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“Inflamação sistêmica explica letalidade da Covid-19”, afirma pesquisador

O médico e pesquisador da Fiocruz, Bruno Andrade, é um dos autores do maior estudo observacional sobre a Covid-19 já feito no Brasil

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1 de 1 Bruno Andrade - Fiocruz - Foto: Fiocruz/ Imagem cedida ao Metrópoles

Um grande estudo brasileiro, realizado com dados de mais de 178 mil pacientes, confirmou que os quadros graves de Covid-19 estão relacionados a uma inflamação multissistêmica, que acomete, principalmente, homens mais velhos. O organismo deles tem maior dificuldade para modular a resposta imunológica ao vírus, o que acaba provocando as temíveis tempestades de citocinas.

A pesquisa foi realizada por cientistas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O artigo publicado em 12/8, no site medRxiv, ainda precisa ser submetido à revisão de outros especialistas.

Os cientistas analisaram os registros de parâmetros laboratoriais e testes diagnósticos de 178.887 pessoas, sendo 33.266 pacientes com diagnóstico positivo para a Covid-19 a partir de testes RT-PCR.

Em entrevista ao Metrópoles, o médico Bruno Andrade, pesquisador de doenças infecciosas da Fiocruz de Salvador e coautor do artigo fala sobre a importância do estudo para a ciência.

Como o estudo se destaca dos demais?
Ele confirma que pessoas do sexo masculino e com idade mais avançada tendem a ter indícios de inflamação mais exacerbada e mais danos aos órgãos. Os achados indicam que eles não conseguem controlar a inflamação e ela acontece em múltiplos centros.

Existem vários artigos mostrando que pessoas do sexo masculino têm uma maior suscetibilidade a desenvolver a forma grave; outros de que pessoas mais idosas tendem a ter um risco maior de morte e complicações da Covid.

Mas isso nunca tinha sido mostrado de uma maneira sistematizada, com uma grande quantidade de pessoas em um estudo só. Os achados confirmam a suspeita que existia na ciência e mostram quando a doença é mais desfavorável, qual o perfil de paciente que corre mais risco de desenvolver um descontrole da inflamação.

Pessoas mais jovens podem ter diferentes tipos de inflamações?
Sim. Idade e sexo do indivíduo desencadeiam tipos diferentes de danos e inflamações, mas o mais grave foi identificado nos pacientes mais velhos, que mostram um descontrole total.

A Covid-19 é uma doença múltipla?
Sim. Esse estudo mostra que a Covid-19 é multissistêmica, atinge vários sistemas e órgãos. A gente conseguiu quantificar isso, acompanhado marcadores da inflamação em múltiplos órgãos.

Qual o papel da tempestade de citocinas na doença?
A tempestade de citocinas é um indicativo de descontrole da inflamação, acontece quando o corpo perde a capacidade de parar esse processo que combateria à doença, ela desencadeia problemas gravíssimos. Quase todas as doenças infecciosas que levam a quadros iguais ao da Covid-19 são causados pelo mesmo mecanismo, a falta de regulação da inflamação.

Quando o paciente tem uma infecção, o patógeno (vírus) ao se replicar causa um estresse dentro de uma célula e, depois, em um órgão e em vários. Isso leva à ativação do sistema imunológico que tenta eliminar os sinais de estresse.

Ao ativar o sistema de defesa para as células resolverem o problema, essas células consomem mais energia e produzem coisas que podem servir para eliminar o vírus mas, ao mesmo tempo, causam dano colateral (imunopatologia). É o custo que você paga por ter uma resposta potente para eliminar o vírus. Muitas vezes, os sintomas não são causadas pelo vírus e sim pela resposta a ele.

O que determina a gravidade da infecção?
A gente sabe que o vírus entra, se replica e causa um estresse sobre a homeostase (condição de estabilidade que o organismo precisa para realizar suas funções) e o nosso organismo responde contra ele.

Só que algumas pessoas, ao bater no vírus, batem talvez de maneira mais forte do que deveriam. Isso se reflete na indução da inflamação, talvez mais forte do que o necessário para eliminar o vírus, desencadeando dano orgânico. É esse balanço que faz com que algumas pessoas tenham o Sars-CoV-2 e não desenvolvem doença grave.

O que explica o grau de inflamação?
A medicina ainda não tem a resposta sobre o que leva uma pessoa a inflamar mais do que a outra. O fato de uma grande porcentagem de pessoas mais idosas, do sexo masculino, na presença de Covid-19 tenderem a inflamar mais do que outros dá um indício de que é esse descontrole que está causando a gravidade.

Como essas informações são interpretadas para a realidade dos hospitais?
Isso reforça a ideia de que eu devo tentar tratar o paciente com manobras farmacológicas ou não, para tentar manter o nível de inflamação mais baixo porque a inflamação parece estar associada às doenças mais graves.

A capacidade do paciente de induzir inflamação sistêmica (em todos os órgãos) parece estar por trás da gravidade. Esse estudo gera a hipótese de que pacientes mais idosos e do sexo masculino têm uma tendência a ter um descontrole maior da inflamação. Ou seja, eles não regulam a inflamação e acabam desenvolvendo uma doença mais grave renal ou pulmonar, por exemplo.

Qual é a importância desse estudo para a sociedade?
Uma grande quantidade de informações dá uma segurança maior da veracidade daquela informação. Se eu tenho um evento ou uma observação repetida em uma grande quantidade de pessoas, isso reforça a ideia de que essa associação é real.

Como foi feita a coleta desse volume de informações?
O laboratório da USP conta com capacidade para analisar um grande número de dados. O professor Helder Nakaya (coordenador do levantamento) pensou em como extrair uma informação útil para a medicina dentro do grande aporte de dados disponibilizados.

É um estudo pioneiro no país porque usa dados secundários de serviços hospitalares e de clínicas de uma quantidade muito grande de pessoas com diagnóstico para a Covid-19.

A pesquisa identificou as causas dessa inflamação?
Não. O estudo é observacional de dados secundários – coletados por equipes médicas desvinculadas ao estudo – e não tem o poder de dizer qual é a causa. Mas com essa grande quantidade de informações, a gente nota que existe sim uma relação direta entre idade, sexo biológico e uma propensão de dado inflamatório maior do que no resto da população.

O estudo reflete o perfil do paciente brasileiro?
Sim. Dado o tamanho do estudo e as subcategorias analisadas, esse estudo tem o poder de representar a grande maioria dos pacientes brasileiros. Na ciência, nada é muito definitivo mas, se a gente falar de generalização dos dados, é o mais poderoso que a gente tem para dizer o que está acontecendo com os nossos pacientes.

Os resultados encontrados aqui estão de acordo com ideias de estudos de outros países. O fato de generalizar para todos os pacientes de Covid-19 do mundo é muito tentador, mas a gente tem que ter cautela porque cada lugar tem uma genética diferente e ela influencia na capacidade de responder mais ou menos agressivamente ao vírus.

Quais são as limitações do estudo?
Os dados usados foram disponibilizados por serviços médicos e isso tem vantagens e desvantagens. A desvantagem é que a coleta de dados não foi feita dentro de um ambiente controlado para estudo científico, foi feito na rotina hospitalar.

Por outro lado, eles foram coletados de maneira pragmática, julgados como relevantes para a avaliação daquele paciente pelos médicos.

 

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