Entenda por que os cientistas estão guardando amostras de fezes
Acadêmicos trabalham em projeto que consiste em guardar bactérias do intestino humano que estão em extinção para estudá-las e preservá-las
atualizado
Compartilhar notícia
Apesar de bactérias serem comumente associadas a algo nocivo, a maioria delas faz bem para o organismo humano. As que compõem o microbioma intestinal, como são chamados os microrganismos que vivem no sistema gastrointestinal, por exemplo, ajudam na digestão e no bom funcionamento do sistema imunológico.
Entretanto, alguns microrganismos do bioma intestinal estão sob risco de extinção. Para evitar o fim das bactérias, cientistas da Suíça querem preservá-las criando uma espécie de banco global de fezes e outros materiais biológicos, uma espécie de cofre. O nome do projeto, que está na fase piloto, é Microbiota Vault (Cofre Microbiota).
A ideia é reunir universidades de várias partes do mundo para armazenar os microrganismos e estudar qual função eles desempenham na saúde geral. A expectativa é que os resultados do levantamento resultem em novos tratamentos contra doenças crônicas, como obesidade e asma.
Extinção
A microbiologista Maria Gloria Dominguez-Bello, que lidera a iniciativa internacional, explica ao portal BBC News Brasil que a diversidade de bactérias caiu de forma drástica nas últimas décadas.
Ao estudar povos indígenas da Amazônia, ela observou que a variedade de bactérias que eles carregam no intestino era praticamente o dobro do que é detectado nos indivíduos que vivem em uma cidade grande de um país desenvolvido.
O microbiologista Christian Hoffmann, que é o único brasileiro que colabora com o Microbiota Vault, explica que o processo de extinção dos microrganismos se iniciou com a Revolução Industrial, que aconteceu na virada dos séculos 18 e 19. A partir daí, o ser humano passou a refrigerar e preservar melhor os alimentos para que os tivesse à disposição em grande quantidade.
A tecnologia deu mais segurança à população, evitando a ingestão de comidas contaminadas, mas também alterou os hábitos alimentares. As modificações na dieta continuam acontecendo, e se aprofundam conforme aumenta a disponibilidade dos alimentos industrializados, ultraprocessados ou de baixo valor nutritivo.
“Nos últimos 20 anos, o brasileiro diminuiu consideravelmente o consumo de feijão, que era uma das bases da alimentação no país e uma das principais fontes de fibras da dieta”, lembra Hoffmann. As fibras são importantes pois servem de alimento para as bactérias da microbiota intestinal e auxiliam na formação de um bolo fecal saudável.
Perda de variedade de bactérias
Os acadêmicos apontam os antibióticos como agravantes para a extinção de bactérias do intestino. Apesar de serem essenciais no tratamento de algumas doenças, os medicamentos funcionam como aniquiladores de microrganismos, sejam eles maléficos ou benéficos para o organismo.
Ao tomar o remédio, as bactérias não nocivas morrem e abrem passagem para que microrganismos “do mal” tomem conta do intestino, causando um desequilíbrio da microbiota.
Outro fator por trás da extinção de algumas bactérias é o aumento de partos por cesárea. Ao passar pelo canal vaginal, o bebê adquire muitas das bactérias do corpo da mãe para formar a microbiota do recém-nascido dali em diante. Mas, se o parto é feito por meio da cirurgia, a criança não entra em contato com os microrganismos da mulher.
A pesquisadora Maria Gloria afirma que algumas pesquisas já mostram a associação entre bebês nascidos por cesárea e o uso de antibióticos com a maior incidência de algumas doenças, como a asma.
Em estudos com ratos, por exemplo, foi comprovado que interferir na microbiota de cobaias jovens causa crescimento de estatura e peso ao longo da vida dos camundongos. As investigações mostram que o transplante de uma microbiota de um animal saudável para outro que está doente também pode funcionar como forma de tratamento, melhorando condições crônicas e inflamatórias, como obesidade, diabetes e asma.
Porquê preservá-las
A importância da microbiota intestinal ainda é incerta, pois existe uma gama de bactérias a ser explorada. A função de cada uma delas é desconhecida, mas os cientistas temem que a extinção possa ser uma ameaça para a população humana.
O desaparecimento das espécies pode significar, segundo os acadêmicos, o fechamento de uma porta para solucionar problemas do presente e do futuro, como doenças crônicas e inflamatórias.
O Microbiota Vault tem a proposta de preservar as bactérias a partir de dois focos: a coleta de fezes humanas de várias partes do mundo e o estoque de alimentos fermentados por diferentes tipos de bactérias, como queijos e iogurtes.
A princípio, o cofre ficará localizado na Suíça — mas, por causa das recentes instabilidades relacionadas à pandemia de Covid-19 e à guerra na Ucrânia, os responsáveis pelo projeto também estudam outras opções, como manter mais cópias em outros territórios, como a Groenlândia ou a Patagônia argentina.
Receba notícias do Metrópoles no seu Telegram e fique por dentro de tudo! Basta acessar o canal: https://t.me/metropolesurgente.