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Entenda por que crítica do CFM às máscaras vai contra consenso mundial

O Conselho Federal de Medicina enviou ofício à Anvisa afirmando que não existem evidências sobre o uso de máscaras contra a Covid-19

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Ilustração colorida mostra várias pessoas diferentes usando máscaras de proteção - Metrópoles
1 de 1 Ilustração colorida mostra várias pessoas diferentes usando máscaras de proteção - Metrópoles - Foto: GettyImages

O Conselho Federal de Medicina (CFM) enviou à Anvisa um ofício, na última segunda-feira (13/2), afirmando que não existem evidências científicas suficientes sobre a eficiência do uso de máscaras contra a Covid-19 para que o item seja obrigatório em aeroportos e aeronaves. No documento, assinado pelo presidente do CFM, José Hiran da Silva Gallo, o médico chega a dizer que “não há evidências de proteção e sim de agravos à saúde de tripulantes e passageiros em aeronaves”.

O ofício causou revolta na comunidade científica, e contraria recomendações de autoridades nacionais e internacionais de saúde, incluindo a Organização Mundial de Saúde (OMS). A agência regulatória brasileira chegou a se posicionar, informando que pauta suas decisões a partir das melhores evidências científicas.

“O uso correto da máscara é um ato de proteção individual e coletiva. Na mesma direção, as vacinas Covid-19 são seguras e protegem contra as hospitalizações e mortes”, afirma a nota da Anvisa.

Nos últimos anos, foram publicadas várias pesquisas confirmando a eficácia das máscaras. Um estudo feito pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, órgão equivalente ao Ministério da Saúde do país, e publicado em dezembro de 2020 na revista Aerosol Science and Technology, afirma que as máscaras com três camadas de algodão (padrão da OMS) barram 51% dos aerossóis expelidos pela tosse de uma pessoa doente. No caso da máscara cirúrgica, a proteção sobe para 59%.

Uma pesquisa brasileira, feita pela Universidade de São Paulo (USP) e Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), publicada em abril de 2021 na revista científica Aerosol Science and Technology, é considerada uma das mais abrangentes sobre o assunto e também corrobora a importância do item contra a transmissão do vírus.

Os cientistas avaliaram 227 tipos de máscaras diferentes (desde a que a população costurava em casa no início da pandemia até as mais eficientes produzidas por laboratórios renomados) e descobriram que as cirúrgicas têm 89% de capacidade de filtragem, e as de TNT, 78%. As máscaras de algodão têm retenção de partículas entre 20% e 60%.

Já um levantamento em pré-print da Fiocruz mostrou que, em pessoas infectadas, só é possível encontrar o coronavírus na parte interna da máscara, sugerindo que, com a proteção, a contaminação de outras pessoas é mais difícil, já que o patógeno fica “preso”.

Um estudo feito em Bangladesh pela Universidade de Yale, dos Estados Unidos, também comprovou a eficácia do uso das máscaras. O levantamento é considerado o maior do mundo sobre o assunto e envolveu 324 mil adultos.

Cerca de 178 mil participantes receberam máscaras gratuitamente e instruções sobre a importância de usá-las. O outro grupo não ganhou nenhum item. Todos passaram por testes regulares de Covid-19.

Entre os que tiveram suporte, 7,6% tiveram Covid, comparando a 8,6% do grupo de controle. Os pesquisadores dizem que as intervenções diminuíram os casos de Covid-19 sintomática em 9,3%. As infecções com sintomas também foram 11,2% menores entre as pessoas que usaram máscaras cirúrgicas ao invés das de pano.

Confira algumas reportagens publicadas pelo Metrópoles sobre a eficácia das máscaras durante a pandemia de Covid-19:

Simulação compara alcance de vírus em situações com e sem máscara. Vídeo

Uso de máscaras em escolas diminui casos de Covid em 23%, diz estudo

Covid-19: máscara, distância e proteção para olhos funcionam, diz pesquisa

Uso de máscaras reduz carga viral e gravidade da Covid-19, diz estudo

Veja por quanto tempo cada modelo de máscara protege contra a Covid

Máscara PFF2/N95 é a mais eficaz para proteger população contra Covid

Covid: estudo reforça importância de manter uso de máscara em escolas

Uso de máscara no exercício não faz diferença na respiração, diz estudo

Covid-19: máscara reduz em até 40% taxa de crescimento de novos casos

Máscaras não aumentam risco de intoxicação por CO2, demonstra estudo

Consenso mundial

A eficácia do uso de máscaras para proteção contra doenças respiratórias, como a Covid-19 e a influenza, é pacificado entre a comunidade internacional. A Organização Mundial de Saúde (OMS), por exemplo, afirma no site oficial da entidade que o item diminui a quantidade de partículas infecciosas que podem ser inaladas e exaladas.

