Era das pandemias: estudo alerta para possibilidade de outros vírus globais
Segundo levantamento, vírus como o Sars-CoV-2 devem surgir com maior frequência se a relação com a natureza não mudar
atualizado
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Futuras pandemias surgirão cada vez com maior frequência, se espalharão mais rapidamente, causarão mais danos à economia mundial e matarão mais pessoas do que a Covid-19, se não forem adotadas globalmente estratégias preventivas que incluam uma proteção maior ao meio ambiente. O alerta foi dado nesta quinta-feira (29/10) por um painel internacional de cientistas que classificou o momento que vivemos como Era das Pandemias.
O trabalho, encomendado pela Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), ligada à Organização das Nações Unidas (ONU), foi conduzido por um grupo de 22 cientistas que revisaram as evidências sobre a relação entre a expansão de doenças infecciosas transmitidas de animais para pessoas e a biodiversidade.
Eles indicam que é possível escaparmos dessa Era das Pandemias adotando medidas mais preventivas que reativas. Isso passa por políticas e ações relacionadas à forma como lidamos com a natureza, que podem diminuir os riscos de futuras pandemias. A ideia é reduzir problemas que já levam a outros impactos – como desmatamento, por exemplo.
“As pandemias têm sua origem em diversos micróbios transportados por reservatórios animais, mas seu surgimento é inteiramente impulsionado por atividades humanas”, escrevem os pesquisadores no sumário executivo do relatório. “As causas subjacentes das pandemias são as mesmas alterações ambientais globais que impulsionam a perda de biodiversidade e as mudanças climáticas. Isso inclui mudança no uso da terra, expansão e intensificação da agricultura e comércio e consumo de animais selvagens”, apontam.
De acordo com os pesquisadores, todas essas condições – que deixam animais de criação e pessoas próximos à vida selvagem – acabam facilitando aos micróbios dos animais se moverem para as pessoas, levando a “infecções, às vezes surtos, e mais raramente a verdadeiras pandemias que se espalham por redes rodoviárias, centros urbanos e viagens globais e rotas comerciais”.
Zoonoses
O trabalho destaca que 70% das doenças emergentes no mundo, como ebola e zika, e quase todas as pandemias (influenza, HIV/aids, Covid-19) são zoonoses, ou seja, causadas por micróbios que infectavam originalmente animais. E o surgimento dessas doenças entre as pessoas está se acelerando – eles calculam cinco novas enfermidades por ano.
Os pesquisadores estimam que possam existir cerca de 1,7 milhão de vírus hoje desconhecidos tendo como hospedeiros mamíferos, em especial os morcegos – como ocorreu com a própria Covid-19 -, ou aves. Desses, entre 540 mil e 850 mil poderiam chegar a dar o salto das espécies e contaminar humanos.
O cerne da questão, ressaltam os autores, não é culpar a natureza, mas entender que o surgimento das doenças só ocorre porque estamos afetando o ambiente onde os micróbios estão quietos. O desmatamento, a expansão agrícola e o tráfico de animais causam aproximação. O aquecimento global e as mudanças climáticas, já associados, por exemplo, à encefalite transmitida por carrapatos na Escandinávia, podem aumentar o risco de surgimento de novas doenças ao impulsionar migrações de pessoas e de animais após algumas regiões se tornarem inabitáveis.
Prevenção
Reduzir todas essas pressões humanas, sugerem os pesquisadores, é mais barato que lidar com uma pandemia como a da Covid-19. “Estima-se que as estratégias globais para prevenir pandemias baseadas na redução do comércio de animais selvagens e de mudanças no uso da terra, além do aumento da vigilância, custem entre US$ 40 bilhões e US$ 58 bilhões anuais (aproximadamente entre R$ 200 bilhões e R$ 290 bilhões) – duas ordens de magnitude a menos do que os danos causados pelas pandemias.” Eles comparam com estimativas que vão a um custo de até US$ 16 trilhões só nos Estados Unidos até o ano que vem – isso se uma vacina contra a Covid-19 já estiver sendo aplicada.
A pesquisadora brasileira Mariana Vale, da UFRJ, que em julho publicou um estudo na revista Science com esse alerta, lembra que a relação entre desmatamento e emergência dessas doenças já é bem estabelecida pela ciência e não há por que adiar esse tipo de ação. “Ou a humanidade muda de atitude em relação à natureza, ou teremos de conviver com pandemias recorrentes como a Covid-19”, disse ao jornal Estado de S.Paulo.
A Amazônia, sofrendo com uma alta do desmatamento, diz ela, oferece risco particularmente alto para a aparição de novas doenças. Lá está a maior diversidade de morcegos do mundo – cerca de 120 espécies. Para a pesquisadora, é uma sorte que a devastação da Amazônia ainda não tenha resultado no encontro de humanos com um vírus potencialmente pandêmico.
Entre as recomendações do painel está a criação de um “conselho intergovernamental de alto nível” capaz de prever quais são as áreas de mais alto risco e de avaliar o impacto econômico de pandemias em potencial.