos da perda de líquido do intravascular. Mas também existem exames laboratoriais, o hemograma por exemplo, que a gente vê uma hemoconcentração, um aumento muito rápido do hematócrito que indica também essa perda de líquido.
A identificação dos sinais de alarme é essencial porque o tratamento de dengue é a hidratação. Quando o paciente chega nesse nível de desidratação, de perda de líquido, só a hidratação na veia é que vai de alguma forma resolver e evitar o óbito desse paciente. Então o paciente precisa receber soro nessas tendas de hidratação ou, necessariamente, precisa estar internado para receber um acompanhamento mais adequado.
A dengue é uma doença que, no momento que você tem esse aumento brusco de casos, é difícil controlar a epidemia com as medidas preventivas que nós temos, mas a gente pode evitar o óbito. Isso significa ter serviços de saúde bem organizados e estruturados para atender a população e acompanhar os pacientes na identificação precoce desses sinais de alarme e tratamento oportuno.
Metrópoles: O que muda quando a pessoa pega dengue mais de uma vez?
Julio Croda: A primeira infecção geralmente ocorre durante a infância e a infecção que gera mais risco é a segunda. Teoricamente, a pessoa pode pegar dengue quatro vezes porque existem quatro sorotipos e a segunda é a mais grave porque é justamente nela que o organismo ainda não aprendeu que existem diferentes sorotipos. Então ele responde para o primeiro sorotipo, mas não é uma resposta adequada.
A pessoa tem que estar muito atenta para esses sinais de alarme, principalmente durante a segunda infecção por dengue. Isso acontece geralmente nos adolescentes e é por isso que a vacina está sendo ministrada nesse grupo nesse momento de 10 a 14 anos.
Metrópoles: O que leva ao quadro de dengue hemorrágica?
Julio Croda: Dengue hemorrágica é um termo que a gente usava no passado. Hoje usamos “dengue com sinais de alarme” e “dengue grave” porque a maioria dos pacientes que morrem não têm hemorragias importantes. A dengue pode gerar hemorragias.
Houve uma reformulação desse termo justamente para que a população e os profissionais de saúde pudessem identificar os sinais de alarme sem ficar muito presos na identificação de hemorragia, seja leve ou grave.
É lógico que isso pode acontecer, mas como falei, é importante o monitoramento desses sinais de alarme para a identificação precoce. A hemorragia é um sinal de gravidade, mas outros sinais de perda de líquido das veias e artérias para outros locais do corpo humano como o abdômen e o pulmão também são sinais de gravidade e, eventualmente, a gente não vai observar nenhum tipo de sangramento.
Metrópoles: A dengue é uma doença que geralmente acontece nos países próximos aos trópicos e, recentemente, vimos alguns casos nos Estados Unidos e na Europa, em países que não tinham histórico do mosquito. O que está levando o Aedes aegypti para lá? Isso tem relação com as mudanças climáticas?
Julio Croda: Com certeza. As arboviroses são doenças muito associadas às mudanças climáticas. A gente não tinha dengue no Rio Grande do Sul nem em algumas regiões de São Paulo por conta da elevada altitude e baixa temperatura. A gente favoreceu a replicação do mosquito da dengue em regiões que antes não existiam: Rio Grande do Sul, Uruguai, norte da Argentina e até o sul da Itália apresentaram surtos importantes de dengue.
A epidemia nesse ano está associada ao fenômeno do El Niño, que fez com que existisse uma elevação da temperatura, principalmente na América Latina.
A gente presenciou isso durante 2023. Presenciamos um inverno atípico, com mais casos de dengue, com o índice de infestação predial (que mede a quantidade do mosquito da dengue numa cidade) bastante elevado durante todo o inverno, o que não é típico. Também estamos com uma infestação predial muito elevada para esse início de janeiro, o que faz a gente prever uma temporada de dengue até abril e maio com recorde de casos.
As alterações climáticas fazem com que o vetor se expanda para outros territórios. O mosquito da dengue em temperaturas mais elevadas, se multiplica a cada sete dias, completando o seu ciclo de larva, ovo, pupa e mosquito. Enquanto em temperaturas mais baixas, isso leva 10 a 14 dias. A expansão territorial e uma maior celeridade do ciclo de vida do mosquito favorecem a multiplicação e, portanto, um maior número de casos.
Metrópoles:
Perfeito, doutor. Muito obrigado por esclarecer nossas dúvidas. É sempre um prazer falar com o senhor.
Julio Croda:
O prazer é meu. A gente está à disposição no futuro para tirar as dúvidas dos telespectadores e dos ouvintes que estão assistindo a gente.