“Essas partículas podem se espalhar quando um indivíduo infectado fala, canta, grita, tosse ou espirra, mesmo que não tenha sintomas. Por isso, a máscara dá proteção a quem está usando e às pessoas ao redor. Elas são um dos componentes de prevenção e controle para limitar a disseminação da Covid-19”, diz a OMS. A entidade pede ainda que a população apoie quem escolhe usar as máscaras no dia a dia, ainda que fora de situação de risco.

O CDC dos Estados Unidos também recomenda o uso do item de proteção para o público geral — a máscara deve ter o maior nível de proteção possível, se ajustar corretamente no rosto e ser confortável para o usuário. As opções N95 e cirúrgica são suficientes para o dia a dia, de acordo com o órgão americano.

O Ministério da Saúde do Brasil também é a favor das máscaras. Em nota técnica publicada esta semana, o órgão reafirma a recomendação de uso do item. “Neste momento, não se faz necessária a atualização da recomendação da OMS relacionada ao uso de máscara no Brasil”, diz o documento.

A recomendação oficial da OMS é que se deve usar o item em locais lotados, fechados e com pouca ventilação. Se o indivíduo acha que pode estar com Covid-19 ou já tem o diagnóstico confirmado, também deve optar pela máscara quando dividindo espaço com outras pessoas. Quem não tem sintomas, mas convive com alguém que pode estar infectado, deve usar o item de proteção.

Segundo a entidade, pessoas dos grupos de risco para a Covid-19 devem optar pelo item todas as vezes que estiverem em público.

Levantamento frágil

Uma das principais críticas ao ofício do CFM é que ele cita estudos antigos para desacreditar as máscaras — há pesquisas de 2015 e 2020 contra o uso, enquanto os estudos a favor são mais atualizados.

O mais recente dos levantamentos citados pelo CFM para criticar as máscaras é uma meta-análise feita pelo Cochrane Library, um instituto conhecido por fazer revisões que consideram vários estudos já publicados.

No Twitter, a doutoranda em Saúde Coletiva e responsável pelo perfil Qual Máscara, Beatriz Klimeck, explica que a meta-análise do Cochrane Library não diz exatamente que faltam evidências científicas para o uso de máscara como aponta o ofício do CFM.

“Eles afirmam que há pouca ‘evidência de qualidade’ para justificar a recomendação. Essas evidências de qualidade, para eles, são somente ensaios clínicos randomizados. Como realizar esse tipo de estudo sobre o uso populacional de máscaras? Seria ético expor parte do grupo ao vírus? Como averiguar a aderência do uso – sem o nariz para fora, usando sempre? Como lidar com a transmissão dentro de casa, sem máscaras?”, questiona.

Beatriz pontua que alguns dos estudos apresentados são dados como inconclusivos mas, na verdade, mostram uso intermitente ou errado das máscaras, impactando o resultados. Ela diz ainda que os autores da revisão são conhecidos por defender a imunidade de rebanho (teoria derrubada ainda no início da pandemia) e o “isolamento vertical” (apenas as pessoas dos grupos de risco deveriam ficar em casa).

Um dos responsáveis pelo levantamento é conhecido por ter dito que as máscaras N95/PFF2 não deveriam ser usadas pois causam acne.

A divulgadora científica Mellanie Fontes-Dutra explica, também em fio do Twitter, que o estudo da Cochrane foi feito levando em consideração pesquisas conduzidas em centros urbanos de países de baixa renda e enfermarias de hospitais de nações de alta renda, situações que não oferecem uma boa comparação, já que a adesão às máscaras e quaisquer outras medidas é muito diferente nos cenários.

Segundo Mellanie, a análise do instituto encontrou “pouca ou nenhuma diferença” no uso de máscaras, mas a baixa adesão às intervenções físicas, assim como o viés das pesquisas estudadas, faz com que não seja possível concluir se o item funciona ou não.

“O grau de certeza quanto às evidências é baixo a moderado, e isso faz com que o verdadeiro efeito do uso dessas medidas físicas possa ser bem diferente do que foi observado”, escreve a biomédica e neurocientísta da Rede Análise.

Defesa do CFM

Em nota enviada ao Metrópoles, a coordenação de imprensa do CFM diz que a entidade não se posiciona contra as máscaras, e apenas compartilhou com a Anvisa um levantamento sobre o assunto.

“O envio teve como objetivo contribuir com reflexão sobre o tema no âmbito daquela autarquia, em especial no que se refere ao trânsito de passageiros e tripulantes na aviação. No Brasil, chama a atenção o fato das máscaras serem obrigatórias apenas nos aeroportos e aviões, enquanto não são cobradas em outros ambientes, como shows e outras aglomerações. Diante disso, entende-se que cabe à Agência avaliar os documentos e tomar medidas com base nas evidências arroladas, caso as considere pertinentes”, diz a nota.

O CFM explica ainda que o ofício não foi publicado em nenhum local e nem divulgado. O documento foi encaminhado apenas à Anvisa.

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