“Eu mal gripava. Achei que era só estresse”, diz jovem com lúpus
A personal trainer Carolina, de 31 anos, precisou de muita persistência para fechar o diagnóstico de lúpus e encontrar o tratamento adequado
atualizado
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Aos 21 anos, a personal trainer Carolina Helena Rodrigues não costumava ficar doente e mantinha uma rotina intensa de atividades físicas, que incluía do balé ao judô. Quando apareceram os primeiros sintomas de lúpus – queda de cabelo e manchas na pele – Carolina nem desconfiou que a causa poderia ser uma doença autoimune. Achou que era estresse.
O Lúpus Erimatoso Sistêmico (LES) é uma doença inflamatória crônica. Por conta de uma desregulação, o sistema imunológico passa a atacar o próprio corpo do paciente. No caso de Carolina, os sintomas surgiram de forma lenta e progressiva até que ela obtivesse o diagnóstico médico, três anos mais tarde. Há situações, entretanto, que os sintomas aparecem de repente.
A estimativa é que o lúpus afete uma a cada 1.700 mulheres no Brasil. A doença é bem mais frequente no sexo feminino e na idade reprodutiva. Alguns sintomas são febre, manchas na pele, perda de apetite, fraqueza e desânimo – como são inespecíficos nem sempre a suspeita recai na doença. Dor nas juntas, hipertensão e problemas nos rins também podem ocorrer.
Carolina passou a notar que havia algo de errado com sua saúde após uma perda repentina de peso. Em 2013, de uma hora para outra e sem fazer dieta, ela emagreceu dez quilos. “Foi horrível porque sempre fui forte devido à vida de atleta. Ganhei até bolsa na faculdade por causa do judô. As pessoas começaram a comentar que eu estava com “cara de doente”. Para piorar, passei a ter diarreia frequentemente e me sentia muito fraca”, relembra.
À procura do diagnóstico
Naquela época, Thales, que era namorado de Carolina e hoje é casado com ela, insistiu para que ela buscasse um diagnóstico. Juntos, eles foram a um clínico geral em Marília (SP), onde moram, e ela foi encaminhada a um gastroenterologista.
A suspeita inicial era de que a perda de peso e a diarreia fossem causadas por alguma irritação intestinal. Após exames que descartaram o problema, ela passou por um check up reumatológico.
“Fiz exames que detectaram alterações, mas, ainda assim, não deu para fechar o diagnóstico. Eu não associava alguns dos sinais do meu corpo com o lúpus. Achava que a queda de cabelo e as manchinhas estavam relacionadas a estresse”, diz.
Carolina melhorou e ficou um ano sem voltar ao especialista. Ela estava bem e, ao que tudo indicava, não havia com o que se preocupar. O lúpus passa por períodos de atividade e de remissão, o que também dificulta o diagnóstico. Porém, em 2015, ela passou a acordar com dores articulares e voltou ao reumatologista.
O diagnóstico estava mais próximo, mas ainda havia chance de ser uma doença mista do tecido conjuntivo. Enquanto a suspeita de lúpus não se comprovava, ela recebeu orientação para tomar corticoides e hidroxicloroquina.
Os efeitos colaterais da hidroxocloroquina a fizeram trocar o medicamento duas vezes. O corpo de Carol não respondeu ao tratamento e ela teve de aumentar as doses de corticoides.
“Por muito tempo, neguei os efeitos que o lúpus e o tratamento provocavam. Continuava tomando sol e me recusava a aceitar que tinha uma questão de saúde a resolver. Achava injusto e tinha muita raiva por estar passando por aquilo”, diz.
A solução foi trocar o tratamento, mas ainda assim as dosagens de corticoide tinham que continuar altas pra diminuir a atividade do lúpus. Depois de um tempo, o médico recomendou que Carolina voltasse a tomar a cloroquina para tentar “desmamar” do corticoide.
Inflamação renal
Em 2016, finalmente, Carol recebeu o diagnóstico de lúpus e iniciou tratamento com o micofenolato de mofetila, um medicamento fornecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O remédio, entretanto, não foi capaz de conter a progressão do quadro e ela desenvolveu uma nefrite lúpica – inflamação nos rins que pode levar à falência do órgão.
“Comecei a ficar com os olhos inchados. Como tenho gatos, pensei que poderia ser uma alergia ao pelo ou a alguma coisa que comi, então não me preocupei. Mas o Thales insistiu que eu entrasse em contato com o médico. Mandei a foto e ele me falou: ‘Carol, vem correndo que isso é rim'”.
Carol se considera abençoada por ter ao seu lado um companheiro tão atencioso. “O Thales sempre está comigo nas consultas e não se importou quando parei de trabalhar para cuidar da minha saúde. Ele pergunta tudo para os médicos e as pessoas até acham que ele é médico também. Ele é um anjo da minha vida”, se declara ao companheiro.
Melhora dos sintomas
Depois de um ano utilizando um medicamento chamado ciclofosfamida, quimioterápico para interromper a nefrite lúpica, a saúde de Carol se estabilizou. No final de 2019, ela voltou à academia, onde treinava e trabalhava diariamente como personal trainer.
No mesmo ano, passou a compartilhar informações sobre o lúpus com outras mulheres, por meio de um perfil no Instagram. A ideia foi de uma amiga, que sugeriu o diário como forma de conectar Carol a pessoas com o mesmo diagnóstico.
“A ideia é fazer com que outras mulheres se sintam abraçadas e acolhidas. No diário, sempre tento mostrar coisas positivas, mas não escondo as partes ruins”, diz.
Novo remédio
A paciente utilizou o ciclofosfamida por dois anos, tempo máximo permitido para o tratamento com o quimioterápico. Foi então que, finalmente, recebeu o “sinal verde” do médico para testar o belimumab.
“A gente esperou muito por isso. O belimumab é um medicamento excelente e que, desde o início, mostra ótimos resultados. Não sinto mais enjoo, como na época da ciclofosfamida. Hoje levo a vida normalmente: danço, vou para a academia, trabalho e até fiz um intercâmbio. Só não voltei para o judô”, comemora.
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Carol conta que sempre buscou manter a positividade, mas que houve momentos de muita desmotivação. Para ela, o mais difícil foi lidar com as mudanças causadas pela doença e pelos tratamentos.
“Tudo isso me causou muito sofrimento porque sempre me preocupei com a minha aparência e desempenho físico. Então quando ganhei muito peso, fiquei inchada e dolorida, me isolei dos meus amigos”.
Hoje, Carol busca incentivar outras mulheres “borboletas” (suas “brabuletas”, como chama as portadoras de Lúpus), a não desanimar do tratamento. As manchas na região das bochechas que se assemelham a borboletas são bastante comuns entre as pacientes.
O que é o lúpus
“Ainda não há explicação para as causas do lúpus, mas a hipótese é de que haja questões genéticas e hormonais envolvidas”, explica Luciana Costa Seguro, médica reumatologista no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Ela acrescenta que o diagnóstico geralmente é demorado quando não há manchas na pele, as “asas de borboleta”. Como os sintomas de lúpus variam entre os pacientes, alguns médicos defendem, inclusive, que se trata de uma síndrome.
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