Entenda qual é a importância do Zé Gotinha para saúde pública do país
Criado nos anos 1980, personagem Zé Gotinha está no imaginário popular e está sendo reinserido para estimular a vacinação no Brasil
atualizado
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Em 1987, o Brasil vivia um cenário epidemiológico complicado. Doenças como sarampo, catapora, coqueluxe, difteria e poliomielite, que hoje são consideradas controladas, estavam em alta de casos, e as vacinas ainda não eram tradicionais no país.
Para tentar convencer a população a se engajar pela imunização, surgiu o Zé Gotinha. Desenhado pelo artista plástico Darlan Rosa, o personagem representava o novo imunizante em gotas contra a pólio.
O professor Wildo Navegantes de Araújo, do Departamento de Saúde Pública da Universidade de Brasília (UnB), lembra que, antes da implementação do Zé Gotinha, o processo de comunicação relacionado à saúde enfrentava um certo “cansaço”, e a mensagem principal era de que quem não toma vacina, morre. “Esse reflexo negativo era preocupante. Com a criação do personagem, essa perspectiva foi alterada completamente”, explica o professor.
“A ideia era que a vacinação se tornasse mais lúdica, e que as pessoas entendessem que era um compromisso social de todos. A intenção era transformar a imunização em um dia de festa”, completa o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri.
A campanha daquele ano foi um sucesso. Com a ajuda do personagem, o país conseguiu ultrapassar a marca de 95% da população alvo imunizada, o suficiente para afastar completamente a ameaça da poliomielite do território brasileiro.
“Tivemos uma adesão tremenda da sociedade, as pessoas compareciam para vacinar as crianças. O Zé Gotinha ganhou uma outra magnitude, pois a imagem dele começou a ser atrelada ao movimento campanhista de rotina de vacinas”, explica Araújo.
O Zé Gotinha não só se tornou parte da experiência da vacina, como ganhou até uma família: em 2021, a população foi apresentada à Dona Gotinha (avó), Seu Gotinha (avô), Gotinha Jr. (filho) e Maria Gotinha (esposa), com o objetivo de incentivar a imunização de outros grupos.
Desafio moderno
Apesar de não ter estado tão presente durante a pandemia de Covid-19, o governo voltou a apostar no Zé Gotinha em 2023 — o personagem esteve até na Sapucaí, abrindo os desfiles de Carnaval. Porém, a missão agora está mais complicada. A maioria das doenças preveníveis por vacina está “controlada”, mas o país vê as taxas de cobertura vacinal despencando nos últimos anos.
Os imunologistas lembram que, hoje, as vacinas são vítimas do próprio sucesso. Elas funcionam tão bem que as doenças desaparecem e, sem a ameaça, sem ter casos visíveis, as pessoas não acham que a imunização é necessária.
“É paradoxal. Acho que o Zé Gotinha pode contribuir para a maior adesão, mas o cenário agora é outro, a gotinha é virtual e as notícias são transmitidas com muito mais velocidade. Ainda assim, o personagem é um agente muito importante, que não resolve nada sozinho, mas precisa estar no cenário digital para que os pais sejam impactados, assim como as crianças e os adolescentes”, explica Kfouri.
Araújo esclarece que, para que o personagem faça a diferença, é preciso uma mobilização da sociedade, com várias campanhas educacionais massivas e orçamento condizente com a missão de manter a saúde da população.
“O Zé Gotinha simboliza um dos grandes programas de saúde do Brasil, que é a vacinação gratuita, disponível universalmente para a maioria da população brasileira. Como antigamente ele atraía e mobilizava o lúdico das crianças e famílias, ele pode, sim, atrelado a uma boa campanha educacional e de comunicação, voltar a ser o personagem que favorece a adesão dos pais e filhos”, afirma Araújo.
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